Não aguento mais esse papo de “guia”

Jairo Marques

Pelo menos uma vez a cada mês, chega até mim um pedido de divulgação de mais uma iniciativa supimpa de um guia que vai contar tudinho pros “malacabados” onde eles podem ir de boa, sem enfrentar problemas de falta de acessibilidade.

Dentro desse universo, há guias para tudo: guia das calçadas mais podres de São Paulo, guia para entender cão-guia, guia para saber onde os surdos têm vez, guia de bares com cazinhas de portas largas e por aí vai.

Seguindo a moda, o Ministério do Turismo resolveu também criar um guia zzzzzzz… A ideia é que o povão prejudicado das partes entre no site http://www.turismoacessivel.gov.br/ e faça uma avaliação dos equipamentos turísticos em relação à pluralidade de oportunidade de uso.

“Tio, mas tudo isso é útil, pô! Bacanudo, importante. Por modos de que você tá sendo meio irônico?”

Sim, “zimininos”, entendo que esses guias possam ter utilidade, possam auxiliar o dia a dia das pessoas e que também podem expor boas iniciativas de inclusão. Mas também há nessa onda de “guializar a Matrix” (esse mundo paralelo de quem tem deficiência) um monte de aspectos que me incomodam.

Imagem da página inicial do guia do Ministério do Turismo..
Imagem da página inicial do guia do Ministério do Turismo..

Perguntei para o Ministério do Turismo: beleza, seu governo, bacana o seu site.. mas e daí?! A resposta foi tão enfadonha, como vaga, como preguiçosa: “O ministério do turismo já investe em obras de acessibilidade. Um levantamento mostra que foram repassados R$ 138 milhões para 48 obras de acessibilidade.”

Continuo perguntando, e daí? Se é tudo tão lindo, não é necessário guia… é só pegar as muletas, as cadeiras de rodas, os cachorros e os aparelhos auditivos e ir passear nessa maravilha de mundo cheio de rampas, de sinalização em braile e com intérpretes de Libras!

Nesse caso, em especial, criar uma ferramenta colaborativa tem uma faceta de desculpas esfarrapadas para tudo: “Não tem rampa porque ainda estamos analisando tudo no nosso site”… sei.

A realidade é que fazer guias de acessibilidade em um país que ainda não dá condições de sair de casa é ó do borogodó. Fazer guias sem dar a eles um peso reverso, ou seja, mostrar que de tudo que se analisou pouco presta, de fato, é falar javanês em planeta de quem só entende hebraico.

Também na semana passada foi lançada a segunda edição do Guia de Acessibilidade Cultural de São Paulo, idealizado pelo Instituto Mara Gabrilli. Mostra onde o “esgualepado” pode visitar uma biblioteca, ver um filme, assistir uma ópera e por aí vai… (as consultas podem ser feitas online http://acessibilidadecultural.com.br/)

Página inicial do guia cultural de acessibilidade
Página inicial do guia cultural de acessibilidade

Um ponto que me chamou demais a atenção: com apoio da Sabesp, a empresa que lida com a água (oi?), o guia aponta que o Cine Sabesp… “oferece EVENTUALMENTE sessões com legenda”… num fala nada sobre audiodescrição… não fala nada se os lugares reservados para cadeirantes são aqueles que ‘ninguém quer’, colados na tela…

Desculpaí o azedume, mas as pessoas com deficiência no Brasil, em São Paulo, possuem demandas muito mais urgentes e prioridades que saber onde “podem ir”, como se eu não pudesse ir onde eu bem entendesse e tivesse o direito.

