Quando ele vai ficar bom?
Médicos que tratam de pessoas que passaram por situações-limite, como acidentes graves ou piripaques do cérebro, estão sempre às voltas com questionamentos sobre o futuro de seus pacientes.
“Seu doutor, quando ele vai ficar bom?”, “Ele volta a andar em quantos dias?” “Ela vai conseguir patinar novamente, mesmo sem as duas pernas e os dois braços?”
Muitas vezes, o porvir do piloto alemão Michael Schumacher, que teve traumas severos no crânio, do lutador Anderson Silva, que quebrou assustadoramente um osso da perna, e da apresentadora Xuxa, que está com o pé em frangalhos, faz-se mais importante que saber como o organismo deles reagiu hoje.
Tem-se a necessidade urgente de recolocar —ou prever uma recolocação— reis e rainhas de volta a seus tronos sem que o reino se despedace ou que os súditos se incomodem demais e o substituam.
Acontece que pessoas em recuperação depois de enfrentarem situações de extrema proximidade com a morte ou com limites físicos precisam de incentivo para atuar no agora, precisam de fôlego para vencer os desafios que se apresentam hoje.
Querer ficar bom logo é remédio poderoso, mas respeitar o tempo justo do organismo humano para se refazer, para se rearranjar e para renascer é fundamental. Às vezes, a pressão pelo “melhorar” é tão grande que a mente atropela o corpo, que seguirá debilitado, frágil.
Parece absurdo pensar que Schumacher, o homem que dominou por anos as altíssimas velocidades nas pistas da Fórmula 1, vai sucumbir diante de um tombinho besta na neve. Então, toca fazer pressão para saber quando e como ele irá sair do hospital e dançar uma lambada bem ritmada em Mônaco.
Ora, o que importa, de fato, não é ver o piloto alcançando os 330 km/h em uma Ferrari novamente, o que importa é um grande ídolo —ou ente querido— estar vivo e nutrindo, aos poucos, sua energia para seguir adiante.
Para que essa bobagem de pressionar para saber se Anderson Silva irá voltar aos ringues e lavar a honra tropical em sua “décima” revanche e pouco se importar se os ossos e músculos do campeão irão se reapresentar para que ele mime os filhos e saia para passear com o cachorro?
Não raro, pessoas que padeceram um coma ou que lesionaram a medula tornando-se deficientes passam meses em luto porque não poderão ser mais aquilo que os outros esperavam dela.
Ainda se vê com pouquíssima delicadeza a sensibilidade da existência. E há delicadeza inclusive naqueles que são supostamente muito fortes e que saem de naves espaciais ou que dão golpes que derrubam trogloditas.
O fracasso humano não reside no deixar de conseguir fazer tudo igual amanhã. O fracasso é deixar de reinventar-se diante da adversidade, leve o tempo que levar, seja do jeito que for.
Não há mal em querer saber se fulano irá se recuperar em breve de um solavanco, mas a corrente de pensamento tem mais utilidade quando se incentiva a criar condições reais de se levantar novamente ou se ajuda a pensar soluções para enfrentar a realidade que se coloca no momento de dor, de sofrimento e de perdas.
Eu não consegui comentar antes esse texto, mas compartilhei no facebook, com o comentário: “É normal perguntarem “quando você vai deixar de usar aparelho” ou “quando o IC vai ser totalmente interno” ou “Ai, tem parte externa? Que chato” sem considerar que, pra só tem o silêncio, a gente quer ouvir bem, não interessa muito como. Quer ouvir o vento, o mar, a voz da pessoa amada. Quer ouvir risadas, os passaros e o cachorro do vizinho. Quer ouvir música e falar ao telefone. Se o IC tem parte externa, aleluia. Sinal de que ele existe!”
E várias mães vieram contar das coisas que ouvem, onde claramente dá pra ler nas entrelinhas, como isso enche o saco. Não basta achar um recurso que dribla uma limitação física. É preciso camuflar também a condição, porque usar uma prótese, mesmo que ela permita que um surdo ouça muito bem, ainda é um problema…
Nossa, como cansa essa mentalidade de que só existe uma forma de ser feliz, realizado e completo.
Beijinhos
Lak, seu comentário é sensacional!!!!
Jairetz, esse seu texto, com a sensibilidade de sempre (mesmo quando o texto é do tipo sangue nos zóio ou contém ingredientes de humor não abre mão da sensibilidade, ainda que alguns não percebam) denuncia a fragilidade de todos nós. Ninguém é melhor do que ninguém no quesito físico-neurológico, a diferença fica por conta do caráter e outras características abstratas, imateriais ou etéreas. A capacidade de reinvenção, como você costuma dizer com tamanha propriedade, é o que norteia o futuro. Belo texto, acho que este não será submetido à apreciação da OAB.
