Gratuidades perigosas
O Congresso está preparando mais uma “bondade” a ser oferecida às pessoas com deficiência no país: tornar os pedágios (sejam de estradas sejam de cidades) gratuitos para esse público.
O benefício, caso aprovado, será dado a deficientes condutores. Beleza, não tenho nenhum dado estatístico, mas afirmo sem titubear que a maior parte das pessoas com deficiência não são condutoras, são passageiras, caroneiras, pacientes de ambulâncias…
Ter um carro, saber dirigir com autonomia ainda é para poucos aqui no Brasil. As pessoas mal conseguem o direito à reabilitação para dirigir a própria cadeira de rodas, a bengala, as muletas ou mesmo adquirir uma boa prótese logo, ter um veículo é praticamente um luxo, então.
A justificativa apresentada no projeto é a “integração nacional” e o direto do “malacabado” buscar suas reabilitações/tratamento onde bem entender.
A cobrança da tarifa prejudicaria ainda mais o “ir e vir”, a “mobilidade” desse povo, o que me parece fazer sentido, bem colocado.
Caso algum dia se estabeleça pedágios urbanos em São Paulo, para adentrar ao centro, por exemplo, eu e “meia dúzia” de quebrados estamos na roça sem enxada, pois a cidade tem transporte público internado na UTI e calçadas de darem vergonha (o mesmo acontece em boa parte do Brasil).
Então, impossibilitados de ao menos sair de casa como todas as outras pessoas, precisamos de instrumentos outros para sermos minimamente cidadãos.
Esse é um pouco do espírito das leis que isentam de impostos (não é ‘dar desconto’) os carros até R$ 70 mil, o direito a abatimento em passagens aéreas para acompanhantes, a gratuidade para o uso de veículos de condução de massa.
Bem, mas voltando ao “benefício” do momento, a conta desse justo desconto, segundo os parlamentares, pode ficar bem amarga para ser paga, o que inviabilizaria economicamente o projeto.
A saída, então, seria eleger os “estropiados” que fossem, além de abatidos pela guerra tivessem o bolso furado. Isso ainda não está definido.
O universo de ungidos, agora, seria formado por deficientes capazes de dirigir e que fossem pobres. Fico imaginando, então, que só eu passaria na faixa pelas cancelas (dirijo uma Kombi veia, afinal de contas! kkkkkkkkkkkkkkkkkk).
Não posso escrever simplesmente que sou contra às gratuidades, que tem um preço altíssimo a ser pago em seu esgoto (propaganda de políticos, atraso de direitos outros, ampliação do assistencialismo, oportunistas que se tornam paladinos da Justiça entre outros), mas não tenho dúvidas que, a médio prazo, esses “benefícios” são perigosos.
Estamos longe, muito longe de dominar o mundo para que ele seja mais plural, mais inclusivo, mais acessível, mas o foco que não pode ser perdido de vista é a construção dessa ideia.
Todas as vezes que as migalhas são jogadas aos “fracos”, mais distante se fica da igualdade de condições de fato. O passe livre nos aprisiona mais na falta de condições ideias de um transporte que conduz a todos, o pedágio de graça para os “deficientes pobres” oculta a necessidade de dar condições de trabalho e renumeração justa a essas pessoas.
Entendo que há uma demanda imediata a ser resolvida e que o curativo que se apresenta se faz necessário, mas apoiar uma “causa” nisso é claramente uma derrota de busca de igualdade.
Talvez, haverá diferenças que, de fato, irão precisar de aparato social para levaram suas vidas, o que vejo como absolutamente legítimo e humano, mas reluto em entender isso como uma regra.
De maneira geral, penso que são raros os casos em que não será possível a construção de um cidadão pleno: que trabalha, que interage socialmente, que constitui família, que exerce direitos e cumpre deveres.
Enquanto ter uma deficiência física, sensorial ou intelectual for fator de motivação para a criação de benefícios exclusivos amparados na carência de condições inclusivas de verdade (e sem metas claras para que elas sejam criadas), mais a sociedade se distancia de entender o que de fato se busca nessa labuta.
Para ler a íntegra do projeto de lei, basta clicar no bozo:
* Imagem do google imagens
Jairo, você como parte integrante das 13 milhões de pessoas com deficiência motora do país (Censo 2010,IBGE) analisou a situação sob o ponto de vista da sensatez.
