Mães de hospital

Folha

Não há sinônimo melhor para doação do que mães que vivem em hospitais no aguardo incansável e angustiante de chegar o grande dia no qual poderão levar suas crias de volta para casa, mesmo que elas já tenham sua plumagem bem frondosa, mesmo que elas jamais consigam pular amarelinhas de forma independente dali em diante.

Ter o filho novamente em casa após uma internação pode ser mais significativo do que o dia da formatura, o da primeira peça de teatro, o da primeira palavra balbuciada, pois significa uma chance nova de criar outras histórias incríveis e lindas para os porta-retratos e para a literatura de viver.

Mães de hospital não têm coluna, porque são capazes de dormir meses em um sofazinho sinuoso e desconfortável que guarda displicente o leito do filho enfermo. Possuem no organismo o analgésico mais poderoso, aquele que enfrenta e apazigua as dores da incerteza do futuro e de um ligeiro descaso do pessoal que serve as refeições, quando ela tanto esperava para seu pequeno um cuidado particular.

Elas choram pelos cantos para não fazer barulho e não comprometer os corações sensíveis de seus meninos. Ao mesmo tempo, são capazes dos melhores e mais largos sorrisos para os médicos que ªprometeremº aquela visita mais longa, mais detalhada e mais otimista.

 Mães de hospital não veem feiura em queimadura ou em má-formação, não sentem arrepios de sangue entrando ou saindo pelas veias Ðafinal, trata-se da busca da curaÐ, sabem tudo a respeito de erisipela, imunodeficiência, interação medicamentosa e quimioterapia.

A antessala de um centro de cirurgia pode ser mais dramática que os próprios acontecimentos da unidade se lá estiver uma mãe. Ela é capaz de ficar dez, 12 horas em pé, imóvel, para apenas ªemanar energias boasº para que a mão do médico não trema, para que a sutura amarre de vez os problemas e os leve para bem longe de seus filhos amados.

 Não existe possibilidades de mães de hospital almejarem o título da ªmelhor mãe do mundoº, porque elas só estão interessadas em promover para si o básico: um banho rápido, um telefonema para o filho do meio pedindo a ele que estude e um afago na companheira do quarto 31, cuja menina piorou durante a madrugada.

E elas são firmes diante de choros aterradores vindos da dor de agulha, de dores nos ossos, na pele, na cabeça, no pensamento. O seu papel é passar segurança e confiança em que aquilo será para melhor, em que aquilo irá trazer de volta os momentos felizes das tardes de domingo.

Em mães de hospital, apenas as dores na alma são incontroláveis, mas essas elas teimam em resolver sozinha durante intermináveis insônias ou em um diabo chamado sono vigilante.

Por tudo isso, quando vir uma mãe de hospital, só dê a ela esperança, flores do campo e olhares de ternura. Não queira dar um toque de razão, uma frase de efeito ao coração ou se atreva a julgar o que, a seus olhos, parece ªsacrifícioº.

Todo o esforço valerá a pena se for reconquistado pela mãe o direito de, logo cedinho, dar aqueles abraços de puro chamego e aqueles beijos estalados, meio lambidos e barulhentos, que nunquinha o clima da melhor enfermaria do mundo iria permitir.

jairo.marques@grupofolha.com.br

Comentários

  1. Que crônica emocionante! Como mãe de hospital que fui durante o primeiro mês de vida da minha filha, me vi 100% representada no seu texto. Estou em prantos ao acabar de ler, com ela agora saudável mamando no meu colo. Obrigada por fazer as pessoas refletirem sobre as difilculdades que as mamães de hospital passam! Grande abraço!

  2. Jairo, estou muito emocionada com o seu texto. Tem 4 anos que cuido do meu pequeno, de 10 anos, em setembro ele fez um transplante de medula e a doadora foi minha filha de 2 anos. Tenho um filho mais velho que fica com o pai na nossa cidade. Já mudamos de cidade 2 vezes por causa do tratamento…Me identifiquei 100% com o que vc escreveu e todas as vezes que leio eu choro muito…

  3. Lindo, lindo, lindo.
    Só um filho como você poderia escrever um texto desse.
    Beijo para você, para a Dona Marli e para todas essas mães, sempre tão esquecidas nessas datas

  4. Nossa.. quanta emoção com seu texto!! Cheguei ao final tendo limpar as lágrimas para poder enxergar o que estava escrito!! Passei bom tempo em hospitais, e lendo seu texto foi como se eu me transportasse para lá de novo e visse minha mãe fazendo tudo o que você descreveu, bem na minha frente. Elas dariam a vida para estarem deitadas naquela cama ao invés de seus filhos merecem respeito a admiração.
    Parabéns pelo texto maravilhoso, e parabéns por lembrar dessas verdadeiras guerreiras.

