Retrocessos de cidadania

Jairo Marques

Durante a semana passada, fiquei com minha cabeça igual a uma biruta de aeroporto, virando de um lado para o outro, pelo tanto que chamavam a minha atenção para barbaridades cometidas contra o povão “mal-acabado” deste país.

É nessas horas que tenho vontade de dar uma de peladona gaúcha e ainda ter o requinte de me sentar no asfalto quente e chorar litros. Percebo um claro momento de retrocesso no entendimento de parte da sociedade sobre as demandas das diferenças para exercerem cidadania.

Para começar, uma moçoila, amoitada em um elevador, deu-se ao luxo de mandar uns tabefes em uma criança com deficiência intelectual porque, supostamente, o menino teria esbarrado na mochila de seu pimpolho. Não fossem as câmeras de segurança flagrarem o ato, a danada passaria incólume e se achando uma leoa protegendo pintinhos.

Mesmo que o molequinho fosse filho do demônio da Tasmânia, levantar a mão contra um indefeso é covardia e estupidez que não merece espaço para nenhuma justificativa. O fato de a criança ser “tchubirube” torna a atitude mais escabrosa, uma vez que a ação pressupunha um dito pelo não dito.

Em outro momento, toca o pessoal me chamar porque um cão-guia que puxava um rapazinho cego foi impedido de entrar em uma lanchonete na zona norte de São Paulo. O gerente do pé-sujo alegou falta de “bom senso” em querer entrar com um bicho no recinto cujo nome é bem sugestivo: “Charles Dog”.

Pois bem, esses animais costumam ser mais limpos e desinfetados que muitos executivos de empresas de petróleo e muita cozinha de boteco. Por terem os cães permanentemente vigiados pelos outros, os donos se esmeram em mantê-los em dia com banho, tosa e cuidados com a saúde. Além disso tudo, tem o básico, o livre ir e vir da cachorrada que auxilia os prejudicados da visão é garantido por lei federal.

Teve também uma garota surda que não conseguiu compreender nada da tradução em Libras de sua prova do Enem. A orientação exótica recebida pelo intérprete que a acompanhou era traduzir palavra por palavra, sem contexto, o que vai contra a lógica da estrutura da língua de sinais.

Os gênios da organização do maior exame de avaliação estudantil do Brasil parecem saber tudo sobre o que cobrar dos jovens para entrar na faculdade, mas saber pouco sobre diversidade, sobre educação inclusiva.

Recebi ainda, para ampliar o meu calundu, queixas sobre buracos assassinos em calçadas de grandes cidades, que quebram a estima e o fêmur dos pedestres, sobretudo dos mais velhos, e sobre exclusão nos meios de transporte devido à falta de preparo, à falta de estrutura ou à falta de respeito, mesmo… Ufa!

“Difinitivamente”, como diria minha tia Filinha, a questão aqui não é ficar pontuando fatos isolados para que se pense “que barbaridade!” e se vire a página para o conhecimento de mais tragédias nacionais.

A ideia é descortinar situações que revelam ser necessários novos esforços, seja midiáticos, de governo, de entidades civis para que o conceito de “todos juntos” se multiplique e se fortaleça diante da ofensiva de preconceitos, da carência de informação e da ausência de humanidade.

Comentários

  1. Olá tio!
    Cara veja só, as pessoas recorrem a você para serem ouvidas. Inevitavelmente me vem a pergunta: onde estão as entidades que teoricamente nos representam?
    Estas situações servem como demonstrativos de um número imenso de casos que acontecem todos os dias.
    No meu modo de ver as coisas, os casos de superação devem ser mostrados. O que não devem é obscurecer os descasos com os malacabados, já que estes casos são em número muito maior. Eles também servem para nos lembrar que a luta é constante, todos os dias.
    Não devemos aceitar os retrocessos. Quanto a nos render… Isto, já mais!

    Abraços!
    PS
    Espero que desta vez o site aceite o comentário. Sexta tentei 4 vezes e ele não colaborou!

