Xingando anõezinhos

Jairo Marques

Todas as vezes que ganham fôlego essas discussões em torno do xingamento de jogadores negros, por parte de torcidas, dentro dos campos de futebol, penso o quanto se conseguiu evoluir na proteção da cidadania, do respeito e da igualdade dos negros.

Claro que sou solidário à linha que defende que apenas combater o racismo com rigor em uma partida de futebol não cria consciência a contento, que muita gente se horroriza com o “macaco” em público, mas dá banana aos negros em privado. De qualquer maneira, há nessa questão um caminho de evolução cultural claro.

Vexatório, para mim, é quando a lupa é jogada para a realidade das pessoas com nanismo. Socialmente, humilhar, xingar, ‘brincar’, ridicularizar e desrespeitar uma pessoa pequena, um ‘anãozinho’, como se costuma acentuar o estereótipo, ainda é ‘do jogo’, é uma ação inofensiva, uma maneira de ser brasileiro.

Em boa parte dos casos, não é nada disso. A violência verbal com que se trata as pessoas pequenas, aqui e no mundo todo, é opressora, é brutal e pode afetar completamente a vida dos alvos dessas atitudes.

Um estudante norte-americano acaba de publicar na internet um curta-metragem em que relata as diversas intempéries que precisa suportar em seu dia a dia em decorrência de sua estatura.

A falta de noção, de respeito e de cidadania com esse público é tão grande, que não há receio nem de tirar fotografias aleatórias de anões pelas ruas, como algo exótico, para postar em redes sociais.

Há quem aponte as pessoas pequenas como “aquilo”, como seres que fugiram do circo. Ainda tolera-se, com naturalidade assustadora, que anões sejam expostos a situações de humilhação em programas de televisão, que levem “pedaladas” como se fosse carinho.

Pouco nos atormentamos em imaginar que um ser humano está sendo hostilizado como um boneco, um pedaço de nada, um instrumento bizarro que leva a gargalhada.

Há sim possibilidades de pessoas pequenas adotarem por gosto (e não por uma das únicas opções de trabalho digno, como se dá normalmente) a vida artística, a vida em circos. Mas, quando a ação de “palhaçada” parte dos “normais”, sem prévia autorização, intimidade, conhecimento, algo está errado na civilidade.

Pode botar reparo que pessoas pequenas costumam ter semblante fechado, como se fosse um cartão de visitas exigindo respeito. Estão certos, pois no menor vacilo estamos lá agindo como idiotas diante um ser vivente igual a todos os outros em sua essência.

Domar o olhar diante do “diferente” é tarefa muito difícil, quase impossível. Olha-se o muito bonito, o feio, o baixo, o alto, o gordo, o cadeirante, o anão. O problema maior não é abrir a janela da alma para o nos é novo, o problema é projetar nas pessoas valores que inferiorizam, que estigmatizam, que ridicularizam.

É urgente ampliar as conversar com crianças, com rodas de amigos, com grupos e com mídias sobre a opressão, sobre a violência e sobre os prejuízos emocionais que tem-se causado, em troca de ‘graça’, às pessoas pequenas.

Abaixo, segue o documentário, que está em inglês, É possível acionar a ferramenta de “traduzir legendas” para o português, mas elas me pareceram meio truncadas, De qualquer forma, fica a sugestão!

Comentários

  1. Belo texto Jairo, como sempre, aliás. De fato esses ‘baixinhos’ sofrem muito com as ‘brincadeiras’ idiotas e preconceituosas e até mesmo agressões tanto verbais como físicas; e o pior é que pouco podem fazer para se defender ou se livrar desses idiotas.

