Como seria?
Algumas vezes já botei em discussão aqui no blog uma temática meio fantasiosa/sonhadora/futurista sobre como pessoas com deficiência imaginariam suas vidas sem as “malacabações” que as acometeram.
É um exercício muito louco imaginar uma realidade que você nunca teve. De certa maneira, a experiência é bacana para que se descubra e se valorize mais as conquistam alcançadas diante de um corpo com deficiência física ou sensorial.
Mas escrevo isso porque um camarada documentarista e PC, o Daniel Gonçalves, resolveu gravar um vídeo completo com o seu “como seria”. Achei a iniciativa mega, blaster interessante e curiosa.
Paralisados cerebrais podem ter comprometimentos severos no esqueleto, na fala, no equilíbrio, no formato do rosto, enfim… o caboclo pode ficar beeeem avariado.
Os desafios de viver com paralisa cerebral passam por aspectos que vão além da acessibilidade. Como também já abordei por aqui, PCs sofrem com o preconceito das avaliações ligeiras sobre o que representam.
Fiz um post, há alguns anos, sobre dicas para não pagar micos com os paralisados cerebrais e é interessante bater um olho. Basta clicar no bozo para saber mais.
Pois bem, ainda em fase de finalização, o documentário do Daniel já tem um teaser, que é um pedacinho de filme pra mode deixar a gente com vontade de ver mais kkkkkkkkkkk.
Avalio que o trabalho dele pode iluminar ideias diversas e revelar que, talvez, o “como é” tem muito mais valor e peso do que o “como seria?”.
Há um trecho que vai chamar muito a atenção de “ceistudo”: quando dois idiotas o encaram na rua, situações que muuuitos “malacabados” já passaram…
Ulisses Garavatti tem paralisia cerebral, 22 anos e faz palestras junto comigo. Conhecemo-nos quando ele tinha 5 anos e não andava. Estuda Administração de Empresas, salta de paraquedas, faz rapel, dirige seu próprio carro e é cavaleiro. Quase se classificou para a última Olimpíada (em equitação não há paralimpíadas, todos concorrem com todos). Tem dificuldades para andar e falar, e às vezes eu tenho que traduzir frases suas. Ele (e eu) estamos numa campanha para mudar o termo “paralisia cerebral” para o correto “encefalopatia crônica não progressiva”. Isso porque nossa vivência demonstrou que o termo “paralisia cerebral” faz com que muitos pais deixem de lutar pelo progresso dos filhos, na crença de que o cérebro está paralisado e não há nada mais a fazer, enquanto o nome científico mostra um quadro crônico não progressivo.
A campanha ainda está tímida, mas crescerá, como Ulisses cresceu.
Eu acho que o termo é bem estigmatizante, mesmo… mas esse novo que vc falou não ajuda muito, não ahahhahahahah
é que esse, Jairo, é o que vai no diagnóstico
OFF: O que acha disso, Jairo?
http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2014/04/01/dona-da-gillete-e-processada-em-r-1-milhao-por-nao-contratar-deficientes.htm
Acho que a lei é feita para ser cumprida e que sai mais caro não incluir do que promover dignidade às pessoas!
E esse papo de “há escassez de profissionais com as qualificações necessárias para o preenchimento das vagas.”?
Esse é o discurso padrão dos empresários. Eles querem fazer colar isso de qualquer maneira há tempos.
