O dia da minha morte
Hoje completo 40 anos, penso ainda ter um queijo e uma rapadura para dar fim até a minha hora derradeira, caso não me caia nenhum pino antes disso, mas o fato de uma moça norte-americana, mais jovem que eu, vítima de um mal avassalador, ter marcado o dia de seu último suspiro mexeu com meu calendário vital.
Gosto da perspectiva de o homem evoluir a ponto de não ter negados direitos sobre si mesmo, mas é certo que se está a uma lonjura planetária da compreensão e entendimento do poder e alcance do improvável, da maturidade de conseguir desfrutar do gosto daquilo que foge aos grandes projetos, às realizações mundiais.
Entendo bem a complexidade das dores profundas e da carência da esperança para aquilo que se sonhou, contudo reluto em admitir que não haja feitos em vida capazes de reacender sorrisos, arrepios na nuca, batimentos cardíacos gostosamente acelerados, lágrimas nos olhos de emoção ou mesmo imagens multicoloridas e surpreendentes dentro de um pensamento.
Fico imaginando se no dia marcado para a minha morte calhar de o Nero, o labrador atentado de minha mãe, acordar daquele jeito insano que tem desde filhote, entrar pela porta do quarto, pular na cama e lamber minha cara até o fôlego faltar a nós dois.
Fico imaginando se no dia marcado para a minha morte cair uma chuva daquelas aguardadas no sertão e do ar tomar conta aquele cheiro de terra molhada, os passarinhos enlouquecerem de felicidade e cantarem suas sinfonias mais complexas e ainda, de brinde, do céu brotar um arco-íris escandaloso.
Fico imaginando se no dia marcado para a minha morte um sanfoneiro errante aparecer na rua de casa cantando bonito aquela música que refresca qualquer amargor da alma: “Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso, porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe. Só levo a certeza de que muito pouco eu sei. Eu nada sei”.
Claro, tenho de me resignar e não duvidar do drama alheio de levar o dia a dia adiante em meio ao sofrimento, da carência de energia para acreditar que pode existir uma nova chance a cada manhã. Mas não é à toa que o choro diante de um nascimento banha o rosto de felicidade e o choro diante da morte comprime o estômago e anuvia o semblante.
Quantos milhões de pessoas suplicariam por alguns minutos de despedida ao lado filho amado e para dar nele um abraço de emoção, para dar um beijo de cinema na grande paixão, para falar, mais uma vez, da importância do amigo.
Mas, na situação da morte marcada, todo o protocolo de despedida considera-se já cumprido. O adeus a tudo de que se gosta já teria sido dado e, dessa forma, não haveria desarranjos deixados para trás. É só mesmo deixar-se levar.
Prefiro, porém, a firmeza do lado de cá. Do lado de quem acredita, aos 40, que será possível me divertir com um vestido rasgado em uma festa de formatura, que escreverei um texto que, finalmente, o Hélio Schwartsman dirá “ficou bom”, que terei outra sensação profunda de arrepios como naquele dia que me fizeram saltar da tirolesa.
Desejo que, antes de marcar a minha morte, eu possa conseguir mostrar um pouco mais ao mundo o quanto é possível viver diante das mais temíveis impossibilidades.
Sabe… pode até ser coisa da minha cabeça, mas consegui “decifrar” o dia da morte de uma pessoa muito especial pra mim. E naquele fatídico dia, como se ambos soubéssemos da data marcada, demos um longo abraço, falamos das doces lembranças vividas e nos perdemos no tempo por um longo e último olhar.
Belíssimo texto! Felicidades pra você Jairo.
Belíssima foi essa mensagem! ♥ bjos
Nem adentro à questão do texto! Muito bom!
O que abordo é estar entrando na 5ª década de vida! Isso faz a diferença…tem, ao completar 40 e entrar na quinta, o direito à muita realização, a muito viver. Mas, se pudéssemos, por empatia, entender a grosseria da vida que nos presenteia com uma doença perversa e o desencanto do viver nessas condições, poderíamos talvez até aplaudir( em surdina) e entender!
