Os filhos que a gente (não) quer
“Seu Jairo, amanhã eu devo me atrasar para chegar. Talvez eu nem venha, o senhor me desculpe. Ontem à noite, mataram meu sobrinho, com 16 tiros, ali no Paraisópolis –uma das maiores favelas de São Paulo. Vou ao enterro, porque pude ficar pouco no velório.
Minha irmã está arrasada, seu Jairo. Foi humilhada pelos policiais que foram ver o caso. Pareciam dizer que a culpa tinha sido dela por não ter controlado o filho direito, por não ter prendido ele em casa. Ele mexia com coisa errada, sim, seu Jairo, mas tentamos de um tudo para ele ser uma pessoa do bem, honesta, trabalhadora.
A gente que é pobre de cidade grande, seu Jairo, tem de trabalhar muito, o dia inteiro, para poder sustentar os filhos e tentar dar a eles um pouco dessas coisas todas que vão aparecendo: um tênis de R$ 500, o senhor acredita que tem tênis de R$ 500? Uma roupa da moda, um jogo do computador, um celular que só falta voar.
Ninguém tinha orgulho do Vitinho fazer coisas erradas, não, e minha irmã sofria demais com ele, mas era filho, era amado e é doloroso ver ele ali caído no chão, cheio de balas, parecendo um bicho, seu Jairo.
Quem não quer ter um filho que seja honesto, trabalhador, que cuide da família? A gente não sabe onde erra com eles, seu Jairo. A gente pensa que está fazendo o melhor, a gente briga quando vê uma atitude errada deles, mas existe uma força que acaba arrastando eles para o mal, por mais que a gente reze e peça a proteção de Nossa Senhora.”
As palavras e o choro tímido de Geni, minha ajudante, parecem ter-me posto anestesiado, a ponto de não conseguir reagir diante dela, de não conseguir dar-lhe um apoio sincero, daqueles que sustentam o amanhecer do dia seguinte.
Mais tarde, pensei que muitos e muitos filhos não são necessariamente aquilo que os pais sonharam, desejaram e desenharam como reflexo mais bem construído de si mesmos. Os filhos podem seguir os anseios de sua própria natureza ou os caminhos pelos quais os acontecimentos, as desgraceiras, a genética, a sociedade injusta e o diabo os levaram.
Filhos nascem com down, filhos adquirem vícios, filhos apanham na escola porque não são os fortões, filhos machucam os outros, filhos sofrem por preconceitos contra sua sexualidade, filhos fazem tatuagens horríveis, filhos se tornam ateus.
Minha mãe não queria ter um filho cadeirante, Geni, e fez da noite dia para que eu andasse e fosse uma criança como outra qualquer. Mas chegou o momento em que eu quis assumir o meu destino com minhas próprias rodas.
Sim, Geni, entendo que crescer com uma inconformidade física ou intelectual é bem diferente de crescer aprontando crimes, vexames e vergonhas para os pais, mas, muitas vezes, chega o momento em que o controle absoluto que se imagina ter da cria se esvai diante do ímpeto de eles quererem rabiscar o próprio destino.
Penso que mesmo aqueles filhos que são exatamente do jeito que a gente quer podem estar amarrados diante da angústia de fazer aquilo que não querem.
O fundamental, Geni, é buscar a calma na mente por, alimentando a esperança de que os filhos seguissem seus próprios caminhos, ter doado amor, dedicação, suor, ensinamentos, alegria e fé.
Não sei quem são os pais dos muitíssimos políticos corruptos e dos muitos empresários endinheirados corruptores que impunemente inundam este pais,mas será que se vivos ainda estiverem, arrependidos da forma com que os criaram, estarão?
Jairo, li e reli seu texto, que me capturou ja pelo titulo. Que profundidade em suas palavras. Voce soube captar com muita sensibilidade o drama da delicada condicao de ser pai e mae. Nao somos donos de nossos filhos, mas certamente nao nascemos dotados com essa consciencia. A maior dor que sentimos e a de, no fundo, sabermos que todas nossas tentativas de molda-los a nossa vontade, sao em vao. Descobrimos que temos um amor egoista e um desafio inquietante: “buscar a calma na mente por ter doado amor (…)”. Lindo seu texto! Parabens!
