A sociedade da intolerância

Folha

Na semana passada, duas deputadas federais que são cadeirantes, Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Rosinha da Adefal (PTdoB-AL), receberam uma vaia retumbante ao conseguirem, após uma hora de atraso, embarcar em um avião em Brasília.

Os passageiros estavam possessos com aquela demora que ocasionaria transtornos diversos em suas vidas. Tudo por causa de duas políticas que, provavelmente, estavam tendo algum tipo de regalia como poderiam pensar alguns, os que puxaram a reprovação coletiva.

Não era nada disso. As duas, como qualquer pessoa com deficiência deste país, passaram maus bocados para que a empresa aérea e a Infraero conseguissem o equipamento que garante o embarque —com alguma dignidade, e não como um saco de batatas— para quem usa cadeira de rodas ou tem movimentos restritos.

Também na semana passada, um adolescente negro e “bandidinho” foi amarrado a um poste com um cadeado fixado a sua goela para mostrar como se faz com quem é infrator e um homem foi ridicularizado nas redes sociais porque estava no aeroporto de camiseta regata e bermuda, afinal, o calor está de matar.

Adicione a esses “fatos isolados” as surras que gays têm tomado diuturnamente nas grandes cidades, os ataques como quais os de enxame de abelhas em pessoas que externam pontos de vista avessos ao padrão dito comum e as ameaças a grupos de piadistas.

Velozmente, atitudes pouco pensadas e questionadas, com consequências nada imaginadas e medidas, estão sendo postas em curso, doa a quem doer. O que importa é colocar para fora insatisfações ligeiras ou que incomodem ao ponto de gerar um beicinho, uma sensação de mal-estar.

Tolerância com as diferenças e com a diversidade é valor em franco declínio. O pato a pagar com essa falta de maturidade social, que não analisa, apenas age, tende a cair no colo de quem não se alinha ao óbvio.

Sendo o óbvio os atrevidos, os que compõem minorias, os que não jogam no meu time, os que não comem no meu restaurante e os que “eu” considero incomuns diante do que “eu” acredito ser bacana.

O incômodo com o outro é do homem desde as cavernas, mas sacar as bordunas e empunhá-las na fuça alheia a troco de querer garantir o que unilateralmente se considera Justiça ou se considera ideal é prerrogativa de tempos históricos que não deixaram saudade.

Lá em casa, Cláudia e Marcos ficaram grávidos de gêmeos e estavam ansiosos para que seus pequenos trouxessem ainda mais confusão à família, que foi agregando gente de todos os tipos: japonês, mineiro, italiano, gordo, magro, “mal-acabados” e muitos cachorros.

Pois não é que Luiza nasceu branquinha, como a mãe, e Bernardo fincou os pés na África e tem a cara do pai, que é negão? Motivo de orgulho, de festa e de reflexão sobre como é bom ter próximo um carnaval de diferenças para tentar entender mais a multiplicidade de verdades em torno das pessoas.

Sair do quadrado daquilo que se acha correto, normal e dentro dos padrões expondo-se a vestir uma roupa do avesso pode ajudar a diminuir o protagonismo da intolerância e ampliar o direito do outro de ser o que quiser e de ser mais bem compreendido em suas demandas.

Comentários

  1. Discordo. Em geral as pessoas são bem tolerantes e até solidárias. A questão é que aqui as coisas não funcionam e o tempo todo vc se depara com dificuldades que poderiam ser evitadas. Pouca gente reclama seus direitos e muita gente aceita ser mal tratado. Na verdade acho que há um misto de acomodação e vergonha. Vão tolerando e um dia explodem por qualquer coisa. As frustrações são descarregadas sobre algo que não tem nada a ver com a real insatisfação. Há uma tensão no ar.

  2. Véio, é chato constatar que a humanidade parece estar andando para trás. Pelo menos pelas bandas de cá, venho notando uma diminuição incômoda nos padrões de gentileza e hospitalidade que sempre caracterizaram o povo goiano e foram um dos grandes motivos que me levaram a fincar raízes por aqui. Essa perda de qualidade nas relações sociais acaba descambando para a violência, a indiferença, o individualismo e, claro, a intolerância. Estou estranhando que até agora não apareceu nenhum paladino reclamando do uso do termo negão no texto.

    1. Eu tambem achei estranho o “jornalista” não usar suas piadinhas e termos padrão. Chamando a Deputada de Malacabada…

  3. Tenho medo do que problemas como a violência despertam nas pessoas, podem dizer qualquer besteira absurda se na mesma frase tiver algo contra os “marginais”. É como o Bolsonaro falando que nem gays nem negros o iriam atrapalhar a fazer uma comissão de direitos humanos “para humanos direitos”. Ótimo texto.

  4. Olá Jairo, INTOLERÂNCIA E EGOCENTRISMO…Eta mistura complicada.
    Atacam as Deputadas e não a incompetência da Infraero ou da Empresa aérea.
    Vejo nos últimos dias a frase ” INFELIZMENTE ELE ERROU E MATOU UM TRABALHADOR”. Estou louco ou o policial para quem o morteiro estava endereçado também é um trabalhador?
    Posso está errado mais acho que nos casos existem intolerância, egocentrismo e ranço!
    As pessoas já não refletem, não observam o mundo a sua volta. Tudo que importa (SOU EU) todos agem como se fossem LUIZ XIV. Acho que aquele tal de Hitler encontraria um mundo bem fácil para ele controlar atualmente…
    ABRAÇO!

