Eu sei o que é melhor para você

Jairo Marques

Meu povo, agora vai! Tô pronto para o Carnaval 2015! kkkkkkkkkkkkkkkkkkk Feliz ano para todos e vamo que vamo!

Uma das minhas missões pessoais mais importantes nessa vida “malacabada” é ampliar na consciência das pessoas que o fato de eu ter uma deficiência não me tira a autonomia de decisões.

Uma falta de tato social ainda é muito forte quando se discute o autopoder de um cego, de um surdo, de um paralisado cerebral de um cadeirante.

É comum demaaaais eu ouvir aqui ou acola, da boca de gente que nunca vi nem comi 😀  a seguinte expressão: “Olha, eu sei o que é melhor para você, viu? Fique aqui neste cantinho”.

Vou dar um exemplo prático e fresco (ui), aconteceu ontem: Catei a mulher e os meus “trem tudo” e nos mudamos de casa. Vamos ficar num apezinho temporário até que um novo fique pronto.

Por questões práticas, resolvemos morar no centro de São Paulo. Visitamos o prédio, tudo belezinha, mas com pequenas questões de acessibilidade a serem resolvidas, sem grandes obras ou grandes transtornos para eu esperar.

Em acordo com o zelador, que avisou a síndica, escolhi uma vaga na parte térrea do estacionamento, mas ampla que as outras e sem eu correr o risco de ser “fechado” por um vizinho desavisado.

Tudo funcionava bem, até que “trombei” com a síndica…

“Precisamos conversar sobre a vaga do senhor. Não está bom aqui no térreo. Temos um espaço no subsolo que será melhor para o senhor”…

Oi? Como assim, uma pessoa que não sabe nada da minha realidade, que não entende nada de inclusão considera saber o que é melhor para mim?

arrogante

E essa situação acontece com frequência. Quando estou em um lugar muito movimentado, logo alguém se manifesta: “fique ali naquele cantinho que é melhor para você”…. Quando na beira-mar olhando os foguetes da virada, logo alguém se manifesta: “Vai ali para a areia, do lado esquerdo, que é melhor para você”.

Claro que não quero passar uma visão de deselegância e de ingratidão nesses escritos, mas penso ser necessário ter mais cuidado com esse trato com as diferenças, mesmo que ele seja cheio das boas intenções.

Essa história do “eu sei o que é melhor para você” pode ganhar contornos autoritários, de ranço com aquilo que você não sabe lidar.

O melhor para mim é, em geral, aquilo que eu mesmo decido. Eu conheço minhas limitações e minhas capacidades. Eu conheço meus potenciais para fazer ou não fazer algo.

Muitas vezes, penso eu, que algumas pessoas se valem de uma impressão de retardo intelectual das pessoas com deficiência, o que, mesmo assim, não legitimaria uma ação de imposição de um estranho.

Em último grau, quem decide por uma pessoa com síndrome de down, por exemplo, em casos que ela não tenha comprovadamente capacidade de tomar uma atitude, são seus familiares.

É muito bacana analisar, antes de achar que se sabe o que é melhor para o outro se essa atitude não embute um desejo íntimo: de fazer o que é melhor para você, não para o outro.

Sugestões, ideias e palpites de acomodação, de melhores acessos, de maneiras de fazer algo são livres e bem-vindos para qualquer pessoa com deficiência, mas as imposições embutem em si um incomodo, uma perversidade e até um rastro de preconceito. É bom ter cuidado!

Comentários

  1. Não suporto quando tentam decidir as coisas pelo Marcos, ou quando falam comigo ao invés de falar com ele. Ultimamente, tenho sido bem grossa: saio andando e deixo a pessoa no vácuo. Tolerância zero (é fase!).
    Uma coisa que ouço muito é a postura das famílias, que tendem a decidir pela pessoa com deficiência, supostamente protegendo-a das intempéries do mundo. Dureza…
    Agora, o que ficou resolvido sobre a vaga no seu prédio??? Isso vc não contou no texto e fiquei curiosa!
    beijo pra vcs e beijo pra LindaElis <3

    1. Babi, eu também tenho tido pouquíssima tolerância. Tenho agido até de forma grosseira, mas não é o caminho, né? É a falta de informação, em geral, a responsável pelas atitudes tortas… Ah, no final? A síndica, à contragosto, “deixou” eu ficar com o carro onde eu apontei como o melhor lugar ahahhahah.. bjoss

  2. Oi Jairo, feliz 2015!!!

    Já cansei de pedir pra não me segurarem, tiram meu equilíbrio que já é pouco, deixem que eu me apoie.