Muito obrigado, angelica! 😉
Belíssimo texto grande Jairo. Só quem conhece as tristezas e agruras e, acima de tudo, as humilhações que os menos favorecidos sofrem podem compreender essas coisas.
Poucas pessoas sabem o quanto é duro ouvir um pedido de um filho e não poder atendê-lo.
Obrigado, Ronaldo! Fraterno abraço de sempre
Jairo, sou pais de 5 filhos. Sinto tanto amor por eles que até dói. Farei meu melhor para eles e sei que no momento que começarem a seguir seus rabiscos, isso valerá também. O resto não se controla. É por conta deles e das muitas variáveis da vida. Espero que o destino sorria e que a vida tenha um ciclo normal para eles. É que todo pai e mãe esperam. Mas agradeço a Deus por conhecê-los. Parabéns pelo texto. Regado de sentimentos a mil! Tudo de bom!
Me emocionou, Marcelo… muito obrigado.. abraço
Lindo texto e de uma sensibilidade e delicadeza ímpar. Parabéns
Obrigado, querida!
“Quem não quer ter um filho que seja honesto, trabalhador, que cuide da família? A gente não sabe onde erra com eles, seu Jairo. A gente pensa que está fazendo o melhor, a gente briga quando vê uma atitude errada deles, mas existe uma força que acaba arrastando eles para o mal, por mais que a gente reze e peça a proteção de Nossa Senhora.”
“Não saber onde erra”, “achar que que está fazendo o melhor” explica a “força que acaba arrastando eles para o mal”. Pois essa mãe errou (e muito!) e definitivamente não fez seu melhor. O filho da minha empregada se tornou traficante, e ela pelo menos reconheceu que, no mínimo, foi uma mãe ausente. Mas dizer que foram “ótimos pais” e o filho de tornou um sociopata “do nada” é uma falácia. Tenho filhos e tenho certeza absoluta que JAMAIS me decepcionarão. 99% dos casos de criminalidade no Brasil seriam resolvidos se essas pessoas (1) aprendessem a criar filhos, (2) os amassem mais. Mas não é amor como damos a animais de estimação, não. E isso não se ensina, se tem. E quem não sabe o que é isso não deveria ter filhos nunca. Geni, agora seu rebento já morreu, mas tente se redimir (sim, a culpa foi sua) ajudando na criação das crianças pequenas que ainda existam na sua família, com amor e dedicação, não basta dar comida e lavar roupa, hein?!, tem que ensinar valores morais e educá-los com pulso firme. Talvez consiga mudar o destino desses que, aparentemente, não será muito bonito também.
Não foi o filho da Geni quem morreu, seu Marc..
Concordo com a colocação.Educar é mais dificil do que trabalhar fora de casa delegando a terceiros ou aos proprios filhos assumir o controle de suas vidas..Minha mãe cuidou de 07 filhos,lavando roupas no tanque da nossa casa,sem nunca nos perder de vista.Optei por tomar conta dos meus 04 filhos,adultos ja tem seus filhos, com todos os problemas que uma familia tem,mas embasados no exemplo e na atenção de cada um de nós.
Uma filha, me aflige trocar, educar o filho pelo trabalho,é nossa discusão,acredito por experiência,que não podemos descuidar de nossas crianças..E se lhes falta autoridade em casa em nome de trabalho para se tornarem consumidores,é esta autoridade que falta para dar a eles base, valores e responsabilidades.
E depois enterram um problema ,e automaticamente clamam por justiça do Estado..è lamentavel…
Jairo querido, você toca nas duas extremidades da questão: a dificuldade de ser pai (ou mãe) e de ser filho. Tantos desejos criados por ambos… Não é fácil corresponder ao que se espera que sejamos, em nenhum desses dois papéis sociais. Mostrar nossas deficiências e nossas diferenças é complexo. Esperamos sempre pela aceitação e, quem sabe, pela compreensão profunda (felicidade suprema). Você está se superando em sutileza e delicadeza. Beijos.
Renata, que elogio profundo! E quanta responsabilidade… obrigado pelo carinho.. beijos
Jairo, que texto lindo!! Uma sensibilidade ímpar que só você poderia ter!!