  5. Jairo, parabéns pelo texto e obrigada pela homenagem, pois fui mãe de hospital e hoje, (quinze anos depois) meu dia foi só emoção recebo na escola a homenagem da minha “cria” ( eu amo chama-lo assim) e encontro no face sua postagem, aguenta coração.

  6. Jairo parecia um filme passando na minha cabeça lendo seu texto, chorei…
    Quantas lembranças dificeis, e lembranças de medicos que foram anjos e outros nem tanto anjos, mas prefiro guardar as lembranças mais otimistas em relação a minha filha. Lembrei tb de cada mae e da amizade e laços que fazemos numa UTI… sao para sempre pode ter certeza ! Seu texto é perfeito. obg meu amigo Jairo ! beijos .

  7. Meu querido, sua sensibilidade de filho de mãe de hospital, transmitiu para o texto, de maneira muito real, os sentimentos dessas mães.
    Uma vez eu vi num notíciário uma mãe angustiada na porta do centro cirúrgico. Eu sabia exatamente o que ela sentia naquele momento. Entregar seu bebezinho, seu tesouro, nas mãos do médico, sem ter a certeza de que é mesmo o melhor a ser feito (nem sempre temos essa segurança) e deixar por conta de Deus, já que naquele momento somos impotentes.
    Você me fez chorar mais uma vez! Tô aqui, de olho inchado! Obrigada, viu? Beijoca pra dona Marli.

    1. Monikita, tem um ponto que vc escreveu que acho fundamental.. escrevi sob a perspectiva de FILHO! Feliz Dia das Mães… beijossss

  8. Lindíssimo!! É exatamente tudo isso Jairo, o que sentimos, o que vivemos, quando estamos lá, com os nossos pequenos…
    Parece que Você leu pensamentos e sentimentos ao escrever essa crônica!!! Parabéns!!

  9. Será que alguém consegue expressar com tanta sensibilidade os textos que você escreve para as mães? Desde que venho aqui, vc me faz meditar muito e chorar quando escreve para D. Marli no dia das mães. Que privilégio ser sua mãe, viu ?
    Um super beijo pra ela, pra vc e pra patroa. Parabéns mais uma vez Jairo. Arrasou no texto.

  10. Uma verdade unica ….melhor do que a cura é o sorriso da nossa crianca quando ela acorda com o
    mais sincero e verdadeiro sorriso assim tudo vale a pena cada esperanca cada minuto yvonice

  11. Como mãe de hospital que já fui, me senti representada perfeitamente, mais do que eu mesma poderia descrever.
    Sua sensibilidade me emociona e agradeço por todas as mães de hospital de ontem, hoje a amanhã.

    1. Fátima, com toda a certeza, o seu sentimento é tão ou mais poderoso que palavras colocadas direitinho! 😉

  12. Não sou Mãe, mas em muitas visitas que fiz, como voluntária, posso te dizer que no momento em que lia sua matéria, pude me transportar para um leito de um hospital, onde se encontra uma dessas mães.
    Mães que são “esquecidas” em homenagens feitas nessa época.
    Parabéns…
    Bela matéria.

  13. Sempre leio a sua coluna, mas esse texto maravilhoso, que só com a sua sensibilidade e leveza poderia retratar as mães que acompanham e cuidam de seus filhos hospitalizados me obrigam a comentar e parabenizar o seu trabalho.

  14. Adorei!!! A angústia das mãezinhas de hospital é diário até o momento da alta….E aquelas de UTI então… continua até seus lares!!! Por isso mais do que a lógica e a razão são necessários abraços de conforto e fortalecimento, renovando suas esperanças…Um dia de cd vez….Um abraço todos os dias….

  15. Maravilhoso.. De uma sensibilidade na escrita que não estamos acostumados a ler nas crônicas hoje em dia. Meu dia acaba de ficar melhor

    1. Poxa, que bom, Victor… caso conheça alguma “mãe de hospital”, não deixe de enviar para ela… tomara que ela consiga também ter um alento! Abraço

  16. Parabéns Jairo, é um dos mais belos texto que já li e que retrata fielmente o que ocorre nas enfermarias e quartos de alas infantis. Já tive filho internado, e sei bem o que é passar por esse momento. Parabéns pela sensibilidade.

  17. Maravilhoso o seu texto!
    Minha esposa e eu já passamos por essa situação mais de vinte vezes. É exatamente como vc descreveu. Anulamos nossa vida, em função do bem estar de nossos filhos. E vale a pena…

  18. Belo texto! Obrigada pela sensibilidade e amor aqui compartilhados. Que todas elas recebam tanto no corpo físico como espiritual por tanto desprendimento, desvelo, o mesmo amor, renúncia, luz, paz e principalmente, aquilo que mais deixarão seus corações felizes, libertos e com a sensação que tudo valeu… a cura das suas “crias.” Bjsssssssssssss luz e amor na alma e coração. Partilhando no meu face. _/|\_

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