Missão de irmão
A ideia do casal era bem definida e irredutível: teriam um segundo filho para que ele fosse o parceiro inseparável e incondicional do primeiro, que havia nascido descompensado da cachola e precisava de um grande amigo. O segundo seria perfeito, com alma de salvador e disposto a enfrentar o que desse e viesse, sendo o candeeiro da família para um futuro mais tranquilo.
Hoje, é possível pensar no segundo filho como elemento de reparação de um primeiro organismo que tenha nascido com alguma deficiência. Seria concebido para ser doador de um de seus órgãos, de parte de seu material genético e até de parte de sua própria vida.
Um grande amigo já me disse que entende a necessidade de um segundo filho como uma espécie de “poupança” para a velhice. Deixar a responsabilidade de cuidar dos pais nas mãos de apenas um rebento pode ser uma tarefa ingrata e exaustiva.
Em cada um desses conceitos, evidentemente, moram não apenas a racionalidade da solução de um problema que se impõe, mas também um possível compromisso de criar um ambiente repleto de bons sentimentos para o crescimento de “serumanos” solidários e a urgência de propiciar melhor qualidade na existência de um ente.
Embora tudo pareça ter um manto irretocável de justeza e humanidade, vir ao mundo com uma missão predeterminada soa como a fabricação de uma peça para girar uma engrenagem emperrada ou como ser o guardião das chaves do único caminho que leva à felicidade.
Isso quando o que está envolvido não é um perigoso anteparo para um bastião de culpas, de medos e de sensações de fracasso. É vão o pensamento de querer compensar uma história com outra porque os enredos são sempre diferentes na lida real.
Nascer para ajudar é realmente nobre, emocionante, mas é um tanto presunçoso acreditar que todos os elementos de uma vida podem ser controlados e moldados para a conquista de uma finalidade. Em essência, vir ao mundo envolve um absoluto fuzuê de possibilidades e de direções que podem ou não ser abraçadas e assumidas.
É necessário algo além da sorte e da dedicação extrema na criação para botar todas as fichas na menina “segundinha” como excelente zeladora do caçula down ou autista, por exemplo. Há um contexto de preparo emocional a ser avaliado, de vocação, de interesse.
O mesmo vale para imaginar o filho como o provedor dos pais debilitados pela idade. Dá gosto ao coração quando isso se realiza e acontece de maneira natural, embalado por consciência de gratidão, de amor e de transição lógica de gerações, mas não existem regras rígidas que determinem de maneira perfeita um caráter, um senso de responsabilidade ou mesmo formas de expressar sentimentos profundos.
Como sou o caçula, meus irmãos não foram planejados para dar suporte aos meus perrengues de ªmal-acabadoº, mas acabaram por abraçar, de certa maneira, demandas de minhas inabilidades. Eles me levavam para a escola quando podiam, passavam-me piolho quase sempre e cobravam da mãe igualdade de tratamento dentro de nossas diferenças. Meros irmãos, mera família.
Sabe Jairo, causou-me grande empatia seu texto. Por varias razões. Sempre questionei os argumentos utilizados para justificar a razão de compor familias com filhos ou não. Sentia pena dos fihos que viriam da opção dos pais de terem alguem para amparar a velhisse, ou para dar continuidade do legado ou para fazer companhia pro irmão…. pois bem, antes de nascer ja tinham o direito a liberdade de escolha cerceado…a vida encarrega de ensinar aos pais que não é regra. Sempre sonhei com tres filhos, qdo o segundo nasceu com Sindrome de Down, descartei o projeto, não queria o sentimento que o segundo “filho não tinha vaalidade. Curti demais meu bb, que hoje tem três anos e é completamente independente (dentro das possibilidades da idade dele), mas agora, gravida do meu terceiro filho (foi uma grata surpresa), vou fazer minha parte de mãe e deixar que o tempo encarregue-se do resto… O ponto de vista do caçula, com essa vc me surpreendeu….quem disse que o “chatinho” da casa tambem não carrega suas marcas? Amei seu texto….
