#ForçaLais

Jairo Marques

Penso que a tetraplegia deva ser um dos “azares” humanos mais temidos. Não é para menos, conforme a falta de sorte, o que na linguagem do gueto do povo quebrado se diz ter uma “lesão alta”, o indivíduo poderá acabar em total dependência, inclusive para respirar.

Não é para menos, então, a comoção formada em torno da ginasta Lais Souza, que sofreu um grave acidente enquanto esquiava nos Estados Unidos. O assombroso para mim, neste caso, é a sequência desnorteada de avaliações e informações em torno do caso.

 Em um dia, a atleta “está se recuperando muito bem e vai voltar a falar” (o que me parece comum uma vez que ela não teve comprometimento das cordas vocais), no outro, a situação dela é tão dramática que “a chance de ela conseguir andar novamente é quase zero” (temeroso de cravar com um tempo tão recente do ocorrido) .

 Uma gangorra de sentimentos ora otimistas ora baixo-astral sempre aparece nessas histórias. Desconsidera-se, via de regra, que os organismos são diferentes, recuperam-se de maneiras distintas e que detalhes, nesses casos, fazem toda a diferença. 

Lais, de braços abertos, em uma manobra da ginástica
Lais, de braços abertos, em uma manobra da ginástica

Mas o pano de fundo, que não desconsidero a importância e o impacto que causa nas pessoas, é o pavor que a tetraplegia gera. Ficar tetraplégico, tirando a maquiagem de alguns textos, é “pior do que a morte”.

Ficar tetraplégico é abrir mão de tudo o que dá prazer na vida e chafurdar em uma desgraceira sem fim. Só quem anda faz sucesso, só quem anda e dá tchau consegue ser feliz, só quem anda, dá tchau e consegue dar três pulinhos no mar vai para o céu.

As projeções extremamente sombrias sobre as possibilidades de vida digna após uma lesão medular fazem qualquer “serumano” ter vontade de cometer suicídio em um copo d´água.

Sem falar que elas aderem ao imaginário popular que acaba deturpando tudo sobre a realidade das pessoas com deficiência, o que é a essência de muuuuitas discussões aqui no blog.

Tenho muitos amigos tetraplégicos que assumem tantas empreitadas na vida que só de pensar me dá preguiça. Cada um deles reconstruiu ou construir suas realidades de maneira a realizar sonhos, de vencer desafios, de alcançar objetivos, como qualquer outra pessoa.

Detalhe de uma tatuagem na altura da nuca de Laís. A letra "L" rodeada por três estrelas
Detalhe de uma tatuagem na altura da nuca de Laís. A letra “L” rodeada por três estrelas

A referência de “ser fácil” ou “ser difícil” depende do que se passa na caixola de cada um e não em suas inabilidades físicas ou sensoriais. Isso parece tão evidente, mas não é.

Não tenho a menor ideia do que passará com a bela Lais. Isso vai depender de elementos que ninguém no planeta consegue dominar com exatidão e com propriedade por enquanto.

Torço, como todos que sejam minimamente humanos torcem, para que ela se recupere muito bem e volte a dar sua piruetas e fazer suas peripécias corporais como bem entender. Para isso, #forçaLais.

Laís suspensa, com a força dos braços, em uma barra de ginástica
Laís suspensa, com a força dos braços, em uma barra de ginástica

Porém, caso o conjunto de acontecimentos ocasione mesmo uma consequência física austera, limitante e desafiadora a ela, saiba que um batalhão de pessoas vive muito bem com suas deficiências.

Um batalhão de pessoas se reabilitou, reaprendeu e retomou suas trajetórias, vencendo olhares, vencendo preconceitos, vencendo barreiras terríveis (de atitude e de fato).  

A questão aqui não é “ser bom” ou “ser ruim” ter essa ou ter aquela condição. A questão é a continuidade da vida e as suas possibilidades, que são infindáveis, são bonitas e são amplamente viáveis.

* Fotos de Ze Carlos Barretta/Folhapress

Comentários

  1. Professor, me emociono com seus textos! Obrigada por isso! Adoro cada um que leio e principalmente cada reflexão que tenho. #forçaLais

  2. Jairinho, adorei! Temos que desmistificar essa história de que a deficiência é sinônimo de tragédia pessoal. Os preconceitos e as barreiras (de todos os tipos) é que dificultam a vida das pessoas com deficiência. Trata-se de uma questão social, muito mais do que pessoal. Beijo. #forçalais

  3. Esse caso em particular me comoveu porque já fui ginasta e eu acostumava acompanhar e gostar das competições da Laís. Além disso dois dias antes do acidente eu estava assistindo uma reportagem com ela, e sobre como ela estava feliz com a oportunidade de participar das Olimpíadas de Inverno.
    Realmente eu tinha notado como as notícias sobre ela estão divergentes, ora pessimistas demais, ora otimistas e cheias de promessas. Só desejo que ela se recupere ao máximo e saiba superar os obstáculos que estão por vir.

