Cadeira de rodas não é prisão
Elenque, rapidamente, umas dez palavras que remetam o seu pensamento a uma cadeira de rodas. Dor, revolta, doença, pena, tragédia, quebradura, fragilidade, dificuldade, exclusão e prisão são fortes candidatas a serem lembradas, imagino eu.
Realmente, caso a sua referência seja aquilo que os bombeiros trazem esbaforidos para o departamento ao serem acionados porque a mocinha do financeiro teve um “quentão” —como se diz lá na minha terra quando alguém tem um mal súbito—, os termos fazem algum sentido.
Existem também aquelas cadeiras medonhas que aparecem na TV conduzindo velhos mal-humorados em casas de repouso e aquelas coisas entregues aos pobres às vésperas de eleição por políticos bonzinhos que o diabo gosta.
Mas, para um montão de gente, cadeira de rodas passa longe de ser esse objeto tão cheio de estigmas e com aspecto de peça do museu dos horrores. Passa longe de ser um poço de amarguras e de sensações depressivas. Passa longe de ser apenas uma forma de acondicionar gente para levar daqui para acolá.
O veículo usado por cadeirantes, que incorporam até sua condição ao objeto, faz a diferença para a continuidade da vida e conduz o povo quebrado para a construção de realizações quaisquer que se permita sonhar (com um mãozinha de inclusão, acessibilidade, sensibilidade, é claro).
A cadeira promove a liberdade, a independência, a autonomia e só aprisiona aqueles que mais valorizam aquilo que perderam do que acreditam naquilo que lhes restou.
A associação entre clausura e deficiência, tão disseminada pela mídia, é obtusa, é devastadora para a valorização do ser humano em sua integralidade, e não apenas em sua capacidade de dançar o “Tchan”.
Por mais que parafernálias diversas estejam sendo testadas mundo afora, uma cadeira bacaninha, que respeite a anatomia dos corpos, que seja leve, confortável, bonitona e prática pode colocar o brasileiro no centro da pista de dança, na sala de diretor, no topo da montanha, no altar e na maternidade.
Muita gente acha que a vontade máxima de um cadeirante é ser picado por uma abelha e, num pirlimpimpim, ficar em pé, dar uns passinhos e gravar um vídeo para botar nas redes sociais fazendo inveja para os amigos não contemplados.
Embora isso seja factível, deficientes querem, racionalmente, é ter qualidade de vida com a condição que possuem, com todas suas “tortices”, o que passa por um apoio de locomoção digno, funcional e viável economicamente.
No Brasil, os melhores aparelhos que garantem o ir e vir básico de milhares de pessoas são produzidos no exterior, custando valores que, como diria minha tia Filinha, “difinitivamente” são escorchantes.
Modelos manuais valem até R$ 20 mil, os motorizados podem ser mais caros que meia dúzia de Variants amarelas, valendo até R$ 40 mil.
Não tenho orgulho de andar em uma cadeira de rodas, mas não me envergonho de precisar dela nem me apequeno por isso. A minha liberdade e a de milhares de outras pessoas com deficiência no país não passa pelo objeto que usamos para nos deslocar, mas pelas condições reais que a sociedade nos oferta para voar.
jairo.marques@grupofolha.com.br
Olá, Jairo
Faz pouco tempo descobri sua coluna na FolhaSP. Do que já pude ler, não encontrei nenhum texto seu que aborde a questão da inclusão na Convenção da ONU (2006; Brasil, 2008),da chamada deficiência psicossocial no rol das demais deficiências (físicas, intelectual, múltiplas).Envio, então, esta proposta de pauta que pode ser trabalhada por vários viéses. Que tal?
Abraço,
Teresa
Teresa, sobre a convenção, já falei algumas vezes, sim, mas “deficiência psicossocial”, nunca tratei… vou procurar saber mais! Beijocas e obrigado pela dica
Jairo,
Beleza!
Há muitas questões interessantes na área da deficiência psicossocial que precisam ser tratadas de forma mais ampla.
Até breve,
Teresa
O que seria dos paraplégicos e outros que precisam se locomover, sem a cadeira de rodas? Aí sim, eles seriam presos, sem liberdade. Concordo que há buracos, lugares inacessíveis, mas estes, ou a maioria é inacessível até para andantes! A vez que fui fazer a cirurgia do ombro, a maioria dos pacientes era vítima dos buracos e irregularidades das calçadas. E eu tenho medo de andar na rua por causa dessas irregularidades e buracos nas calçadas. Bom texto Jairo. bjs.
Obrigado, querida Su!