O DETRAN (máquina de fazer dinheiro) não pensa em reabilitação em nenhum momento…meu esposo foi reprovado porque não conseguia agachar!!! Desde 2006 aguarda pra fazer o teste com o “simulador”, estamos em 2014, e claro, ele perdeu todos os movimentos do corpo aguardando.
As calçadas das cidades são as situações mais perigosas, de que adianta você ficar dentro do carro e não poder sair dele???
Existem demandas mais urgentes do que isso que poderia ajudar muito mais os 13 milhões de deficientes físicos do nosso país, quem sabe 90% dos cadeirantes nunca tenham tido nenhuma orientação de terapeuta ocupacional antes de comprar sua cadeira e ficam a vida inteira prejudicando sua saúde em precárias cadeiras de rodas que a cada dia os atrofia mais.
Os preços exorbitantes dos equipamentos para pessoas com deficiência física!! Não temos a quem reclamar, pois o mercado é “livre”!!!
Mas é complicado entender como uma cadeira de rodas no Brasil pode custar o preço de um carro popular!
O Ministério da Saúde nem tem um cadastro dos deficientes do Brasil para servir de base para estruturar políticas públicas.
Obter o benefício de passagem aérea é uma guerra!!
Num país onde o carro oficial do Ministro da Saúde para na vaga de deficiente, a política pública retrata bem a realidade.
Parabéns Jairo!! Bjos
Belíssima aula de cidadania, Sandra!!! Beijosss
Excelente matéria Jairo! É revoltante ter migalhas enquanto o que queremos e precisamos é apenas de igualdade em todos os sentidos. A acessibilidade completa que atenda a todos, entendemos que nunca será perfeito, mas para chegar ao mínimo necessário ainda está muito distante, muito mesmo! Parabéns mais uma vez!
Quanto teeeeempo! 😉
só comente sobre deficiência o dia em que adquirir uma ..aí sim vai saber o que é deficiência num país sem leis e sem respeito…
oi?!?!
Menina do céu, quanta asneira.
Na minha humilde opinião, é só mais uma esmola pra tentar tapar o sol com a peneira e deixar de investir no que realmente necessitamos.
Lúcia, acho que tinha de ser um benefício datado: vai existir até….. ligar isso a até outro ponto… um abraço
Caro Jairo, o seu texto é perfeito! De qualquer forma o assistencialismo prestado pelo governo está impregnado por uma cultura onde o exercício da cidadania não é visto como uma via de mão dupla que comporta direitos e deveres. Vamos garantir direitos e mais direitos. O problema é que ninguém pensa nos deveres.
Fraternal abraço!
Um abraço, Robert
Na contra mão: e assim de grão em grão essa “galinha” não enche o papo.
Ela fica sempre com fome, né, Ronaldo?! Abrass
Eu, particularmente não aprecio esse tipo de iniciativa assistencialista. Porém fico revoltada ao ler que esta isenção pode provocar um “rombo” tal qual a aposentadoria especial de pessoas com deficiência. As mordomias e regalias sem fim dos nossos parlamentares é que provocam esse “rombo”. Mas voltando ao tema, sou contra gratuidades desse tipo. É como não pagar o ingresso do cinema desde que você sente na primeira fila e fiquei com um senhor torcicolo. Se é para nos beneficiar por conta da nossa condição peço isenção do Imposto de Renda. Afinal tudo o que pagamos não tem o retorno esperado. Pago plano de saude, paguei faculdade e vivo com medo de ser assaltada.
Betinha, vc foi na veia exata!!!!
Prezado Jairo, leio constantemente sua coluna e em geral concordo contigo. Desta vez tenho que além de concordar, reforçar com informações. O BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento tem uma publicação “Facilitando o Transporte Para Todos” feita em português mas que no Brasil só viram os que foram buscar algum financiamento lá e mesmo assim não ligaram. Se puder , dê uma olhada no sitio http://www.iadb.org.
Abraços
José, vc tem o link específico para o relatório? Deixou todos curiosos! ahhahah… abraço
Cara, vc é dez. É muito bom seus artigos. Aprendo muito contigo. Um grande abraço. |Concordo desta vez com td dito, absolutamente claro. |Forte abraço
Obrigado, Luiz! O que vc faz ai no Cnen, heim?! (jornalista é muito curioso ahahhahah) abraço
“Minino bão”… ahhh se todos no mundo fossem iguais a você , que maravilha seria viver. Então, até hoje ainda não entenderam que assistencialismo só deprimi e anula o sujeito. Queremos mais e muito mais .. Queremos ser enxergados e não olhado como os coitadinho da sociedade. Queremos mais é pagar nossas dívidas com o dinheiro do nosso trabalho, queremos poder ir e vir sem ficar sentindo humilhados e excluídos e com medo de machucar nas ruas mal conservadas. Não queremos assistencialismo!
