Nem tão doce infância…
Meu povo, durante toda esta semana, a Semana da Criança, o blog se dedica a falar da infância em várias de suas facetas.
Embora muito se compadeça no Brasil em relação aos pequenos com deficiência, as dívidas do país com esses pequenos “malacabadinhos” é gigantesca.
Ainda estamos no nível de discutir a inclusão na escola, o direito básico à reabilitação e ao tratamento, o trato das diferenças dos pequenos no convívio social.
Para começar, um relato forte, marcante e emocionante de Maria Paula, uma belíssima garota que enfrenta, desde quando era um botãozinho de gente, uma doença rara.
Maria foi minha aluna durante a faculdade. Agora, ela já está à beira de se formar e brinda este espaço com um texto de tirar o fôlego.
A realidade de conviver com dores, limitações e dúvidas sobre o futuro desde muito pequeno, é desafio gigantesco. E quando chega a vida adulta? Como é olhar para trás?
Peguem o lencinho e abram o coração
♥♥♥♥
Dizem por aí que a gente sofre mais na adolescência, quando estamos nos descobrindo, entrando na fase adulta. Mas a infância pode ser pior, porque a gente está descobrindo o mundo, a vida. E não é fácil descobrir que ela pode ser complicada demais, que ela vive batendo na gente. A gente toma na cara.
Eu ainda ensaiava os primeiros passos quando senti pela primeira vez um forte incômodo. Era como se estivesse parada sobre brasas e alguém começasse a espetar coisas nos meus pés. Era uma doença dermatológica genética rara, que causa descamação nas mãos e pés começando a se manifestar. Foi justamente depois do aparecimento da doença que comecei a sentir fortes dores e uma atrofia nos pés e mãos começaram a surgir.
Desde então, fui conseguindo me movimentar cada vez menos… É complicado andar quando se tem uma dor tão forte ao ponto de te deixar na cama, em desespero. E pra piorar com seus membros perdendo o movimento.
Isso começou antes dos três anos e piorou muito aos sete. Foram idas e vindas aos médicos e tratamentos cada vez mais fortes, à base de opioides – como morfina, metadona. E, assim, ainda criança, eu vivia cercada por medicação pesada e muitos cuidados. Uma infância bem diferente daquela dos meus colegas da mesma idade, que corriam e brincavam, viviam, enquanto eu ficava em casa.
Por causa da dor, não era raro também eu perder aulas. Muitas vezes, não podia participar de brincadeiras com os amigos – o que exigia muito do meu corpo, afundado pela dor.
Lembro-me de uma vez, ainda pequena, época Carnaval. Ia acontecer uma festa na escola, mas eu não pude ir pelas dores. Andar, até mesmo na cadeira de rodas, estava difícil. Minha mãe resolveu, então, dias depois, quando eu comecei a me sentir melhor, fazer uma festa em casa com algumas crianças da vizinhança.
Fiquei tão animada, era uma chance de me divertir e socializar – algo cada vez mais raro. Ela preparou tudo com tanto carinho. E eu cada vez mais ansiosa. Mas, as coisas se tornaram diferente do esperado.
Houve festa, sim, mas eu fiquei só olhando. Não conseguia levantar pra brincar, a dor piorava e o movimento também. Eu assisti as crianças correndo, brincando, dançando no quintal da minha casa, enquanto eu ficava lá. Como sempre.
Virei a aluna ausente nas aulas e nos eventos da turma. Passei mais tempo com dor que na escola ou com meus amigos. Quando me desafiava a burlar as limitações impostas pela doença, os resultados, não raro, eram desanimadores. Passeios, viagens e aniversários que, de repente, eram interrompidos por causa de uma das minhas crises.
Tanta gente diz que sente falta da infância, que é maravilhoso, melhor fase da vida. Para mim, não. Eu odiei. E como eu odiei. Eu não via a hora daquilo acabar na esperança das coisas melhorarem.
Com dez anos, eu já acumulava no currículo visitas a mais de dez especialistas médicos. Nenhum deles, até então, tinha sido capaz de encontrar um tratamento eficaz. A cada semana, as dores vinham mais fortes, deixando sem efeito os opioides.
Com as coisas fora de controle e minha vida totalmente parada pela dor, a equipe médica especialista em dor propôs a realização do bloqueio de alguns nervos. Era o início de mais uma batalha por opções mais eficazes para garantir uma vida sem dor.
Ao todo, foram feitos mais de dez bloqueios ainda antes dos 12 anos, com resultados bem diferentes. No primeiro houve uma redução significativa nas dores que sentia. No outro, porém, a eficácia do método não foi a mesma, e o alívio foi bem menor.