Boa Jairo! Eu sempre digo isso, o que seria de nós sem um cadeira adequada? O que nos aprisiona, é a falta de acessibilidade, os buracos, os degraus, os batentes que mal cabem uma pessoa magra e em pé! A cadeira, é uma forma de nos fazer andar, quem sabe voar! Beijokas 😉
Beijos, Tabs.. bom te ler!
Sempre na veia, no saco! Boa, dom Jairo Marques, futuro bispo de Três Lagoas!
Cê acha que eu levo jeito?!
Grande Jairo, sempre detonando tudo!
Cara, sempre digo isso, a cadeira não é prisão, ao contrario, ela significa a nossa liberdade, em todos os sentidos.
E em relação aos preços abusivos, sem falar na qualidade das cadeiras né, infelizmente a indústria nacional ainda deixa muito a desejar em relação as importadas, sem falar que ser nacional não significa que sejam baratas, mais em conta, não são. Nessa parte, como em várias outras, falta incentivo do governo, em pesquisas e em financiamento de novos projetos, além de ajuda a indústria nacional.
Enquanto isso, vamos lá né, cada um na sua cadeirinha, tocando a vida e acima de tudo sendo FELIZ!
Grande abraço!
As cadeiras nacionais estão evoluindo, aos poucos, mas a gente precisa de velocidade.. a vida não espera, né?! Abrasss
Parabéns Jairo. Verdades, verdades .
Obrigado e um abraço, Nilson!
Eu queria pegar esse texto e esfregar na cara de vários amigos do Marcos e tb da família dele. Mas como sou uma LADY, vou só compartilhar, torcendo pra que alguns deles leiam. 🙂
kkkkkk… mas é necessario que vc coloque seus adendos, sempre deliciosos!
Po, Jairo! Demorou! assim somos nós! Abraço!
Tamujunto!
Querido Jairo.
Sempre tão arguto!
Costumo dizer que eu devo ser carregada, conduzida, transportada pela minha cadeira de rodas e não eu carregá-la. A deficiência, desta forma, se torna um fardo muito pesado. A cadeira de rodas tem que ser o meio e não o fim. Bem, como tudo na vida, é uma questão de atitude. Grande beijo. Nágela
Quanto teeeeempo!!!! Que bom que vc apareceu, querida!
Caro Jairo,
Dia 19 citei um texto e vi que você me pediu o link.
Só agora estou podendo responder e aí vai o link do texto em espanhol
http://publications.iadb.org/handle/11319/272?scope=123456789/1&thumbnail=false&order=desc&rpp=5&sort_by=score&page=0&query=Facilitando+o+transporte&group_by=none&etal=0
O texto tem português parece que não está disponível completo, só a primeira parte no google.
Abraços
Obrigado, José!
Você COM MUITA FREQUÊNCIA, me emociona! Não só porque sabe escrever porque isto se espera basicamente de um jornalista, mas porque você sabe conduzir seu raciocínio para uma clareza que poucos estão habilitados! Parabéns também por isto!! Você é sensacional, rapaz!
Ahhhh, Ana!!! ♥
meu querido Jairão…matou a pau mais uma vez!
“A cadeira promove a liberdade, a independência, a autonomia e só aprisiona aqueles que mais valorizam aquilo que perderam do que acreditam naquilo que lhes restou.”
Grande abraço!!
Abrassss
estou começando a gostar dos seus textos, este foi muito bom !!!!
Opa, que bom!
É só não falar em ‘quebrado’ ou ‘malacabado’ que a francisca curte.
O ultimo parágrafo, talvez seja a única coisa que nos diferencia. Eu sinto orgulho do meu implante. Porque ele foi uma escolha minha. Eu poderia não usar e me restringir a minha limitação biologica. Ou escolher usá-lo e ver o mundo inteiro se abrir diante dos meus ouvidos. Orgulho porque é uma escolha, a minha escolha. Escolha esta que fiz para mudar a minha vida e, sem querer, mudou outras vidas também, graças aos meus relatos apaixonados.
Mas, entendo perfeitamente a sua ausência de orgulho. Talvez o meu seja um pouco de exagero. Afinal, como escreveu bem Milan Kundera em “A Insustentável Leveza do Ser” (meu livro favorito e, ironicamente, uma palavra muito usada para descrever meu livro: leveza): “O que não resulta de uma escolha não é motivo de orgulho nem de lamento. ”
Simples assim.
Adorei o texto!!
Lak, eu poderia ter feito um parágrafo sobre as outras “cadeiras de rodas”, né?! Vc, agora, foi perfeita na comparação… beijos!!