O perigo assistencialista da passagens de ‘graça’ para pessoas com deficiência

Jairo Marques

Na semana passada, uma advogada gaúcha, que tem deficiência, ganhou na Justiça, em segunda instância, o direito de não pagar por passagens áreas de uma viagem que fez a Brasília. Para ler, clique no bozo… bozo

Hoje, apenas transportes terrestres cumprem a legislação de destinar dois lugares no bumba em cada viagem para o povão com deficiência e comprovadamente carente.

O espírito da lei é compensar, de certa maneira, as restrições de ir e vir imposta a quem mal consegue botar o nariz para fora de casa e dar acesso a melhores condições de busca por tratamentos médicos (normalmente, os melhores, estão em grandes centros).

Para mim, não há muito o que contestar quando o quadro em questão é estritamente o relacionado à busca de melhores estruturas de cuidado à saúde, à reabilitação.

Desde que hajam regras claras, me parece mais do que justo que o erário público (não as empresas privadas) banque pelo custeio, não só do transporte, como de todo o translado de quem busca melhorarias na funilaria ou no motor… 😯

A questão ganha outros contornos quando se defende que o transporte precisa ser gratuito a pessoas com deficiência em quaisquer condições em em qualquer modal. Então, se eu quisesse queimar as pelancas no Nordeste era só juntar meus “trem”, catar a mulher e os meninos e deitar o cabelo para praia. A minha passagem seria de graça.

É preciso que haja maior clareza entre os domínios do que é justo, do que equilibra realidades e o que é criado com o simples fundamento assistencialista, uma vez que é “bonito” agradar quem não tem perna, não vê, não escuta, nem nada…

viagem

O que a Justiça precisa estar atenta é na garantia das condições iguais ao trabalho, à educação, ao lazer. Paliativos como uma passagem aérea não agrega em nada à inclusão de fato e pode aumentar um ranço de dependência extrema que paira sobre o povo “estropiado”.

O cenário atual é cinzento, não tem regras objetivas e ainda enfrenta a ineficiência do próprio setor de transportes,como um todo, para atender as pessoas com deficiência. Hoje, pagando integralmente pelos bilhetes, somos destratados e recebemos atendimento indigente em aeroportos, rodoviárias, terminais.

Mas não acho e não estou de acordo com soluções paliativas e isoladas para tentar dirimir as distorções de tratamento e de acesso.

É fundamental que se fortaleçam as condições gerais de vida e a inclusão geral de cegos, surdos, cadeirantes etc para que cada tome autonomamente decisões de viagens, de deslocamento, sem assistencialismo.

“Jairim, e quando a pessoa necessita de um acompanhante. E aí?”

Essa situação também, dentro da ótica de Justiça, me parece translúcida: se para conseguir ir daqui para acola com autonomia uma pessoa necessita de um apoio de um cuidador, esse cuidador tem de ser amparado com benefícios fiscais ou mesmo isenção total do custeio das passagens, dependendo da situação em que se daria a viagem. Havendo equilíbrio, tudo certo.

Mais uma vez, para que isso funcione de maneira efetiva e clara, seria preciso mais seriedade no trato das regulamentações. Hoje, se acha demais e se sabe de menos.

Essa situação atual embolada, misturando dó e assistencialismo, só afeta a formação de uma identidade mais proativa e capaz de explicar à sociedade o que de fato são instrumentos para gerar equidade e para fornecer a todos uma vida minimamente equilibrada.

Comentários

  1. A lei fala em carência ou hipossuficiência econômico-financeira, o que pode ocorrer numa situação passageira de desemprego. O bom senso me manda procurar saber o que rolou no processo, porque a moça é identificada como advogada e atleta de paracanoagem, o que faz a alegação de carência soar meio falso. Enfim, a Fabíola foi bem feliz no uso da palavra ‘assustador’ em seu comentário, e creio que você esgotou o assunto ao abordar questões como o abuso de prerrogativas, a forçação de barra na interpretação de leis, enfim, a ‘coisificação’ daquilo que foi concebido e deveria ser tratado como uma grande conquista de quem de fato precisa.

    1. Negão, excelente, como sempre. É preciso que façamos um esforço para entender a profundidade de alcance e objetivo das leis e não apenas querer pegar carona! Abraço

  2. Sou contra gratuidade de transporte para deficientes, idosos, crianças, etc. Alguém vai pagar essa conta e com certeza serão os demais usuários. A luta no Brasil deveria ser por acessibilidade para todos e não gratuidade pois isso não garante melhoria nos serviços, mas aumento de tarifas.

  3. Parabéns pelas suas reflexões, é preciso tratar urgentemente dos deveres, que estão sendo esquecidos pelas pessoas com deficiência, e, principalmente, pelos seus donos, que dizem representá-los.

  4. Caro Jairo,
    Parabéns. Artigo bem centrado e focado. “É fundamental que se fortaleçam as condições gerais de vida e inclusão geral…” como você bem escreveu. Temos que separar a “necessidade” de se estabelecer a busca de tratamento adequado e igualitário da obtenção de “vantagens” acobertadas por assistencialismo. Recentemente ganhei um “cartão de estacionamento em vaga especial” mas considero que não preciso dele pois sou capaz de utilizar uma vaga comum e os deslocamentos me fazem bem, desde que eu tenha as condições razoáveis das vias…seria muito melhor que me dessem calçadas boas e sem buracos, da mesma forma que nos ônibus ou aviões, seria melhor termos atendimento “normal” não sermos destratados.

  5. De fato é isso que vc disse!
    Achei bem assustador essa regalia dessa moça, que gera esperança e frustração em muita gente…

    Eu nunca consegui nada de graça para fazer ou conseguir algo, e não acho errado. O que eu queria era oportunidade, acesso financeiro para ter ( isso inclui, melhores preços da questão de impostos cobrado pelo governo para produtos importados!), para que consigamos atingir produtos de qualidade para nosso bem estar do dia a dia.

    Enfim, ótimo texto.
    Bjoka

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