  2. Jairo, gosto muito dos seus textos. Principalmente porque eles me fazem refletir sobre meus atos no dia a dia. Afinal, educação é a base e se (re)educar deve fazer parte da vida. Há poucos dias um cadeirante pediu para alguém descer a rampa para que ele pudesse descer do ônibus (o cobrador disse estar com braço machucado). Umas 10 pessoas desceram sem nem olhar para ele. Quando chegou minha vez, fui puxar a alavanca da rampa, que fica no chão, para que ele pudesse descer. Mas as pessoas não “podiam” esperar e quase levei um pisão na minha mão. O problema é educação. Afinal, entender e respeitar o espaço e a vez do outro faz toda a diferença.

    1. Carlos, obrigado por vc se preocupar. Tenha certeza absoluta que vc fez a diferença na vida desse rapaz que vc ajudou. Pense também que a jornada dele continuou o dia todo, de perrengues e de gente fingindo que ele não existe… Grande abraço

  3. Oi Jairo! Eu vi todas as reportagens que você menciona no seu texto, que está bom demais! Lendo os coments, vi claramente que o estigma do sub ou super humano está ainda na sociedade que é super preconceituosa. Ou o def. é visato como exemplo de superação ou é tratado com descaso e violência. Mas eu penso que as duas visões preconceituosas são violentas. Penso também que, em vista de 30 anos atrás, há muitas coisas sobre defs. aparecendo na mídia (na maioria das vezes erroneamente), mas está aparecendo. Ou seja, nós não somos mais tãoooo invisíveis como em 1980. Acho que as pessoas precisam, sim, de mais informações, de mais educação e mais respeito às diferenças. E não só isso. Eu penso que as pessoas defs. ou não defs. precisam rever à fundo seus conceitos e valores éticos e etéticos. Para isso é preciso que elas tenham coragem para se reverem. Bjs. E parabéns pela menininha que vocês estão esperando.

  4. Jairo, muito bom o texto e refrete muito o que penso, só que as pessoas com deficiência muitas vezes repassam isso e muitas vezes, isso é mal.

  5. Jairo, a ignorância e desinteresse da maioria de nossa população por assuntos relativos à “INTEGRAÇÃO” e “INSERÇÃO” de pessoas com deficiência, é de morrer.

  6. Querido Jairo, obrigada, mas uma vez por Vc levantar essas questões tão importantes, que sempre passam despercebidas pela maioria da população, que dá aquele “não é comigo”.
    E precisamente por causa desse “não é comigo”, que pessoas mal informadas e menos esclarecidas nessas questões, olham somente para seus umbigos e vão em frente.
    Como irá desenvolver a personalidade desse menino, cuja mãe dentro de um elevador, resolve dar uns tabefes em um tb menino, pq encostou sua mochila em seu “filhinho”? Mãe totalmente ignorante no assunto autismo, sem a mínima noção de que um autista, não sai por aí atacando pessoas. Falta de conhecimento! Nesse caso, só a câmera do elevador, nos poderá dizer o pq ele encostou sua mochila no “filhinho”. Será que não foi provocado com a anuência da mãe que viu e não lhe chamou atenção?
    O Sr. gerente do CHARLES DOG então, é outro caso de ignorância, e desta vez com as leis, já que tem um estabelecimento comercial, deveria no mínimo esclarecer se das leis como, por exemplo, o direito dos cidadãos. Dos portadores de deficiência, mais ainda, são mais especificas. Falta de Conhecimento. E rapidamente, trocar o nome de seu estabelecimento. Fica como sugestão… “CHARLES BAD”.
    A Secretária de Educação tem que começar a levar o ensino a sério, nós brasileiros precisamos que isso aconteça… e logo! A menina surda foi aviltada e pasmem pela própria Secretária de Educação, que deveria dar a ela boas condições para que fizesse sua prova de igual para igual com os demais candidatos, pq isso é um direito dela.
    Acredito que, os meios de comunicação em todos os níveis, poderiam colocar espaços, diários, semanais, ou mesmo mensais, como este que vc nos proporciona, às reportagens esclarecedoras para que as pessoas tomassem conhecimento dos direitos e deveres, assim, deixar de cometer absurdos como esses, que ficaram conhecidos pq a mídia mostrou, mas que acontecem aos borbotões diariamente.
    Depende de nós povo brasileiro, fazer dessa a melhor das nações, pq temos o povo mais alegre e carinhoso do planeta. Só que às vezes esquecemos-nos de dividir com o próximo mais próximo nosso irmão brasileiro, que necessita que seus direitos sejam preservados em todos os sentidos.
    Ótima tarde PA vc querido Jairo!
    Bjokas da vóvis!

