Os meus 50%
Eram 5h30, o chão começou a tremer e um barulho de broca mal alinhada tomou conta da casa. Saltei da cama buscando uma rota de fuga e, na sala, encontro a mulher fazendo inalação na bebê, que havia ficado resfriada. Embora seja algo comum, para pais de primeira viagem um nariz fungando em sua cria tem efeito de hecatombe no raro sossego que resta à madrugada.
– Mas ela tá respirando tão direitinho, digo
– Sim, mas tem um negócio fazendo barulho por dentro dela, retruca minha amada e mãe desesperada.
Não são necessárias explicações lógicas nestas situações, já aprendi. Catei o inalador do chão, segurei firme para conter um pouco a vibração _que até agora sacoleja algo em mim_, e fiquei entre o cochilar e o escutar grunhidos de Elis, que me parecia super de boa.
Ao final, com as meninas mais calmas, pensei comigo mesmo: “1% realizado”.
Acho justa, moderna e humana a combinação de casais da atualidade em dividir meio a meio a responsabilidade de dar prumo à vida dos filhos desde o nascimento, mas, preciso confessar que, para esse pai quarentão e mal-acabado das partes, não tem sido fácil, nem simples e muito menos plenamente possível. Não tenho consigo passar nem por aproximação.
As mobílias de bebês não foram nada pensadas para dar ergonomia a papais cadeirantes. Para limpar o bumbum da Elis no trocador, tenho de ficar na alça de mira de uma possível nova rajada de rejeitos e sem grande mobilidade para escapar da tragédia. Ao final do dia, tenho limpado a lixeira, dado uma arrumada nos apetrechos da pequena e somado mais 1% à meta.
Mas a minha derrocada numérica na matemática da igualdade de adular menino se atenua diante de algo inusitado: a pança. Fomos premiados com uma menina que tem cólicas nível arrasa quarteirão. Depois de bolsinha de água quente na barriga, fitoterápicos “poderosíssimos”, horas de um chiado chato emitido pelo celular que juram ser “o som do útero”, é mesmo a pança do papai o que vai relaxar a neném.
Acomodo a danada na protuberância que a medicina tanto condena, canto músicas de São João, damos uns gingados juntos e, geralmente, funciona. Elis dorme gostoso, enche minha camisa de baba e somo lá meus 5%.
Tenho agrupado também ao meu vexatório percentual de pai “modernozo” a função de fazer as pesquisas mais esdrúxulas da história dos buscadores das “internets”. Mando ver em perguntas do tipo “como saber se a bebê está gostando da tiara de oncinha em seu cabelo?” ou “devo me preocupar se o neném arrotou muito rápido?”.
Defendo que descobrir a cancão “Chá-chá-chá”, do grupo Palavra Cantada, um alívio para os ouvidos que já recusam “Galinha Pintadinha”, valeu-me, no mínimo, mais 0,5% na média.
Não é moleza ser um pai não-convencional. A conta parece nunca fechar nas questões práticas e há sobrecarga óbvia para a mamãe. O que me resta é estourar a banca de amar minha menina, de brincar com ela de olhares vesgos e com vozes estrambólicas. Os meus 50% terão de ser de um jeito diferente. Terão de ser 100% atentos em pequenos mimos quase sem valor, quase.
Velho, eu sempre me senti meio que constrangido por ter o sono muito pesado. Raramente acordava no meio da noite por conta de um nariz entupido ou uma tossezinha das minhas crianças, quem dormia com um olho aberto era sempre a mãe. Meus 50% estavam longe de ser atingidos nesse quesito, apesar de ter ficado craque na arte de aliviar as cólicas da molecada. Com o tempo fui percebendo que o sentimento de insuficiência como pai era fruto de uma autocobrança exagerada e destrutiva, e que minha ‘meta’ era atingida em terrenos outros. Creio que isto também vai acontecer com você (além de mim, Eliana percebeu nas entrelinhas de seu texto uma auto-cobrança igualmente exagerada, apesar de normal). Mesmo esta fase de cólicas tem seu encanto, as lembranças das noites mal dormidas serão ternas e recheadas de carinho. Elis ainda não tem consciência do presente que ganhou em forma de mamãe e papai, mas os anos se encarregarão de fazer com que se orgulhe de vocês dois por tudo o que são.
Ahhhhhh, que boniiiiito!
É tão gostoso ler o que escreve sobre seus aprendizados como pai de primeira viagem. Adorei ler como vc a coloca sobre a “pancinha” e canta pra ela dormir.
Só posso parabenizá-lo tio por fazer valer cada porcentagem na sua parte de pai.
Bjss
beijos, querida
Ah Jairo, sinto lhe dizer mas é muito difícil chegar aos 50%. Tem coisa que só a mãe faz e o pai nem faz ideia…Pela minha experiência você pode reduzir um pouco a sua meta e ainda vai estar na categoria “Super pai”. Parabéns pela dedicação. É muito bom ver que o mundo muda e que se os homens de hoje trocam fraldas e cantam canções de ninar significa que estamos caminhando para um mundo bem melhor.
😉
Quanto amor de pai no seu belo texto! Com certeza no segundo filho você estará entendendo sobre bebês ! Kkkkk
😉
Que delicinha de ler isso aqui 🙂 Só a consciência de entender a responsabilidade que tem e tentar dar o seu melhor pra ajudar já lhe dão mais uns pontinhos. Saúde sempre à pequena Elis e a vocês. Abraço.
É difícil, mas duvido que você troque esta experiencias com qualquer outra coisa do mundo!!
Grande abraço e Muitas Felicidades !!
Abração, primo!
Jairo, você já é um superpai de sua Elis, que terá o maior orgulho de você quando começar a entender esse mundo em que vivemos.
Sobre as cólícas, o que posso dizer: vai passar, meu caro, uma hora passa! Rsrsrs!!!
Tá bem, agora eu posso começar a dizer, “vc tinha razão”… estão passando!!!! 😉