  5. Yvone Bezerra de Mello fez um comentário parecido com o seu em relação ao garoto que foi amarrado no poste. Ela falou que via o caso como “consequência de algo maior, do descrédito nas instituições e do ódio de uma sociedade intolerante” Só o que faltava. Agora estão cobrando também tolerância com os bandidos. Como se não houvesse tolerância até demais. Daqui a pouco, seguindo o exemplo de outros paladinos da tolerância, vão querer também criminalizar a bandidofobia. Vão querer cotas prá bandidos…

  6. Prezado Jairo,
    Obrigada pela solidariedade.
    Juntei diversos documentos e entre eles este seu artigo, com os quais estou representando o caso perante o Ministério Público Federal.
    Um forte abraço e parabéns pelo texto.

  7. Errado, vivemos numa sociedade de tolerância idiota q protege bandidos, é claro q as pessoas ficam irritadas com 1 hora de atraso do avião, as pessoas tem compromissos, as pessoas nem sabiam q o atraso era por causa das deputadas deficientes. . nada a ver com tolerância, pura tolice;
    Mas, as atrasadas estão erradas, elas tinham obrigação de chegar no horário, as pessoas ñ tem obrigação de ficar esperando-as só pq elas são deficientes, isso é a ideologia do politicamente correto idiota.
    Elas nã sabiam q precisavam dos equip. ?

    1. Arnaldo, elas sempre souberam que precisariam do equipamento. Ao que indicam os fatos, a Infraero, as companhias aéreas e a ANAC é que historicamente não sabem. Você também não sabia, então fique sabendo para ser menos agressivo da próxima vez.

  8. Grande Jairo, um abraço. Intolerância – eis a questão! E quanta intolerância há na nossa sociedade. Paciência e compreensão estão cada vez mais se transformando em artigo de luxo. A intolerância está de mãos dadas com a ignorância e ambas ocasionam esse estado de coisas. Raiz disso? Nosso perverso sistema educacional. Sarava, meu amigo.

  9. Maravilha de texto. Replicado em minhas redes e nas da minha chefa, Deputada Rosinha da Adefal, que hoje fez pronunciamento na Câmara trazendo a reflexão que o parlamento não deve dar por cumprida sua missão ao ver publicadas as leis; mas ir além e vigiar pelo seu cumprimento.
    O que dizer das leis de acessibilidade…
    Abraços.

    Rita

  10. Como sempre um texto bem escrito e que nos leva a sérias reflexões.

    Conheço o aeroporto de Brasília, tenho um amigo que já foi “içado” para o avião naquelas sacolas que levam alimentos e retiram o lixo, um verdadeiro absurdo, considerando que se trata da capital do país e por onde circulam diariamente inúmeros políticos e defensores das causas das minorias.

    A falta de respeito e a intolerância tem gerado muita violência em todos os níveis. Acho que precisamos fazer um estudo sério dos motivos e tentar resolvê-los, antes que o caos tome conta do país, se é que já não estamos nele.

  11. Que absurdo esse episódio das vaias. Já aconteceu de eu ser a última a embarcar e atrasar a decolagem do avião por conta desses problemas de ambulift e olha que o embarque foi em Congonhas. Nâo me vaiaram mas que olharam feio, olharam. Dizem que agora vale as novas regras da ANAC e o que adianta?
    Abaixo a intolerancia!

  12. Jairo…suas reflexões saem da estante “deficiência” e abrangem o comportamento humano em geral…estou realmente assustada com o grau de intolerância que as pessoas manifestam diante das contrariedades. No caso do avião, transferem a culpa do atraso às pessoas com deficiência e não à empresa que não providenciou o equipamento necessário…os lascados que se lasquem, eu que os “meus direitos”…todo mundo fala em direitos e riscam do dicionário a palavra deveres…

    1. É a tal da hipocrisia. Aposto que são esses mesmos que vaiaram, que vem aqui comentar, xingando o Jairo por chamar os ‘malacabados’ de ‘quebrados’, ou defendendo os ‘pobres deficientes’ nas interwebs.

  13. As pessoas, ou, as criaturas estão cada vez mais sem paciência e sem compreensão para os diferentes. Quanto o caso das duas política, conheço-as pessoalmente e elas são muito comprometidas mesmo. FAL-TA ambulits nos aeroportos e nas companhias aéreas. Eis a questão. A Varig tinha um ambulit em Sampa e outro no R.J. Só ela tinha uma infra legal, porque o resto… Quanto ao resto das intorelâncias, eu penso que todos ou quase, estão sem tolerância por várias causas, sendo uma a política que não atende as demandas da população. É simplista a segunda explicação, eu sei, mas acho que dá para explicar algumas coisas. Agora, matar uma pessoa que está fazendo seu trabalho, é MUUUIIIITOOOOO PRA CABEÇA!!!!!! Estou me referindo ao cinegrafista da Band. Estes devem pagar a pena máxima sem direito a nada! Os outros, não sabem lidar com as diferenças e nem querem. Só sabem olhar para o próprio umbigo. Quero ver alguns deles precisarem de um ambulit, por exemplo. Ai eles irão ver o quanto é bom serem vaiados em plweno aeroporto. Bjs.

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