‘Maulicio’, 80

Folha

Só vi o seu Mauricio de pertinho uma vez e foi exatamente como tinha de ser, como aparecia em meus sonhos infantis. Ele me abanou um tchau e me soltou um sorrisão simpático, carismático.

Tomou fôlego e seguiu com seus cuidadosos passos de pessoa com 79 anos, distribuindo olhares de abraço e cativando gente pelo caminho. Um Papai Noel moderno, um superstar da imaginação de meninos e meninas.

Na próxima semana, ele passará a ser ainda mais emblemático: seu nanquim vai começar a “pintar o oito”. Ele entrará na galeria dos octogenários inspiradores desse mundo. Gente cuja contagem do tempo só avoluma o álbum de realizações marcantes, só amplia seu clube de admiradores.

Em minha escala de justeza, Mauricio de Sousa é a personalidade brasileira que mais fez pela inclusão, em todas as suas facetas. Tocou na questão de gênero, quando bater em mulher “era coisa da vida”; criou um personagem negro para sua turma, quando o negro mal tinha representação artística digna em sociedade. Ele proporcionou ainda uma evolução no universo das deficiências.

Para o seu “Maulicio”, como diria Cebolinha, em time que está ganhando se mexe, e muito. Mesmo com todo o sucesso consolidado de seu elenco animado, para dar espaço à diversidade –de verdade– ele foi abrindo quadrinhos para novidades humanas de grande impacto para a ampliação do espírito de integração da criança. Criou um personagem cadeirante (Luca), um “tchuberube” (o Louco, com deficiência intelectual), uma cega (Dorinha e seu cão-guia, Radar), um com autismo (André) e, mais recentemente, uma garotinha com síndrome de Down (Tati).

Além de dar cor às diversas diferenças físicas e sensoriais, Mauricio as juntou à turma convencional, estimulou o entendimento do modo de ser e de interagir de cada uma e incentivou o que é nato nas crianças em relação ao incomum: a curiosidade, a descoberta, o estranhamento e, por fim, a união carinhosa e a amizade incondicional.

Os gibis do seu “Maulicio” –ou as páginas de historinhas que podem ser lidas pelos tablets e computadores, os filminhos da TV– são alento e diversão para crianças internadas por longos períodos nos hospitais. Acompanhar, rir e brincar com as aventuras de Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali é transportar-se um pouco para fora das amarras do soro, é esquecer-se da dor da picada da injeção, é aliviar-se do aperto da distância dos amigos, do colégio e da família.

Que prazer deve ser entrar nos 80 anos sabendo que sua obra pode acalentar meninos que vivem em abrigos, pode fazer companhia para crianças que ficam em casa sozinhas, pode dar vento às pipas de imaginação da molecada encantada com o mundo da lua.

Hei de me esmerar para, daqui a uma década, no aniversário de 90 anos do gênio desenhista, minha Elis renda também sua homenagem a ele. Ficarei feliz tanto se ela pintar o rabo do nosso vira-latas de azul e começar a chamá-lo Bidu, quanto se ela me persuadir a deixá-la comer todo o saco de jujuba se dizendo meu “Anjinho”.

Tomara que minha filha beba muito no pote mágico da Turma da Mônica e se faça criativa, inquieta, humilde e astuta. Que ela tenha alma da brincadeira, a alma que encanta em Mauricio de Sousa. Um viva para o seu “Maulicio”!

Comentários

  1. Jairo, aqui é a Bárbara, do jornalismo da PUC que te entrevistou há mais ou menos 15 dias la na Folha.
    Pode ter certeza que com o pai que a Elis tem, não faltará humildade, criatividade, vontade de aprender e garra.
    Não sabia que o Sr “Maulício” tinha criado personagens com deficiência e contribuído tanto para fomentar esse debate e esse espírito democrático nas crianças. Acho que se minhas professoras da educação infantil tivessem usado essas historinhas em suas atividades, talvez eu não tivesse sofrido certas coisas. Mas o que precisamos fazer é contribuir como podemos para que esse debate sempre avance, e você cumpre esse papel brilhantemente!
    Mais uma vez obrigada pela conversa e pelas experiências compartilhadas. Espero te encontrar em breve nessa vida que é “bonita, é bonita e é bonita”!
    Beijão
    Bárbara.

  2. Jairo linda sua mensagem de hoje. Fiquei até emocionada, pois há mais de 30 anos, bem mais, aprendi a ler com essa turminha. Até “sentia o gosto” das goiabas que o Chico Bento “roubava”… Em um mundo cada vez mais carente de amor e respeito ao próximo, o Maurício nos deu o seu melhor.
    E você como sempre, tem minha admiração e respeito, como é bom ler o que vc escreve.
    Um viva para o seu “Maulício”…

  3. Não consigo me lembrar o motivo, mas minha infância (década de ’60, início da de ’70 – é, eu sou velho) não foi contemplada pela turminha, tendo sido monopolizada pelos gibis da Disney. Já minhas filhas tiveram acesso à Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e todos aqueles personagens que há décadas encantam a ‘mamandos’ e ‘caducandos’ Brasil afora. Por conta de seu post comentei com Eliana ontem sobre a brutal diferença existente entre os personagens Disney e as crias do Maurício, e que não é difícil optar pelos tupiniquins. Primeiro porque culturalmente têm tudo a ver com a gente (em que pese uma puxada regional por SP), depois – e principalmente – porque respeitam a infância e difundem valores condizentes com a idade da criançada que, em ambos os casos, são o público-alvo principal. Uma análise mais fria sobre os personagens Disney leva à constatação de banalização de desvios morais e comportamentais, como a sovinice, a preguiça, o orgulho em seu pior sentido, a soberba e o preconceito. Longa vida ao Maurício e à turminha!

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