Gostei da sua reflexão.. poética e profunda
Olá tio! Estou atrasado, mas de público, PARABÉNS!!
Sou um defensor da vida,entretanto, em casos como este não sei o que faria.
Minha filha já me fez questionamentos que parecia uma situação desta.
Minha resposta foi mais ou menos o seguinte:
“Não vivenciei algo semelhante, nem mesmo consigo me por no lugar da pessoa. Então, não sei o que faria”
Acho que optaria pela vida, mas de fato, não sei!
Abraços, tio!!
Dorcival, eu tb não sei detalhes, não estava próximo a moça e não fiz um julgamento. As reflexões que sugeri são sobre a “minha morte”… De qquer forma, escrever é, sim, mais fácil do que viver a situação, não é mesmo? Abração
Jairo, texto maravilhoso, mas como dizem “cada um sabe de suas verdades e sofrimentos.”
Dificil saber o que passou na cabeça daquela moça, o medo que ela deve ter tido de sofrer, de sentir dores, da solidão e por ai vai. Afinal a vida nada mais é que ilusão.
Ronaldo, um dia vou escrever um texto roubando sua expressão sobre a vida ser uma ilusão!!!
Você já se imaginou dentro de um caixão,vem um olha meio assustado,todos com olhar compungido.Depois vem uma senhora e fala,nossa o Jairo está tão bonito,parece que está dormindo…Parabéns pelos 40.
Abraço, Tony
Acho que precisamos urgente ler novamente admirável mundo novo.!!
Boa!
deve ser uma merda escrever sem ainda ter morrido. e, pior, dando pitaco no que decidiu outrem, talvez pela vida dela ter sido um pouco pior que a sua.
parece que você não é aleijado só fisicamente.
Jairo
Feliz aniversário!
Adoro a fantástica habilidade de reinvenção!
Quando se acha que é o final, pode-se descobrir uma daquelas curvas surpreendentes!
Evoluímos e ao passar da caminhada constatamos nossas diversas metamorfoses.
Concluímos que os valores diferem de pessoa pra pessoa!
Livre arbítrio…
Valorizo a festa da minha pequena pinscher, arrepio com música, gosto de cheiro de café e de sentir o sol… e isso ainda me fará feliz por um bom tempo!
Como diria minha mãe: o coração é terra aonde ninguém pisa!
Difícil julgar o que se passava no coração dessa garota.
Parabéns pelo texto! Lindo!
Adorei seu comentário, Luiza!
Jairo…nao ha sofrimento que me faça querer perder um dia sem a lambida da minha golden pela manha…quero cada minuto de vida para sentir todos esses momentos que vc traduziu no seu texto.
Nao posso julgar a decisao da menina americana mas que Deus me permita, em cada momento de dor ou inconsciencia, caso eu venha a viver, ter essas musicas, a lambidas e essas felicidades para sentir e viver…tks pelo texto! happy bday
Acho que a questão, Andrea, não é julgar o ato da moça, mas, sim, refletir sobre ele e sobre as dificuldades da vida. A morte, a meu ver, tem suas seduções e vamos, talvez, sem querer, ampliando o arco das possibilidades em que ela pode atuar com “naturalidade”… enfim, fico contigo: que as lambidas e as músicas nos inspirem sempre! bjos
Jairo,
parabéns pelos 40!
Juntei teus últimos posts (bebê a caminho, humanizacao da medicina e essa reflexao sobre o escolher o dia da morte) e misturei tudo com um assunto que eu muito defendo, a humanizacao do parto e nascimento.
Quero propor uma reflexao que é o outro lado da moeda da tua reflexao: existe legitimidade em se marcar o dia do nascimento??
Bjs!