Beijos minino bão saudades mineiras .
Então, Ritinha, esse processo de renovação de imagem é looongo… difícil e desafiador… Então, é importante ter em mente o discurso que vc tão bem descreveu em seu comentário! Beijos
A principio realmente parece ser algo bom, mas quando avaliamos fica claro que é só mais uma lei que virá para não funcionar. Estou a mais de um ano tentando minha habilitação, na minha região não tem auto escolas com veículos adaptados e preciso viajar mais de 2 horas para fazer as aulas em um carro fornecido pelo DETRAN/RJ. Esse carro vive quebrando… Cada vez que vou pago o pedágio e com a lei em vigo continuaria pagando, já que não posso conduzir um veículo sem ser habilitada… Vivemos sempre o inverso das coisas!
Ótimo artigo Jairo!
Liliane, vc tocou num ponto importante: várias cidades brasileiras não dispõem de autoescolas habilitadas e que tenham um carro adaptado (o que hoje em dia é bem simples de ter). O resultado é fazer essa peleja que vc narrou… Agora, me diga: cadê a lei que muda essa situação e obriga uma condição de igualdade para tirar a habilitação que tanto irá impactar na sua vida? Essa visão é bem mais complicada de ser aberta do que, simplesmente, falar que algo é graça…
Vai ter a farra dos gratuitidades dos deficientes no Brasil, ai pode criar a falsa impressão que os deficientes se aproveitam das condições para obter as gratuitidades, e acabam onerando os cidadãos que pagam os impostos, pedágios e outras coisas coisas o Brasil mandam demais a gente obedecer. Por isso, o país vai virar a cultura dos gratuitidades para todas as pessoas.
A “gratuidade perigosa“ de imediato não se vê algo que seria perigoso, e sim inclusivo mas essa inclusão não é real, como você mesmo Jairo refere: a maioria dos quebradinhos não dirigem e sim vão de carona. Eu por exemplo vou de carona de foz do Iguaçu –PR até Ibiraci –MG só para ir vai uns R$100,00 e ainda tem a volta, mas pela sua reportagem nem de perto seria contemplado a esse beneficio pois não sou o condutor.
Ainda a de se pensar que se não é o condutor a limitação é maior e que deveria realmente possuir algumas regalias, mas a regalia que recebemos são calçadas com buracos, não tem rebaixamento das calçadas, pequena quantidade de faixa de pedestre, preço alto de cadeira de rodas e qualidade ruim…entre varias outras coisas.
O beneficio poderia ser a principio bom, mas precisa equilibra a balanças de baixo para cima, dando as condições mínimas e ir subindo a “rampa“ com as quais necessitamos, trabalho digno com salário compatível, ausência de barreiras arquitetônicas…e assim vai.
Aprova isso, e vamos discutir temáticas de maior peso e que abarca amplamente os quebradinhos e não pequena parcela.
Rogério, excelente comentário. Acredito que a lei irá ser revista no ponto do “condutor”, pois não faz nenhum sentido prático… um abraço
Nesse país tudo se faz na contra-mão..deveriam gastar suas energias fazendo leis para igualar condições…não esse tipo de ” lei/remendo”
É isso… é um remendo.
Amo seus textos e a sua clareza de ideias!
♥
Como sempre você analisa o fato por vários lados…por isso gosto de te ler sempre. Os políticos ainda acham que deficiência é sinônimo de incapacidade…se os coitadinhos são inválidos para trabalhar a gente preciasa atirar uma moedinhas nesse chapéu ou nessa latinha de recolher esmolas. Precisamos mostrar que o assunto ultrapassa de longe a mentalidade de obra caritativa. Abraços
Sô, encarar a situação sem mimimi é necessário para avanços. Doi em mim saber que o benefício é realmente muito necessário para parte importante das pessoas e eu estou levantando um aspecto crítico, mas, para evoluir, é necessário aprofundar… beijos
Sou seu admirador!
Tamujunto!