Já no último procedimento, as dores nos pés voltaram enquanto eu ainda estava na sala pós-cirúrgica e isso foi a gota d’água para eu perder as esperanças, mesmo com minha família sempre ao meu lado, me apoiando.
Foi quando tudo isso começou a me levar, ainda tão pequena, ao fundo do poço. Fisicamente, sentia uma dor tão intensa que tinha de parar tudo. Eu não sabia o que era viver, o que era ser criança. A depressão não me deixava mais responder a isso. Não tinha mais vontade de viver.
Porque quando você tão novo descobre essas coisas, vive – ou não vive – certas coisas… O que esperar do que vem pela frente? Absolutamente nada. Cheguei a pensar em tirar minha própria vida. Uma criança tirar a própria vida.
Mas ainda bem que não o fiz.
Embora os olhares possam achar que eu não tenha nada hoje – por ter me tornado uma cadeirante e vira e mexe voltar a sentir dores, consegui me tornar uma mulher que aquela menina do passado não esperava, não tinha esperança de ser…. Essa mulher hoje namora, trabalha, é independente, vai se formar.
Tudo graças a um método mais radical que os bloqueios ou a retirada de feixes nervosos feitos na infância: a neuroestimulação medular. Melhorei muito das dores.
O método consiste em uma cirurgia invasiva, por meio da qual são colocados pequenos eletrodos junto à medula espinhal. Através dessa estimulação, é possível moderar a dor sentida pelo paciente. Não passou tudo, ainda sou perturbada pelos incômodos. Às vezes, a dor volta a me assombrar, mas não é mais como aquela de criança.
Os movimentos, não tiveram jeito, perdi o dos pés totalmente. Devido à dor excessiva que me impedia de me movimentar e a doença genética dermatológica. Nas mãos, tenho dificuldade de segurar certos objetos – como tetraplégicos mais leves.
Mas eu aprendi a fazer da cadeira de rodas parte de mim, por mais que no início tenha sido difícil aceitar essa realidade. Aprendi também a viver com a dor. Tenho certeza que a menina Maria não esperava alcançar tudo que conseguimos alcançar. Tenho mais certeza ainda de que ela, aqui dentro de mim, tem um orgulho imenso da força que eu tive. Aquela criança hoje está me dizendo:
“Viu só? A gente conseguiu muita coisa. Mas ainda temos muitas outras pra conquistar. Não perde o foco. Você consegue, mulher. Você consegue, menina”.
Ao contrário dos dois relatos que li aqui, minha infância foi muito legal. Acho que foi pelas circunstâncias. Minha família foi a 1ª a morar numa rua, em que até hoje moro. Depois de um período, uma família de japoneses foi morar perto de casa e assim as duas crianças que lá residiam, foram brincar comigo. Era brincar comigo ou não brincar com ninguém. Tinham mais um chamariz, ou seja, minha mãe contava estórias infantis para mim e eles também gostavam de ouví-las, portanto vinham para a minha casa. Naquela época, eu tinha de 3 a 4 anos e o meu 1º amiguinho tinha a mesma idade que eu. Ele até pediu para o pai ou o avô dele para fazer um carrinho com metade de uma caixa de tomates para levar-me para a casa dele, quando não podia ficar muito tempo em minha casa. Como a rua era toda de terra e pedras, o carrinho socava e eu pulava fora. Ai era ele me pegar e colocar de volta e seguir em frente, pois a casa em que ele morava era na frente da rua em que moro. Depois de algum tempo, vieram mais famílias e com elas, mais crianças. O meu amiguinho virou o chefe da rua e não me excluía das brincadeiras, nem deixava que outras crianças me excluíssem, criando ainda regras especiais para que eu participasse das brincadeiras. Por exemplo: quando todos iam brincar de futebol, eu era goleira, pois não podia correr. Quando eles iam brincar de “mãe da rua”, todos tinham de atravessar a rua com um pé só, somente eu podia atravessar a rua com os dois pés no chão, quando brincávamos de mocinho e bandido eu era a cozinheira do acampamento. Em compensação, a minha mãe deixava a minha casa escancarada, onde todos poderiam entrar e sair. Minha mãe também fazia todos os curativos nos meninos, pois ela estava acostumada a fazê-las, pois eu caia muito, As meninas da rua não brincavam com a gente, porque os pais das minhas vizinhas não deixavam elas brincarem com a turma, pois achavam que os garotos eram muito “selvagens” e brutos. Naquela época eu sentia muitas dores nas pernas. Eu me lembro que todas as noites meus pais tinham de fazer compressas, massagens e esquentar as minhas pernas, porque doíam muito pelo cansaço por causa dos espasmos que a paralisia cerebral provocava em meu corpo, além da falta de equilíbrio (me lembro que meu pai comprou um infravermelho para esquentar as minha pernas). Mas, quando chegava o dia seguinte, lá ia eu brincar novamente. Em casa meu pai e meus irmãos (2 meninas e um menino) sempre me chamavam de lerda, burra e me colocavam lá pra baixo.