    1. Dona “dotora”, penso que, muitas vezes, o ruído acontece com a “tradução” das informações médicas. Para vcs, técnicamente, uma lesão tem um olhar, um prognóstico e é preciso agir diante do quadro, não é mesmo? Mas, quando isso passa para o público em geral, gera, fatalmente, a interpretação meio torta… não sei se fui claro nem se e fato.. mas… 😉

  4. Eu também percebi essa gangorra de notícias, ora esperançosas, ora depressivas. Como as pessoas não conhecem a realidade da vida após uma lesão medular, há esse pessimismo extremo, mesmo: “Ah, a vida dela acabou, etc, etc…”
    As pessoas não sabem o quanto se pode reconstruir da vida depois de um trauma desses, e isso é consequência da velha desinformação.
    Bom, independente das notícias estamos todos juntos na torcida para que a recuperação seja a melhor possível. Então, #forçaLaís.

    1. Ronald, eu preciso dizer: é muito emotivo ler isso vindo de vc… um cara que “conheci” dando os primeiros empurrões desastrados em uma cadeira, ainda meio perdido, ainda meio depre… Como jornalista, não posso simplesmente apontar o dedo na cara dos colegas e falar que está tudo errado porque, afinal, é muito desafiador mostrar esse futuro, essas possibilidades, sem que achem que vc está vangloriando a deficiência. De qualquer forma, é com o fortalecimento das pessoas que tiverão lesão medular dentro da sociedade que essa imagem será construída… e esse processo já começou, como vc bem sabe! Abrasssss

  5. Adorei seu texto!!Confesso, que eu, por exemplo, que não passei por isso, tenho dificuldade de entender onde a pessoa arruma forças, coragem, vontade de viver,não tenho vergonha de admitir isso , mas vendo e conhecendo essas pessoas, percebo realmente que essa força vem. Só me incomoda um pouco que apenas as estórias bem sucedidas são colocadas na midia, Tipo Fernando(ex-BBB), Mara Gabrilli, e mais alguns que não me lembro no momento. Mas, existem as pessoas que ficam assim e são extremamente sem condições financeiras para se tratarem, muitas vezes a esposa,marido , precisam trabalhar e não podem cuidar, vivem apenas do LOAS, enfim, acho que pessoas nessas condições tem mais dificuldades com o emocional,ou em superar, ou estou enganada? acho que vc é a pessoa que pode responder com mais propriedade.Beijossssss

    1. Ana, pessoas que não recebem cuidados, sendo tetraplégicas, morrem em decorrência de infecções, do isolamento, da depressão entre outros. Vc tem razão quando fala que a mídia só mostra os exemplos bem sucedidos, até porque, esse retrato das pessoas que não recebem assistência é precário de informações públicas para serem divulgadas. Realmente, sem um mínimo de assistência o “superar” se complica acentuadamente. E, mais uma vez, jogo isso no colo do poder público, que não detém nem uma protocolo básico de encaminhamentos em hospitais para as vítimas de tetraplegia.

      1. Exatamente! o poder público finge que o problema não existe, mas isso com relação a tudo e todas as deficiências,infelizmente. Mas, de qq forma, sou uma pessoa que aprendo com os bons exemplos e me serve de aprendizado ver as sueprações. Beijo grande

  6. Que bom que alguém disse isso… e que bom que foi você!
    Acho que o fato da tetraplegia ainda ser um “tabu” (em vários sentidos) e o desconhecimento sobre o assunto, provoca esse temor nas pessoas.
    Já vi e ouvi tantas coisas nesses anos todos pós lesão, que a única certeza que tenho é que a tetraplegia me fez ser uma pessoa muito melhor.
    O que vai acontecer com ela, ninguém sabe, mas que bom que está viva!

  7. Bom dia Jairo,
    Quando li seu texto, remeto-me a quando sofri o acidente automobilistico, que normalmente a familia desorienta muito mais que o proprio individuo acometido pela situação. No caso da Lais, diga-se de passagem ela esta hoje em um local excelente na área de lesão medular, que podem oferecer o melhor a ela, e a mesma dedicar e se esforçar pra usufruir de lá.
    A questão de ser “tenebroso“ a tetraplegia, inicialmente é sim porque você vai precisar adaptar a uma nova maneira, com seu corpo e consequentemente com questões arquitetônicas. Mas nem por isso esta fadado a morte, mas com esforço e dedicação supera-se as dificuldades.

    abraço

    1. Rogério, excelente vc ter tocado na questão que envolve a “família”. Só depois de publicado eu percebi que faltou mais aprofundamente sobre esse ponto. Grande abraço!

  8. Tenho acompanhado o caso da Lais,é complicado ,ninguém quer ser deficiente ou ter um câncer,por exemplo!!Mas a gente não tem como prever o futuro,as coisas vão acontecendo e vamos superando.Na vida a gente luta pra superar tudo ,seja lá o que for.Não é fácil conviver com as tuas limitações,saber que vai precisar de ajuda para uma série de coisas,causa uma tristeza profunda.Esse é o primeiro impacto,mas depois começa aparecer uma força não sei da onde e te joga pra superar todas as dificuldades ,dia a dia.Depois tu começa a perceber o quanto a vida é boa e as coisas tu pode ainda fazer,pra te sentir feliz.Seus valores mudam ,mas seus sonhos continuam,isso que nos impulsiona a viver mais e mais.Tenho certeza que ela vai conseguir superar tudo isso!bjsss Jairo!

  9. Perfeito!!!!!!! Eu li um tempo atras o livro ” Como eu era antes de vc”, que me fez pensar exatamente como vc! Suas palavras, só pra variar, expressam exatamente o que eu penso!!!!!! Bjus

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