Muitas vezes peguei me imaginando como seria minha vida sem a pc (sou pc atetóide moderada), mas jamais cheguei a conclusão nenhuma. Minha mãe também dizia que me imaginava sem a pc, e ela dizia que eu seria fútil, mãe de uma penca de filhos etc. Hoje, eu não tenho mais essa imaginação de como eu seria sem a pc. Sou o que sou, tenho amigos muito bons, conheci muitas pessoas legais pra caramba – entre eles, você -, meus pais aprenderam muitas coisas geniais e eu também, graças à pc. Se eu não fosse pc., não iria acontecer tudo de bom e de ruim em minha vida para ser assim como sou hoje. Claro que, como pc enfrento preconceitos ao cubo, preciso mostrar que não tenho a minha mente paralisada e o meu título de doutora choca muita gente e eu acho engraçado o olhar de espanto que a maioria das pessoas fazem ao saberem do fato. No passado sofria ao ver e sentir esses preconceitos, mas hoje, tiro de letra. Claro que às vezes fico irritada e tenho vontade de mandar essas pessoas à M…, mas passa logo. A última vez que escutei de uma pessoa que ela pensava que todo pc é def. mental foi quando fui parar no pronto socorro do Sírio Libanês, com apendicite e quem me disse tal coisa foi o médico de plantão que me atendeu e perguntou a quanto tempo tive AVC, vulgo derrame. Eu respondi a ele que não tive AVC, que sou pc e ele arregalou os olhos e perguntou para mim se todo pc é def. mental e eu disse que não e que eu tenho o título de doutora em psicologia social pela PUC-SP. Ele se desconcertou inteiro e perguntou se os pc graves são todos defs. mentais e eu disse que há muitos pcs graves que tem uma inteligência acima da média. Ele calou a boca. Também, quem mandou ele fugir das aulas de neurologia! Caramba, num hospital conceituado como este, ter médicos que não sabem o que é e nem muito menos quem somos, é muito pra cabeça, né não? O médico que operou a minha apêndice não queria me dar os remédios que tomo para controlar os espasmos e movimentos involuntários e ai, tive que pedir para que ele telefonasse para o neuro que cuida de mim. Parece que este médico levou uma bofetada com luvas de pelica do neuro. Agora acho interessante tudo o que se passa comigo e reflito sobre esses acontecimentos. É interessante. Passo por experiências que não passaria se não fosse pc e minha mãe me diz para aproveitá-las porque são poucas as pessoas que passam por essas experiências ricas. Com tudo isso, concordo com o garoto do vídeo. Bjs.
Su, interesse que esse relato que vc faz, dos médicos, não forma uma exceção, é quase uma regra. Médicos generalistas ou mesmo aqueles que não lidam diretamente com pessoa com deficiência não sabem quase nada de nossas realidades e o que sabem é estigmatizado como qualquer outra pessoa. Penso que as faculdades precisam estar mais atentas a isso, pois até erros são possíveis de serem praticados diante da situação. Beijocas
Jairo, se eu não tomasse os medicamentos que tomo todos os dias e o médico não queria dar, antes de falar com o neuro que cuida de mim, certamente eu teria ido parar na mesa de cirurgia novamente, porque eu teria muitos movimentos involuntários e espasmos parecendo uma rã na frigideira e isso seria um erro muito grave, não é?
Também concordo com você que os cursos universitários tem que tomar jeito e colocar o item deficiências nos currículos deles. Há um item na Carta de Salamanca que defs deveriam dar depoimentos nos cursos, mas isto não é nem cogitado. Bjs.
Sou tetraplégico à 26 anos.
Quero mandar os meus parabéns por seus textos – são ótimos, reais e retratam a realidade do dia-a-dia das pessoas com deficiencias.
Tamujunto, Sergio! Abrasssss
Conheço bem os probleminhas enfrentados pelo Daniel, cada nova conquista é uma grande vitória, que nos empurra e nos dá forças pra conquistar novos sonhos.
Enfrentamos preconceito ao cubo, por sempre nos acharem mentalmente incapazes, por sermos deficientes físicos e por termos muitos movimentos involuntários, caretas e excessiva salivação. Crianças e alguns adultos costumam ter medo de nós e se afastarem, rsrs…
Mas sinceramente, não sei como seria minha vida sem a PC. Talvez não fosse nada do que sou hoje, fosse mais acomodada e levasse uma vida mais leve, sem ter que provar todos os dias que somos capazes e matar um leão por dia.
Vou contar um pouquinho sobre mim, será que valeria a pena ter vivido sem a PC?
Sou PC desde que nasci, tenho deficiência de fala, respiração, coração, motora; afetou minha perna direita mas ando sem ajuda de nenhum aparelho, comecei a andar com quase 7 anos, sozinha mesmo, à partir dos 10 anos porque alguém sempre me segurava pra me locomover e evitaram o uso de cadeiras, aparelhos e também das cirurgias porque disseram que poderia perder completamente os movimentos da perna. Tenho uma coluna que parece um “sifão” por isso tenho alguns problemas respiratórios e tenho muitos movimentos involuntários do pescoço.