Foi na adolescência ou no início dela que a exclusão chegou com tudo. Minhas irmãs, minhas primas (duas delas) e meu 1º amiguinho me deixavam de lado. E ai que senti o peso da exclusão e a minha autoestima, que já era baixa, ficou pior ainda e em consequência, fui parar num psiquiatra.
Em tempo, paralela às brincadeiras, meus pais me levaram a tudo quanto era médico, massagista, milagreiro etc., para ver se o que eu tenho havia “cura”. Me puseram na AACD em regime de semi internato, de 5 até os 7 anos e meio para tratamento, mas eles também não sabiam o tratamento para a pc. Eu fui uma cobaia para eles. Pior ainda é que eu não entendia nenhuma palavra em português, uma vez que na minha casa só se favava em japonês. Foi uma época difícil e eu queria voltar logo para a minha casa para brincar e ver televisão juntamente com os meus amiguinhos. Na época, só havia t.v. em minha casa. Antes da AACD, me levaram a médicos e nenhum deles sabia o que eu tinha. Houve um médico que disse à minha mãe que eu sofria da tireoide e ai fiz um tratamento dela, sem efeito nenhum, É claro, pois o que eu tinha e tenho é falta de alguns neurônios. Tudo isso aconteceu na década de 1950. Tenho 61 anos de idade. Faz tempo, né? Eis a história da minha infância. Espero que contribua em algo.
Bjs.
Su, querida, sempre contribui… vc sabe que sim… adorei.. obrigado por abrilhantar mais o post… um beijo
Que lindo Sueli, apesar dos pesares, sua infância foi claramente inclusiva, uma raridade para aqueles tempos e um exemplo que deveria ser seguido pelas crianças de hoje. Bjs
Que lindo texto!
Me vejo retratada nesse relato, não tenho nenhuma saudade da minha infância. Cheia de dores, inúmeras terapias, uma vida bem chatinha, rsrs…
Apesar de tudo sempre tive amigos, nunca fui excluída de nada, mas como não podia andar e falava com muita dificuldade, preferia ficar no meu cantinho observando tudo ou lendo alguma coisa.
Como a Maria Paula, resolvi lutar, cresci e tento ser uma pessoa melhor a cada dia.
Lutando novamente pra voltar a andar, recuperar as forças nas mãos e superar as dores. Mas a vida é assim mesmo, lutar, lutar e lutar…
😉
Que linda que é você, Maria!!! História comovente, já vi que a semana promete…Haja lencinho… rss
É muito difícil vincular a palavra (e a fase) infância com dor e sofrimento, não há rima porque não é mesmo para combinar. Só que a maioria dos seguidores deste blog sabe que a realidade infelizmente é outra, aprendemos na marra a conviver com a dor desde muito cedo, a própria ou a de ver o filho passar por tantas coisas como você relata. Mas o bom de tudo é ver que dá sim para passar por tudo isso e ser um adulto feliz e cheio de realizações como qualquer outro. Parabéns por não ter desistido e ter se tornado essa moça linda e de, quebra ter tido a chance de ser aluna do tio rsss. Meio caminho andado para o sucesso profissional… Beijos e felicidade para você
Não há rima, Rita… não há… bjos
Realmente a infância e a parte mais marcante da vida de alguém,tenho uma filha especial de seis anos,ela não e cadeirante,mas usa orteses e muletas,não tem equilíbrio,e noto que quando tem festas as crianças não gostam de ficar com ela,sempre brincam de algo q e impossível dela acompanhar,eu vejo sempre isso,as crianças a ve chegando,cochicham entre si e saem correndo para um lugar q ela não pode,se escondem…eu vejo ela triste,decepcionada e tento mostrar para ela q o problema não está nela,q nem sempre todos vão gostar de todo mundo,e que também haverá um dia que ela também vai querer escolher com quem brincar.ela não entende ainda as discriminação q sofre,eu sempre tento amenizar,criança especial já tem a vida cheias de rotinas:médicos,cirurgias,fisioterapias…que são tudo tão cansativo e estressante e ter que agüentar preconceito …e muito para eles,isso seria pressão demais até para um adulto,por fim eu peço a deus que minha filha cresça forte,e que essa parte da vida dela (a infância)seja preenchida de coisas boas,de amor,carinho,saúde e juntas tentaremos buscar igualdade ,não só para as crianças especiais,mas todas as outras crianças que tem sua infância despedaçadas por contratempos impostos pela vida.
Caramba, Tui… seu relato é muito, muito marcante… Obrigado… um abraço
grande jairo eu tenho um blog e possamos trocar
de blog