Comentários

  1. É muito mais fácil “maquiar” e oferecer o desnecessário do que “fazer” o que precisa ser feito. Desvia as atenções e cobranças. Hã, nós fizemos isso e aquilo….. não viram ?
    Para a política só a imagem e a promoção são
    as políticas. O resto, é o resto… desde que promovam mais “votos”. As minorias, são as minorias, basta ver os demais problemas sociais com que as Comunidades se debatem
    em busca de” soluções”. Para depois, por favor !……

  2. Eu concordo com você. Guias geralmente não dizem o que nós, principalmente cadeirantes, cegos e surdos, tem de saber com certeza. Pior ainda é que os que estão listados nos guias não sabem o que é as normas da ABNT 9050. Fazem tudo de qualquer jeito e os defs que se virem, quando chegar ao local.
    Mudando de assunto e indo para o texto anterior, a sua mãe me fez lembrar da minha. Antes de eu frequentar as escolas (até o 2º grau), minha mãe ia falar com a diretoria para dizer que eu era capaz de seguir as outras alunas Naquele tempo, pois tenho a DNA (data de nascimento antiga) não havia nada sobre inclusão de mal-acabados nas escolas. Só sinto pena e também gratidão pelos professores, pois eles jamais me protegeram, ou seja, se tivesse que dar nota vermelha, eles davam MESMO. Só que para fazer isso, eles tinham que ler as minhas provas e exames e, coitados, minha letra era e é muito ruim de se ler (acho que era pior do que aquelas letras de médico). Coitados! Mas estou aqui, com o título de doutorado. Minha mãe me superprotegia de um lado, mas tudo que ela pensava que eu pudesse fazer, ela fazia com que eu fizesse, mesmo que eu passasse o maior perrengue. Naquele tempo a minha mãe já tinha a consciência de que eu iria mudar algo na vida das PcD. Ela me diz agora que aumentou o número deles nas escolas, porque os meus colegas comentariam que tinha uma pc na classe deles. Minha mãe detesta aquelas mães que colocam seus filhos em “depósitos”. Ela também se preocupava com o meu futuro e pensava se eu podia me virar sozinha morando só.
    Agora, tem muitas PcD que estão preocupadas com as casas para mal-acabados mais graves, como já tem na Holanda, por exemplo, ou nos EEUU (aquelas casas dos centos de vida independentes) onde eles podem fazer e ir aonde quiserem e tem infra estrutura pra tudo o que eles precisam. Bom, eu penso que aqui ainda irá demorar pra isso acontecer, mas já existe casas para PcD. nesses moldes no mundo desenvolvido. Só resta esperar.
    Bjs em vc, na Thais e na Elis.

    1. Que bom que voltou a comentar, heim?! Adorei o termo “DNA”, eu tb tenho isso, viu?! ahhahahahaahaaha… beijos

  3. Tô com a Denise. Eu sou a chata das pesquisas, não viajo sem saber se teremos conforto e estrutura pra usufruir dos lugares. Bom saber que esse site de turismo acessível não é confiável. E olha que tem gente do governo que defende essas iniciativas e acha tudo lindo.

  4. eu tenho uma ideia melhor manda esse povo dai que faz as guias vir para o Japão ver o que é respeito com os cadeirantes ..sorte a todos,,,

  5. Se não é fácil para mim, me locomover nesta cidade, eu que “só” tenho artrose nos joelhos e dificuldade para entrar em ônibus, imagino para os mais “prejudicados” do que eu!
    Em caso familiar, a esposa e o marido cadeirante se arriscam em viagens até internacionais. Ele até mergulhou em Bonito! Para os menos afortunados maior é a dificuldade. Não sei como resolver. Mas devemos gritar do alto dos telhados virtuais até que se resolvam as condições mínimas de acesso para todos os que necessitam dessas condições para viver plenamente em São Paulo, como qualquer outro cidadão.

  6. serah q neste guia tbm virá os locais onde se pode estacionar, sem estar ocupada por terceiros, as vagas para deficientes?

  7. Se não é fácil para mim, me locomover nesta cidade, eu que tenho “só” artrose nos joelhos e dificuldade para entrar em ônibus, imagino pra quem é mais “prejudicado” que eu. Não sei como se resolve isso. Mas, em caso familiar, a esposa do cadeirante, ele com extrema dificuldade, se arriscam em viagens até internacionais. Ele até fez mergulho em Bonito! Difícil?
    Claro! Mas vão onde acham que devem ir, driblando as dificuldades. Para os menos abonados, mais difícil. O jeito é gritar do alto dos telhados virtuais até quem um dia tudo se seja facilitado!