  2. Respeito é tudo mesmo. Tragicamente nem todos os portadores de nanismo recebem apoio e aceitação da própria família. Recentemente li um livro muito interessante chamado “Far from the Tree”, do Andrew Solomon, que fala sobre a realidade de pessoas que se afastam daquilo que se convencionou chamar de “normalidade”. Então ele entrevistou pessoas cegas, ou surdas, ou anãs,homossexuais, transexuais, ou com esquizofrenia, pessoas que tiveram filhos que cometeram crimes, enfim, pessoas ditas “normais”que tiveram filhos que caíram “longe da árvore”, daí o título do livro. Quero dizer,filhos que por escolhas ou doenças ou circunstâncias diversas não seguiram a trilha da “normalidade” dos pais. E como as famílias lidaram com as diferentes situações. É muito interessante, fica a dica para quem se interessar em aprender mais sobre essas diferenças, tanto pela perspectiva dos pais quanto dos que caíram longe da árvore de origem. Sempre um prazer ler seu texto Jairim, na medida exata da indignação e do fogo iluminando possíveis mudanças. Beijos mil.

    1. Me deixou muito curioso pelo livro e trouxe um debate sensacional, inédito, aqui no blog… Com certeza, inspirador para minhas ideias! Beijocas e obrigado

  3. Adorei o post, Jairo, tanto que preferi comentar novamente.
    Sim, eles são SERES HUMANOS e está mais que na hora de colocar em pauta o nanismo nas agendas privadas e públicas. No restaurante em que frequentava, em Salvador (BA), o hostess era um anão. Como era um lugar muito chique e preconceito é coisa de gente sem dinheiro (hahaha), os adultos aproveitavam a oportunidade para explicar sobre o nanismo. Minha sobrinha perguntou se criança poderia trabalhar ali, pensando que o recepcionista era como ela. Minha cunhada, então, explicou pacientemente que ele era um adulto. Que este exemplo sirva para mais pessoas contratarem os anões.

    1. A dificuldade das pessoas com nanismo encontrarem um trabalho é muito grande, em um primeiro momento, porque as cabeças “pensantes” associam total o tamanho físico à inteligência, à capacidade laboral. As crianças abordam mesmo os anões, é natural (aparece no vídeo, inclusive), o que não é bacana é a forma de os pais educarem sobre as diferenças, algumas vezes. O ideal é fazer como vc apontou: explicando, acertando o passo.. bjosss

  4. Ainda sobre a questão envolvendo o goleiro Aranha, acho melhor que passemos a ter jogos com estádios sem público. Acho um absurdo ofensas racistas mas xingar a mãe do juiz pode? Todo mundo acha natural que a mãe do juiz seja xingada. A desculpa é que isso já faz parte do universo do futebol mas o que a coitada tem a ver com isso? Digo mais: qual é o torcedor negro que nunca xingou a mãe do árbitro? Ou se abomina tudo ou se libera tudo.
    É o mesmo caso da liberação das drogas. Álcool tá liberado, drogas não. Qual é a lógica?
    Se tivéssemos jogos sem público não teríamos esse problema, não teríamos violência de torcidas, entre outros.

    1. Certíssimo Gustavo! Tb xingar um jogador de viado não tem punição? Não é só pq estamos num estádio que podemos desrespeitar o outro ser humano!!! Há muitas outras formas de torcer pra um time. Os torcedores alemães conseguem dar um show com suas coreografias e o espetaculo do futebol fica ainda mais bonito, é claro que msm lá há exceções mas neste caso não valem o comentário. Bj Jairo!!

    2. Minha nossa! Mas o que tem a ver o com as calças?? Que criancice comparar a expressão do racismo com xingamento? E justo neste blog!!
      No mais quero agradecer ao Jairo por esse texto, lúcido e rico e bem aproveitado o gancho do caso Aranha.
      Quiçá teremos um mundo sem anões (e etc) tratados como coisas… E quando chegarmos lá vc, Jairo, será muito responsável por isso.

      Oras, mas o que tem a ver o c om as calças?? Que criancice comparar a expressão do racismo com xingamento? E justo neste blog!!
      Mas vim pra agradecer esse texto, lúcido e rico, que aproveitou muito bem o gancho do caso Aranha. E em poucas linhas disse o que muito militante não consegue traduzir nem em manifestos.
      Quiçá teremos um mundo sem anões (e etc) tratados como coisas… E quando chegarmos lá vc, Jairo, será muito responsável por isso.

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