Adorei… vou pensar sobre o tema, Elisa… Abraço
Jairo querido!! Quando assisti a matéria sobre a morte “programada” da americana, senti um certo contentamento. Pera aí que vou me explicar! Já assisti vários documentários sobre suicídio assistido e acredito que deveríamos tentar enxergar essa realidade com menos preconceito. No Brasil esse é um assunto muito tabu… Só falar “suicídio assistido” e ferrou o papo. Os documentários que assisti me ajudaram a rever algumas concepções sobre liberdade e que ela pode estar presente sim na escolha pela morte. Não descarto a hipótese de um dia buscar a mesma opção da americana. Isso ñ quer dizer que quero morrer agora ou coisa parecida… só quero pensar que caso alguma doença incurável torne a minha vida insuportável, poderei escolher entre a partida e o sofrimento. Isso aí povo: sou completamente a favor do suicídio assistido! Mas como hoje é o seu dia Jairex… vamos falar de vida!! Muitas felicidades coisa linda!! Não vejo a hora do bacuri mais esperado do Brasil colorir esses blog!! Abração tetra só bíceps pq tríceps eu ñ tenho!! haha!!!!!! FELICIDADES!!!!!
Queridona, no segundo parágrafo do texto eu defendo a legitimidade dos direitos individuais! Beijos e bom te ler! 😉
Desculpe, Jairo.
Errei a grafia do email
Vera
Obrigado, Vera!
Jairo,
Belo texto.Fossem outras as condições da moça eu certamente pensaria como você.Infelizmente,a realidade dela não lhe deu esta alternativa e ela deixou isso muito claro em suas últimas palavras,publicadas, salvo engano, no site do UOL:”Realizado o último item de minha lista concluo que é impossível esquecer meu câncer. As dores de cabeça estão fortes e tive a pior das convulsões…” Foi mais ou menos isso.Imagino-me em situação semelhante, já sem possibilidades de tolerar a dor, vivendo numa cama de hospital, sedada até que a morte, enfim, me libertasse,sem poder dizer adeus àqueles que amo. Eu,embora acreditando na vida e em quem a criou, usaria o que em mim restasse de coragem, para poder , enfim, descansar em paz. Com o respeito e admiração que tenho por você,deixo meu abraço.
Vera Lucia Iabrudi Suevo
Não examino a situação da moça, nem nenhuma separadamente, Vera… penso na questão de uma maneira plural… e defendo sempre a continuidade da vida! Beijoss
toda dor pode se suportada…. se enquanto dor pudermos transforma-la em uma historia. Nao há nada no mundo sem capacidade de representaçao.
obrigado pela sua capacidade de transformaçao!
Obrigado vc, pela gentileza das palavras, Marcelo
Adoro seus artigos. Sempre me levam a uma reflexão.
Vale a pena viver…….sempre!
Que ótimo, Marlene, ficou muito feliz!
Parabéns Jairo! Mais um texto brilhante. Também fico às vezes pensando no dia da morte – não com medo, esse não tenho, mas com um certo pesar, afinal acho que uma vida é pouco pro tanto que há para viver!
Seja sempre feliz e continue nos fazendo felizes por poder participar um pouquinho de seu mundo. Abraço
Que agrado gostoso, Celina!
Jairo, Parabéns, Seja Feliz, sempre!!
Muito tocada pelo seu texto…Chorando litros… Ainda quero te conhecer pessoalmente. Vc é realmente um ser diferenciado, consegue tocar a alma da gente!!! Agora, lambidas na cara é imbatível hein?!! hahaha…Bjs.
Vamos nos conhecer, claro que vamos! 😉
“É difícil defender só com palavras a vida…”
Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto
Adorei… excelente citação!
Parabéns! Desde quando li, aqui na folha, a reportagem relatando a triste história dessa jovem, procurei maneiras de me expressar sobre o tema. Seu texto faz exatamente isso: põe em palavras exatamente aquilo que eu havia pensado. Obrigado!