  8. Ô Princeso!
    Mais uma vez acertada a colocação.
    Quando o Poder Público faz um guia que mostra onde uma pessoa com deficiência supostamente consegue ir está assinando um termo de confissão de que é incapaz de oferecer a essa mesma pessoa o pleno exercício dos seus direitos de cidadão.
    Ir e vir a todos os lugares é (ou deveria ser!) direito de todos.
    Aguardemos com esperança para ver se a Elis encontra um Brasil melhor.
    Aquele abraço.
    Alexsmárcio.

  9. Jairo, aprendi uma coisa nesses meus dezesseis anos como cadeirante e doze anos ligada a arquitetura como estudante, arquiteta e agora docente na área de acessibilidade e desenho universal, que além de profissionais que entendam de fato o que diz as normas técnicas, elas são importantes instrumentos para os profissionais (arquitetos, engenheiros) mas não funcionam sem a participação do usuário do espaço ou serviço (no caso deficientes) desde a idealização e elaboração do projeto até sua construção. O que está no papel nem sempre funciona tão bem na prática.
    Abraço carinhoso nos três!

  10. é isso mesmo…cansei de tanto guia disso e daquilo e quando você vai ver o que dizem ser lugar acessível tem uma rampinha improvisada e isso é tudo…principalmente que os autores desses guias desconhecem a totalidade das medidas necessárias à acessibilidade de todas as deficiências…precisa um guia sim não para a gente, mas para quem administra espeaços públicos, quaisquer que sejam…mostrando a diversidade dentro da deficiência e as várias medidas necessárias…

  11. Jairo,
    Conheço esse projeto de guia do Ministério do Turismo há bastante tempo… Vou te contar em detalhes tomando uma cerveja, tá?
    Mas para mim o que mais incomoda nele é uma característica fundamental: Não é confiável. De que adianta um guia, se não é confiável? O Guia do Instituto Mara Gabrilli eu acho ótimo. Porque eu quero saber, antes de sair de casa, o que eu vou encontrar. Tem vaga para estacionamento? Tem elevador? Tem banheiro? Porque a maioria coloca um símbolo que não explica nada e aí você rala para sair de casa e quando saí é que vai descobrir como é. Resumo: acaba nem indo. Se eu sei que é legal, fico mais motivada a ir.
    A equipe do Instituto (e você sabe que eu não sou partidária, isso não é uma campanha pró-Mara) vai aos locais e coloca detalhes importantes, como os recursos de acessibilidade para cada tipo de deficiência. Isso eu acho bárbaro.
    Mas no site do Ministério cada um diz como é a sua acessibilidade. Aí o tiozinho dono de uma pousada chumbrega vai lá e escreve que é acessível. Eu vou, programo a viagem, chego lá tem quarto acessível mas não tem acesso à piscina, ao restaurante… Imagina, isso para mim não funciona. Eu quero informação para definir minha viagem… E pensar que o Ministério teve acesso a bons projetos, mas… Prefiriu gastar com publicidade… Pena…
    E concordo com você: precisamos de um guia bem feito e um app bem feito. Não precisamos de mil. Precisamos de mais acessibilidade e menos publicidade.

    1. Dê, esse guia, para mim, tem um pano de fundo que é tirar o “corpo fora”… Vc tem razão qdo fala dos valores embutidos em guias de viagens… é verdade, eles ajudam muito… bjosss

      1. Eu concordo, é como dizer: olha se você vier é por sua conta e risco, eu avisei que não tinha os recursos… De fato, é uma forma de tirar o corpo fora sim… Mas eu sou viciada em informação, não tomo uma decisão sem planejar as coisas, então bons guias eu gosto, mas eu preferiria que a informação de acessibilidade fosse incluída nos guias gerais (quatro-rodas, apps da atração, do destino etc). De qualquer forma, sempre válida a discussão… E quanto à Sabesp, kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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