Já ouvi dizer que minha PC é leve e também moderada, rs… Eu não sei qual é… Faço tudo que uma pessoa “normal” faz e melhorei muito mesmo com o passar dos anos, por isso não acredito que a doença piora com o passar do tempo como dizem alguns médicos. Meus familiares sempre me protegeram para que eu não me machucasse, porque vivia tropeçando, esbarrando em tudo, caindo, derrubando coisas, etc… Um verdadeiro furacão (como diziam meus irmãos). Mas eles jamais me trataram como uma pessoa diferente e sempre me apoiaram em tudo que eu quisesse fazer.
Quando entrei na escola, foi um sufoco, não tinha coordenação na mão por isso escrevia uma linha em cada página (\), fiz muitas aulas de caligrafia e levei quase 2 anos para escrever em linha reta, já viram alguém escrever assim? Passei por muitas dificuldades, mas venci.
Hoje sou formada em Química Tecnológica com especialização em Petroquímica e Pós Doutorado em Espectrofotometria de Absorção Atômica. Trabalho como Responsável Técnica em uma grande empresa e a cada dia tenho mais certeza de que nunca devemos desistir dos nossos sonhos.
Meus pais nunca deixaram que eu estudasse em escolas especiais mesmo quando todos os outros professores ao contrário deles, diziam que eu jamais seria capaz de aprender e escrever como as outras crianças e queriam a todo custo que fosse para uma escola especial (eu nunca entrei numa) por isso, nunca me senti excluída de nada. Acho que isso ajudou muito no meu desenvolvimento e fez com que eu ficasse mais forte e confiante em mim mesma.
Meu pai me ensinou a cada tombo que eu levava para conseguir andar a levantar e prosseguir sempre em frente, cada vez mais forte. Acho que os pais devem sempre estimular, mesmo que seja muito difícil e não trancar seus filhos dentro de casa, como vejo muitos pais fazerem. Amem seus filhos mas deixem que eles escolham seus próprios caminhos. Espero ter ajudado de alguma maneira.
Beijos. Lúcia Helena.
Lúcia, tenho muito orgulho e fico muito honrado em ter vc como leitora, apoiadora e colaboradora! Um beijão
Muito obrigada Jairo, mas é sempre um prazer enorme ler suas matérias sempre esclarecedoras e que nos motivam a continuar lutando.
Obrigada pelo carinho de sempre, beijinhos.
Nossa Jairo como me vi neste post tenho PC e posso dizer que hj 24 anos depois sou agradecida por essa falta de oxigênio no meu cérebro na hora do meu nascimento pela vida diferente que que tive pelos amigos que fiz graças por ser PC
por estar muito tempo parada me fez ver coisas que pouca gente vê
por ter quase morrido em um pós operatório de um cirurgia em razão de uma pneumonia e não ter mais medo da morte mas acima de tudo ter vontade de viver e seguir pq ser PC me fez caminhar mais devagar e com um par de muletas mas nunca deixar de seguir.
Corajoso seu depoimento, Cláudia!! Beijos
Jairo,
Os PCs precisam ser melhor conhecidos. Boa ideia a sua de divulgar algo sobre eles. Tenho colegas doutores, com Paralisia Celebral que são, em termos de contribuição para a ciência com suas pesquisas e trabalhos exatamente iguais aos demais PHDs e até melhores que muitos que estão por aí. Parabéns ao Daniel pela iniciativa.
José, o povo PC está sempre no blog e tenho vários leitores nessa condição, inclusive doutores! Grande abraço
Qualquer deficiente poderia prever que a vida deveria ser um pouquinho mais fácil. O meio em que se vive também contribui, ou seja, o país em que o mal acabado habita. (culturalmente falando)
Todo deficiente brasileiro está “fodido ius solis” (como diria o Direito).
Não vamos explicar quem são as prioridades.
O interessante do Daniel eh que ele não tem revolta por ser deficiente e; eu participo dessa filosofia de vida.
Eu gostaria de passar um dia sem ter deficiência: seria canalha, seria corrupto, seria cafajeste, seria ator pornográfico hetero, seria bonito, teria vaidade com permissão, seria um sacana completo, seria estelionatário, seria mentiroso, seria covarde, usaria perfume, teria namorada honesta, seria alcoolatra, fumaria maconha, ouviria sertanejo universitário etc…
SE ISSO NÃO NOS FOI PERMITIDO – EH POR QUE SOMOS MUITO BONS SENDO DEFICIENTES.
Uau!!!!
É isso aí!!!