  7. Olha Jairo, não sei se e minha idade avançada rsrs, mas estou desistindo disso tudo…no momento, cansei.

  8. excelente o tema abordado. Mas o melhor foi o termo “tchubirube”, muito bom! Onde você foi buscar isso! Kkkk

    1. Augusto, eu uso como sinônimo de deficiência intelectual… acho divertido, leve e ainda sem nenhuma carga pejorativa, a não ser aquela que querem botar na inocente expressão que, ao pé da letra, não quer dizer absolutamente nada, concorda? Abração

  9. Pois é. E mesmo assim, temos tantos ”exemplos de superação” aproveitando o espaço de ouro na mídia pra expressar sua mandíbula cheia de dentes, num sorriso amarelo e auto-afirmativo, ou pra posar de integrante de novela mexicana de quinta categoria e encarando o coitadismo como ”realidade de uma vida”.
    O mundo está ótimo, ou deveria estar pra ter tantos de nós mais interessados em usar a mídia pra massagear o próprio ego contando histórias ”inspiradoras” da sua própria vida, do que aproveitar o mesmo espaço, que nos é cada vez mais raramente oferecido, pra alertar que estamos caminhando por uma perigosa estrada rumo à segregação.
    Mas acho que pros nossos queridos super-heróis, membros da Liga da Justiça, tá tudo ok. Afinal, eles só se preocupam em ser os Reis do Pedaço no mundinho de fantasia à parte que eles criaram com a nossa complacência.
    Peço mil desculpas pelo meu depoimento azedo, mas não podemos esquecer que temos uma parcela de culpa nesses episódios, pois a situação que vivemos hoje não aconteceu da noite pro dia. São uma série de episódios e fenômenos sociais que, gradativamente, vem piorando com o passar dos anos.
    E o que fazemos a respeito? Aproveitamos cada espaço da mídia pra provarmos ao mundo o quanto somos felizes, o quanto somos guerreiros, o quanto que superamos obstáculos pessoais, como se fôssemos a única minoria na face da Terra a passar por algum tipo de revés na vida.
    Mais uma vez, peço mil desculpas pelo desabafo, mas não podemos ser cínicos de abster-nos da nossa parcela de culpa.

    1. Sou um grande fã da sua crítica, da sua sobriedade e do seu espírito de confrontação, Dudé! Em muitos e muitos pontos, sabe que “tamujunto”… abrassss

  10. e ontem vi que roubaram um cão guia de um cego…o cão é vira lata, treinado pelo próprio dono…só pode ser pura maldade… quanto à meninar que não conseguiu fazer aprova porque não entende português só mostra a falha de escolas que investem em língua de sinais e esquecem que o aluno na vida prática precisa da língua portuguesa…a propria lei de libras deixa claro que LIBRAS NÃO SUBSTITUI O PORTUGUÊS ESCRITO.
    TEM QUE INVESTIR NO PORTUGUÊS ESCRITO PARA QUE O SURDO SINALIZADO POSSA FAZER CONCURSO PÚBLICO, ESTUDAR E TRABALHAR… NO CASO DE UMA EMPRESA CONTRAR ALGUM SURDO SINALIZADO TERÁ QUE CONTRATAR TAMBÉM UM INTÉRPRETE?

  11. Custo acreditar no retrocesso, mas é triste comprovar que nem avanço teve!

    E não é falta de informação, ela está jogada na nossa cara o tempo todo.

    1. Pode ser, Fabi, que o processo seja de ampliação da voz, de mais denúncias surgindo, como sugeriram alguns leitores… De qquar forma, ainda sinto o tal retrocesso.. bjos

  12. Tiooo e se, pra aumentar o impacto, fizéssemos um Pelada com: Vc, o Lúcio Yamashita (japonês), o Rogério Veloso (negão) e eu (debilóide)….. Ia ser tão feio que todo mundo ia prestar atenção… Vambora???? Rsrsrs

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