    Não sei se acontece com vocês, mas comigo esses incidentes acontecem mais quando estou acompanhada. Nunca me perguntam o que quero comer, beber, vestir, onde quero me sentar, de que lado quero ficar… Viro uma fantasma, não me enxergam, só o acompanhante. Sou mais respeitada quando saio por ai desacompanhada.

    Mais uma coisinha, não sentem nos degraus ao lado do corrimão, eu não consigo subir e nem descer as escadarias.

    Respeito é bom e nós gostamos, rsrs…

    1. Lúcia, a Thais já tem a resposta na ponta da língua qdo isso acontece (e acontece muito!): “Por que você não pergunta diretamente para ele?”…. Esse lance do toque, a ajuda sem pedir, tem me incomodado um bocado… mas procuro ter alguma paciência…. beijossss

  3. Pior é quando nos manifestamos, ante essa situação e o especialista em questão, olha abismado, como quem levou um choque ao constatar que falamos e, expressamos de modo inteligente a nossa vontade.

  4. Parece um sentimento natural nossa capacidade de deduzir o que é melhor pro outro. Porém, como sou tetrona há anos e já vivi situações bem parecidas com as que estão descritas aqui no texto e nos comentários tb, sinto que internamente continuo produzindo ideias sobre o que é melhor para as pessoas (principalmente para as que me rodeiam…), mas guardo pra mim. Não exteriorizo essas opiniões, fico na minha. Ou seja, não precisamos ir longe para admitir o quanto somos metidos, né? Um beijo tio- papai da bebe- mais esperada no mundo “malacabado”!!

    1. Carlena, eu também procuro ser vigilante, embora eu seja um cara cheio das “opiniões”, não é? E saiba que vc me emocionou um bocado com esse título para a Elis! 😉

  5. Jairo, excente texto como sempre. Mas preciso fazer uma colocação – não é retardo.intelectual, mas sim deficiência. Afinal as pessoas com deficiência intelectual não são retardadas ou mais lentinhas, mas processam as informações de uma maneira peculiar. Temos lutado muito para que essa ideia de retardo seja superada. Assim como a ideia de que a deficiência intelectual está necessariamente relacionada à falta de autonomia ( sim, VC fez a ressalva mas não custa reforçar). No mais seu texto é, como sempre, ótimo!!, Feliz 2015!

    1. Celina, vc tem toda a razão, mas eu queria explicar o meu ponto de vista! ahahhaha… Eu não quis falar sobre “pessoas”, quis falar sobre uma condição, no texto. A minha ideia não fui substituir o jairo cadeirante pelo jairo como uma pessoa com uma deficiência intelectual, mas, sim, o Jairo com um tipo de retardo (de atraso, de leseira na concatenação de pensamentos). Mas, como a mensagem não foi entendida, a minha ideia não foi bem elaborada… vou me disciplinar mais, ok?! Beijos e um ótimo 2015 para vc tb

  6. No “nada sobre nós sem nós”, falta avisar às pessoas que ambos os ‘nós’ são pronomes. Alguns confundem o segundo com aqueles nós de marinheiros, e outros acham que o ‘nós’ abarca toda a humanidade. Um abração em vocês três e votos de um feliz milênio. Saudades.

  7. Queridão, num aeroporto uma atendente me perguntou se eu ia precisar de cadeira de rodas, eu andando e carregando um mochilão…informaram a ela que eu era surda kkkkk
    Um assunto muito sério é a oferta de próteses no meu caso auditivas…as empresas resolveram acabar com a tecnologia analógica e só produzir aparelhos digitais…eu e muitos outros surdos aparelhados preferimos aparelhos auditivos analógicos, são mais fáceis de regular, são mais robustos e mais potentes. Mas a indústria resolveu que não serão mais fabricados…sem contar o que vimos na reportagem sobre a máfia das próteses. Sem um órgão controlador que atue de fato estamos perdidos. Um estudante brasileiro desenvolveu aparelhos auditivos montados no Brasil, mais baratos…alguma empresa comprou a patente e engavetou o projeto. Ou seja sempre tem alguém interferindo em nossas escolhas.

    1. Esse tipo de comportamento parece um vírus. O vírus da falta de tato kkkkk. Comigo acontece com frequência de as pessoas quererem segurar nas minhas mãos e braços para me auxiliarem. Detalhe: uso muletas. Aí eu pergunto para elas se eu pegar na sua mão como vou segurar as muletas para andar? É algo chato sim e merece estudos, tratamento e treinamento, especialmente pelos órgãos de prestação de serviços públicos ou não.

      1. Existe uma mistura muito grande entre o auxílio que é prestado a uma doente, a um enfermo temporário do que deve ser prestado e, talvez, oferecido a uma pessoa com deficiência. Quando se juntam as duas pontas, rolam os entraves, sem dúvidas.. bjos

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