Verão e independência
Aos trancos e aos barrancos, aqui e ali pelo imenso litoral brasileiro surgem iniciativas de praias acessíveis. Para quem não saca o que é isso, nada mais é do que balneários que possuem condições para que todos possam desfrutar, com esteiras para vencer a areia com a cadeira de rodas e cadeiras anfíbias, especialmente preparadas para o banho de mar.
A sensação de curtir o mar à distância, empacado na areia, tem lá o seu prazer, mas ficar preso pelas rodinhas causa também um calundu, uma chateação pela dependência total, até a de chegar mais perto do isopor para pegar uma querosene… 😯
Tornar todos as praias acessíveis, a meu ver, tinha de ser uma obrigação legal das prefeituras. O fato de eu não ter mínima autonomia de “molhar as partes” no mar compromete fortemente o meu direito de ir e vir.
“Ahhh, tio, mas e os custos disso?!”
Irrisórios perto do bem social previsto. Uma esteira na praia, discreta e prática, ajuda a centenas de banhistas e não apenas o cadeirante. Uma cadeira anfíbia custa lá uns dois mil contos. E infraestrutura básica como rampas decentes é bico.
Quando uma pessoa com deficiência não pode aproveitar o “banho salgado”, toda a família, de alguma maneira, fica prejudicada. Falo por experiência própria. Quando boto minha tanga 😎 e vou “lagartiar”, minha mulher, de certa maneira, também fica afetada porque se vê na obrigação/amor de permanecer a meu lado e ir menos para o mar.
Embora eu aplauda os projetos de “praia acessível”, que contam com barracas e estruturas de apoio, inclusive com pessoal, avalio que já é hora de avançar mais e pensar em uma configuração com mais autonomia.
“Como assim cê fala?”
Da maneira com que estão configurados hoje, os “projetos de praia acessível” são sempre temporários, localizados e abrangentes em seus objetivos.
Penso que já é tempo de estruturas permanentes e menos burocrática, como já me relataram que funciona nos EUA, por exemplo. As cadeiras anfíbias ficam à disposição das famílias, as esteiras são permanentemente estendidas e boa, sem a necessidade de ficar colado a um grupo de apoio.
Claro que entendo e valorizo muito as equipes que dão aquela “hand” ao povão malacabado, inclusive garantem a segurança do banho, mas isso afeta totalmente a “vibe” de quem quer aproveitar o verão de boa, ao lado de quem quiser.
Estamos criando no Brasil um modelo “institucionalizado” de praia acessível e penso que isso joga contra um modelo mais independente e prático.
“Ah, mais num é qualquer um que sabe manipular as cadeiras anfíbias e mimimi mimimi mimim”.
Uma estrutura menos burocrática de organização pode estimular que mais prefeituras tomem vergonha na cara para incluir mais (ou não?!).
O que não dá e que a povão “malacabado”, em um país tropical, fique na dependência de valiosas e pontuais iniciativas para conquistar para si o acesso ao banho de mar.
Na esteira do evento na Barra da Tijuca, com a presença ilustre de nossa amiga Denise Crispim, lembrei-me da viagem que fiz a João Pessoa/PB e de como tinha ficado encantado com a acessibilidade observada na cidade. Havia rampas (dentro dos padrões ABNT, vê se pode!) por todo lado, um semáforo ‘falante’, o calçadão era novo, largo como o da Praia de Iracema em fortaleza e sem nenhum buraquinho sequer. As rampas não estavam somente nas ruas, mas nos pontos de acesso ao comércio, aí incluídas lanchonetes e livrarias. Meu encantamento sofreu sério impacto quando notei que não havia nenhuma acessibilidade na praia. Havia (espero que não haja mais) uma lei que proibia a ‘invasão’ da faixa de areia por quiosques e cadeiras de praia, o que deixava implícito que uma esteira para a passagem de uma cadeira de rodas nem pensar. Como a faixa de areia é bem extensa nas praias urbanas, um cadeirante tinha seu direito de molhas as partes em água salgada negado pelo poder público. Espero que alguém da Paraiba me informe que essa aberração já não existe.
Outra coisa, tio: vi em Brasília, Cumbica e em Natal um aviso nos aeroportos (padrão Infraero) no sentido de que os voos não são mais anunciados pelo auto-falante, devendo os passageiros se orientar pelo monitor. Fiquei me perguntando sobre os deficientes visuais, como é que fica. Você tem conhecimento disso?
Fiquei com aquela impressão chata de que um progresso sempre vem seguido de perto por um retrocesso. Beijos na madame e na Elis.
Em cidade praiana, acessibilidade para o mar deveria ser um ponto básico, né?!
O modelo praia acessível de hoje talvez não seja o ideal para muitos porem, certamente é o ideal para tantas pessoas que necessitam não só do equipamento como do apoio que as equipes dão.
Tem muita gente que por mais dependência que tenham destes dois itens (equipamento e equipe) se sentem felizes pela possibilidade de poder sentir na pele as sensações que a água do mar causa.
Claro que todas as criticas mesmo que não sejam construtivas quem as recebe podem usa-las para aprimorar o projeto sempre.
É muito fácil eu apontar defeitos e apresentar soluções que se adotadas beneficiarão a mim ou a um grupo no máximo com as mesmas limitações minhas, não vejo o praia acessível como um premio de consolação justamente pelo valor que sei que tem pra muitas pessoas que até então não tinham nenhuma possibilidade de “banhar as partes” no mar.
Os projetos de praia acessível são muito importantes, conforme está no texto. A minha observação é no sentido de avançar no conceito.
Eu usei a cadeira anfíbia do projeto Praia Acessível, lá em Ilhabela.
Realmente, o grau de dependência é tão grande que quando eu entrava na água, ela virava um tipo de um brinquedo. Como eu sei nadar, ao entrar no mar, eu sentava e saia dela do tempo todo.
Só achei utilidade pra aquela coisa pra me deslocar da praia até o mar. Mesmo assim, eu dependia do meu sobrinho pra tal.
Na praia do PQA, eu e o meu sobrinho (que antes que alguém venha me encher o saco com falso moralismo, já adianto que ele é um marmanjo de 27 anos!) entramos no mar depois de tomarmos um morrito e duas caipiroskas. Como estávamos ambos breacos, eu sai da cadeira anfíbia pra nadar e o bestão, ao invés de ficar com a cadeira, veio nadando atrás de mim.
Moral da história: quase que a correnteza levou a cadeira anfíbia pra costa da África. Eu e meu sobrinho nadamos desesperados até próximo dos barcos ancorados ao longo da costa, pegamos a cadeira e a empurramos de volta pra praia morrendo de rir com o acontecido e com o efeito da pequena dose de sangue na nossa corrente alcoólica.
Dudé, adorei seu comentário e sua aventura! rs