Amei seu comentário, Emilia! Um grande abraço
Sabe Jairo, meu filho mais velho tem Sd de Down. E vou te confessar que um dos primeiros pensamentos que me ocorreu com a noticia foi: “Meus Deus, e quando eu morrer? Quem vai cuidar dele???” E ele tinha dias de vida…depois de assentada a poeira, mas ainda com este raciocínio, engravidei:”É bom ter um filho pertinho do outro, vai servir para estimulá-lo, crescer junto…” Mas tambem lá no fundo da alma aquela voz …”e vai cuidar dele…” Os dois cresceram juntos sim, mas logo percebi que não sou dona da vida de ninguem. Que aquele raciocínio era demasiado egoísta. E fui então criando o mais velho acreditando sempre que ele podia tudo, tentando fazer que as pessoas acreditassem nisto também (porque ele tem certeza disto!). E a irmão o vê como um igual, que tem dificuldadea e talentos, como ela. Enfim, só pra compartilhar um pouquinho do que vivi e que lendo seu texto, revivi! Hoje eles tem 20 e 18 anos (e ainda sobrou tempo pra ter um terceiro, que tem 10! rsrs), e sei que os caminhos são distintos, mas sendo irmãos, eles se entrecruzam e pode ser que se apoiem. Existe muito amor, mas não existe qualquer obrigação do “cuidar”. A gente aprende, sempre aprendemos vivendo.
Ana… tô em frangalhos com seu relato.. arrepiado… A maturidade com que vc faz esse relato abrilhanta esse espaço e contribui, pode ter absoluta certeza, com a vida de milhares de pessoas… Um beijo
Olá Jairo, interessante o texto. Sou mãe de menino “malacabado”, plagiando seu termo, meu menino nasceu cego, com microfitalmia bilateral. Após fazer muitos exames para saber os motivos de lê ter nascido apresentando essa rara condição, quis outro filho. Sonhava com outro bebê loucamente e confesso, sem reversas, que no fundo da minha psique, era uma compensação, como uma sensação de fracasso….ter outro filho talvez fosse a recompensa emocional que precisava. Portanto, um filho não substitui outro; amo incondicionalmente meus filhos, meu bebê não compensou o Rafa, hoje Rafa tem 4 anos e Gabriel tem 1, olho as fotos do Rafa bebê e morro de saudades, pois não vivi a fase bebê do meu ceguinho lindo, preocupada que estava com o futuro dele, não sabia lidar com a deficiência. Digo para todas as mães: vivam seus filhos, com deficiência ou não são FILHOS.
Nossa, Elaine…. seu comentário é de estremecer… de emocinar a gente às lágrimas… muito obrigado, muito obrigado, mesmo… Um grande e fraterno abraço
Concordo com você em gênero, numero e grau.
Uma vez fui para uma ginecologista e esta me disse: “Por que você não tem um filho para cuidar de você, quando for mais velha? Eu fiquei muitíssimo indignada com isso, uma vez que entendo que um ser humano deva ser livre para escolher o que ele quer na vida. Eu não posso e nem quero atrelar ninguém para cuidar de mim quando eu estiver sozinha. É por causa da pc. que isso aconteceu e não me arrependo nadica de nada por não ter um filho só para cuidar de mim. Haja!!!!
Também tenho irmãos, mas eles tem a vida deles e eu a minha.
Bjs em você, na Thais e Elis
Textos francos como esse devem ser lidos com atenção e com o coração. Agradeço mais uma vez por suas palavras, sempre tratando de assuntos profundos com um toque de humor sensacional.
deve ser bem desagradável alguém saber que veio ao mundo só para salvar irmãos ou cuidar de pais idosos…
Concordo com você, e o respeito com o ser que chegou? Ele terá seus sonhos próprios, sua realidade, nada pode ser imposto, as coisas acontecem naturalmente, e o amor estará por cima de tudo.