Desculpas, picolés e camisetas
A cena é velha conhecida destes tempos intragáveis de intolerância: um casal gay se beija em público, como em qualquer momento frugal de relacionamentos, e é hostilizado pelo romance. Desta vez, foi em uma loja de picolés. Os rapazes, entre lambidas e carícias, foram abordados por um funcionário “reaça” dizendo que aquilo não era de Deus e que os dois deveriam sair do local.
Climão, chateação, humilhação, noites maldormidas, uma sensação de inferioridade, uma frustração por não ter a vida e a diversidade respeitadas se misturam e fazem reprimir um pouco mais a força de manifestar a delícia de ser o que é.
Mas aí, finalmente, uma atitude nova surge no horizonte. Uma atitude que expõe fraquezas legítimas quando se trata de lidar com o “serumano”, uma atitude que emociona e promove reflexão.
Os donos do local vêm a público, em redes sociais, fazer bem mais do que passar um pano na sujeira moral criada com a postura desastrosa do funcionário. Assumem o erro sem a chatice de se preocupar em sair com a imagem de bom-moço arranhada, como se o líder, o chefe ou o diretor nunca errassem
O trecho mais comovente da declaração diz o seguinte: “Trabalhamos com pessoas. Não só com picolés! Devemos saber da conduta das pessoas que empregamos em nosso estabelecimento. Devemos orientar e situar nossos funcionários no século 21. Devemos investir em debate e treinamento pessoal para que essa situação nunca chegue a existir. Devemos focar nossa comunicação na tolerância e falar abertamente de amor ao próximo e à humanidade. Nós nos gabamos de não termos robôs em nosso trabalho 100% artesanal. Mas não podemos nos orgulhar disso quando casos desse tipo acontecem”.
Sinto muita falta de mais desculpas de picolés no mundo. Aos algozes de hoje não bastam mais os triunfos a qualquer custo, é preciso um tom blasé diante da atrocidade. É preciso contratar um bom advogado para achar uma justificativa legal para algo que causa vergonha à própria mãe.
Quando o apresentador Luciano Huck quis ganhar dinheiro com uma camiseta infantil com a inscrição “Vem ni mim que eu tô facin”, também houve um desagravo, mas é importante notar a diferença do tom, a mensagem passada ao público.
Disse ele, em sua página no Facebook: “Acho que errei por não ter criado mais mecanismos para zelar pelos processos e evitar que falhas desse tipo pudessem acontecer. Poderia ficar aqui argumentando sobre o trabalho que tento fazer para fortalecer os valores em que acredito e que nada tem a ver com a mensagem equivocada que a tal falha gerou, mas prefiro pedir humildemente desculpas a quem se sentiu ofendido pelo ocorrido”.
Nada sobre a necessidade de fortalecer e rever a segurança da infância, nada sobre a perversa influência de hábitos idiotas de adultos no cotidiano da molecada, nenhuma palavra a respeito dos milhares de meninos e meninas que, de fato, tornam-se “facinhos” para pedófilos.
Mas é bom saber que existe uma contramão à mediocridade das desculpas esfarrapadas e que há quem pense no erro como oportunidade real de evoluir uma postura, um pensamento. Ganha quem luta por novas maneiras de ver os velhos caminhos.
parabéns, temos que trata o humano como eu me trato e me olho no espelho, todos os dias, iguais, para iguais, otima colocação, parabéns
Obrigado, Ademir!
Concordo com o Rogério em gênero, número e grau. E acrescento: enquanto não houver respeito por todos os seres “incluídos pela exclusão”, não haverá a tão sonhada “inclusão”, nem dos defs e nem de ninguém, acredito eu. Bjs.
Beleza de texto para uma beleza de atitude, não apenas institucional mas sobretudo humana.
Um beleza de abraço pra vc!