Muito obrigado, Isabel… um abraço
Parabéns pela bela e sincera reflexão. Sou mãe de dois e torço para que as escolhas deles leve-os para um lugar que seja do bem.
Obrigado, Cris… Felicidades para seus filhos!
Parabéns pelo texto. Quanta sensibilidade!! Nem preciso dizer da emoção que pairou por aqui.
Abraços.
Obrigado, Léa
Gostei do artigo. Há um livro sobre este tema: “Far from the tree” de Andrew Solomon. Intrigante, inquietante e por vezes perturbador. Uma leitura que certamente vale a pena.
Estou lendo, justamente, agora, Fernanda!
Estava precisando ler um texto como esse.
Parabéns
Ana
Obrigado, Ana!
Sou ateu. É uma escolha pensada, da qual me orgulho.
Achei sua colocação equivocada e discriminatória.
Ivan, eu te convido a reler o texto sobre outra postura, menos defensiva. Para mim, ter tatuagem, ter down, ser cadeirante, apanhar na escola, ser gay, ser menos inteligente também não são descréditos… são opções, natureza, destino ou condições de alguns filhos, assim como decidir “ser ateu”. Isso pode provocar uma angústia em um pai? Claro que sim…da mesma forma que pais ateus podem não entender a postura de um filho virar padre ou pastor. Não há intenção implícita na frase.
Lindo texto, sem palavras.
Obrigado, Bruna
Belo Texto.Vale Compartilhar !! Triste Realidade Da Geração Y.
Obrigado, Ana!
Parabéns pelo texto! Um alento para os pais.Só com muita maturidade emocional pode-se chegar a estas conclusões.
Obrigado, Ieda
O problema recorrente do ser humano é não saber o que teria acontecido se, no momento de tomar uma decisão, tivesse optado pelo caminho contrário. Se não estivessem “amarrados pela angústia de fazer aquilo que não querem”, que teria sido deles? Estariam “amarrados” por coisa pior? Quais as chances que a sociedade nos oferece de garantir que se estivessem soltos estariam tão felizes quanto os sonhamos? “Amarrados” ainda têm um vislumbre de chance. De outra maneira: impossível. Tal o balancete que fazemos as mães “amarradas” pelas circunstâncias.
Belo comentário, Elvira, obrigado
“O fundamental, Geni, é buscar a calma na mente por, alimentando a esperança de que os filhos seguissem seus próprios caminhos, ter doado amor, dedicação, suor, ensinamentos, alegria e fé.” Belíssimo texto! é parar para pensar… :/
Obrigado, Isabela
Caro Jairo,
Seu artigo é pura sensibilidade em diálogo com nossa paranoia cotidiana. Obrigada por compartilhar!!!
Obrigado, você, pelo carinho, Maria
Jairo , Vc é fantástico no que faz!!Gostei do trecho : “chega o momento em que o controle absoluto que se imagina ter da cria se esvai diante do ímpeto de eles quererem rabiscar o próprio destino.”
Parabéns!!
Nara, muito obrigado! Tamujuntos!
“Filhos que se tornam ateus”? Para mim crítico seria ter um filho que acreditasse em deus (ou em qualquer outra lenda).
Foi apenas um exemplo, Silvia… poderia ser qualquer outra coisa provocativa… 😉
Não tem como não se emocionar Jairo…mas também sabemos que por mais que nos esforcemos às vezes é impossível mudar…beijos e obrigada por compartilhar mais esta história triste mas real, muito real, que chega a doer.
Um beijo bem grande, Sô
Tenho três filhos e sou as vezes paranoica com a formação deles.
Rezo, tento manter eles ocupados (pois mente vazia oficina do diabo)
Tento mostrar que a educação, a honestidade e a bondade de coração ainda são neste mundo tão cruel a melhor saída.
Quando eles me indagam ” mas todo mundo faz” eu digo pra ele ” mas eu não sou mãe de todo mundo” .
Infelizmente no nosso pais falta estrutura básica para a educação de jovens e adolescentes.
Ontem um garoto que vi crescer estava usando maconha na janela da casa dele. E sei que a mãe é honesta e trabalhadora lutou muito pra criar este menino. fiquei com meu coração partido.
Igual ao meu coração partido pela Geni, Anemeire… um abraço