Ser um pouco da sua representação muito me orgulha, Murilo.. abraço
Prezado Jairo,
Sou de Campo Grande/MS, e tenho 52 anos. Faço aniversário em 02/novembro (Dia dos Mortos), e, fora a coincidência, sempre me surpreendo refletindo sobre esse tema. A coincidência da data da morte anunciada da jovem americana (01/11) também me levou a refletir sobre o assunto.
O seu texto ilumina essa reflexão, e a única conclusão possível para tudo isso é a de que vale a pena viver, ter fé em algo de bom no fim do túnel que a todos é imposto o atravessar.
Grato pela bela manifestação.
Francisco, vivi parte da minha vida em Campo Grande!! Obrigado pela leitura e participação.. Um grande abraço
Extremamente tocado e abraçado por este texto.
Obrigado, Rafael
Bela reflexão! bom ler/ouvir alguém que reflete sobre um tema tão delicado como a morte, e com as possibilidades de vida oferecidas no cotidiano. Viver vale a pena, mesmo que seja por mais uma “lambida de cachorro”. E quando não for mais possivel viver plenamente, deixar-se guiar por um fim digno e sem dor.
Um abraço, Neusa!
Oi Jairo primeiramente parabéns felicidades e que Deus te abençoe hoje e sempre.
Não sei ouvi um dizer de que a morte é difícil de aceitar porque a o tempo cura tudo é o falecer é quando o tempo pára.Muito difícil isso de se escolher quando se vai morrer porque e essa incerteza sobre a vida que muitas vezes da sentido a ela mas tento não julgar quem abrevia a vida porque muitas vezes para essas pessoas talvez perder a lucidez e a autonomia e como morrer em vida.
Ainda bem que essas ideias mudaram um pouco porque nesses pensamento havia a justificativa para se negar a vida aos deficientes.Pra Mim viver é Lutar pela minha felicidade e ajudar os outros a buscar a sua eu luto por esse caminho com a meus sonhos.
Adorei! bjos
Parabéns tio Jairo! Que todos os dias sejam de celebração, mesmo com os inevitáveis perrengues da vida. Abraços, felicidades!
Obrigado!!
Jairo querido, parabéns! Pelo aniversário e pelo artigo! Brilhante, como sempre…Sim! queremos viver cada segundinho ao lado de quem amamos. Cada segundo é valioso para ambos. bjs
Parabéns Jairão , te cumprimento em nome dos malacabados de Suzano e olha que o time aqui é forte .
Abraço ,
Dudu
Grande abraço, Dudu!
Também acho triste pensar na opção dessa moça. Penso na família dela, na mãe, no marido, no pai, como esse processo de esgotamento do tempo deve estar sendo doloroso para eles também. Embora, por outro lado, acho de uma lucidez muito grande ela ter feito essa escolha, diante do sofrimento que a aguardaria caso ela deixasse a doença seguir seu curso. “Eu sou eu e as minhas circunstâncias” como dizia o Ortega Y Gasset, é complicado julgar, cada um sabe de seus limites. E acho ótimo que ela viva num estado americano que dê a ela essa liberdade de fazer essa escolha. Lindo texto e feliz aniversário.
Esse assunto daria uma belíssima conversa, não, Silvetz?! Bjos
Super Parabéns pelo dia de hoje, que seja colorido e que sua “nova idade”seja alegre e plena de realizações! Ah, já ia esquecendo, belo texto! como sempre é comum a vc, + 1 belo texto! Grande abraço e um brinde a vc! um brinde a vida que flui através de vc.
Que lindo, Eliane!
Ontem debatemos sobre esse casa lá em casa….dificil pra caramba ter uma opinião formada.
Mas o texto é ótimo, bora viver mais quarentinha!
Felicidades meu amigo!!
Acho também difícil fechar a questão, mas acho importante refletir sobre ela! abrasss