Que pena….. seria legal divulgar em outros meios
Jairo meu irmão, me tornei leitor dos seus textos, eles são ricos em aprendizado, mesmo os que são tão criticados como o “namorado da miss jaca”. Então, você mandou bem, mas convenhamos, é complicado falar da des-graça alheia, só quando vivenciamos é que podemos ter a noção exata de quem somos de fato e de verdade!
É um texto que ajuda-nos a entender nossa fragilidade diante do caos emocional causado por um inopinado acidente.
Certamente quem ler seu texto, vai entender melhor o ser humano por trás do campeão, pelo menos é o que eu espero.
Infelizmente, nós estamos sempre criando nossos super heróis, mas a vida é feita de gente, não de personagens.
Que Deus o abençoe meu irmão!
abç
Jakson, muito obrigado… belo coments
Nossa que texto tranquilo, sem termos pejorativa e palavras chulas…
Gostaria que vc tivesse o mesmo peito de falar para alguem do “primeiro” escalão que ele corre o risco de ficar lascado, malacabado… Vai mostra ai…
oi? num entendi
Seria o Schumacher? Ou a Laís?
Jairo
Adoro teu estilo direto e a sensibilidade com que aborda os mais variados temas.
Ao deparar-me com o texto “Quando ele vai ficar bom?” Imediatamente lembrei-me de uma aluna que após um grave acidente de moto , ontem, retornou as aulas eu a abracei muito e falei o quão feliz estava por vê-la de volta. E o “luto que ela carrega no olhar” é também :
“… porque não poderão ser mais aquilo que os outros esperavam dela.”
Um abraço
Zulmira
Emocionamente, Zulmira…
muito bom, obrigada!
Gostaria de envia-lo a uma família, esposo e filhos de uma paciente que venho atendendo como psiquiatra e psico..um monte de coisas, há um mês. Tavez pudesse ajuda-los, a família, pois a paciente, percebe e aceita muito bem sua realidade, “seu inverno”, como disse Fernando Pessoa.
Obrigada pela sua percepção, sensibilidade, e capacidade de expressa-las.
Seja sempre bem-vinda!
muito bom!
vou mandar, tem como?, para uma família ( esposo e filhos de uma paciente que acompanho como psiquiatra e psico… mais um monte de coisas…). Pode, talvez, ajuda-los.
Todos os recursos são válidos.
obrigada!
Jairo, seu texto traz uma sensibilidade que me encanta. O trecho que mais gostei foi esse “O fracasso humano não reside no deixar de conseguir fazer tudo igual amanhã. O fracasso é deixar de reinventar-se diante da adversidade, leve o tempo que levar, seja do jeito que for”. Acredito que precisamos conservar em nós essa capacidade de nos reinventar a cada instante. Sempre. E de nos controlar diante do outro para que ele possa se reinventar. Muito bom! Parabéns!
E te digo que, particularmente, tb gostei dessa parte! Bjos
Não só as grandes mudanças por acidentes ou fatalidades, mas também as pequenas, como a velhice, são encaradas com ansiedade por quem anda às voltas com os que estão começando a viver em outras condições. Nós nunca somos os mesmos, a cada dia enfrentamos modificações físicas, mentais e sentimentais. Precisamos dar mais espaço para elas e as aceitarmos nos outros e em nós mesmos. Grata, querido, por permitir que a gente pense.
Grato, eu, por essa contribuição valiosa demais!
Excelente texto, concordo com você quanto as espectativas das pessoas próximas e inevitávelmente acabam sempre desejando o melhor para os acometidos de algum mal. No comments da Sandra Rodrigues se percebe que a capacidade intelectual desse médico foi elogiavel, mas infelizmente existem suas exceções, durante meu período de “escafandro”, muitos questionamentos eram feitos aos médicos e fiquei sabendo depois que um deles disse essa pérola da ignorancia “… agora o mundo dele é outro …….”
Um abraço Jairão e parabéns pelo texto
Carlão, isso rende um texto, heim?! Caraaaaca
Parabéns pelo texto, muito claro ,real e quem já não passou por esta situação.Infelizmente a gente fica atado ao fato de sermos leigos na matéria, estamos literalmente nas mãos dos médicos e rezemos muito para que estejamos em ótimas mãos senão o final será bem pior.
Obrigado, Sandra!
“Ainda se vê com pouquíssima delicadeza a sensibilidade da existência. E há delicadeza inclusive naqueles que são supostamente muito fortes e que saem de naves espaciais ou que dão golpes que derrubam trogloditas”
Frase perfeita!
😉
Esse texto me lembrou quando minha irmã estava internada e minha ansiedade era tanta que fazia essas perguntas aos médicos, até que um me respondeu:A recuperação é lenta,passos de tartaruga, mas a tartaruga mesmo devagar chega onde quer,foi aí que a ficha caiu e pensei..além de chegar onde quer…porque não com qualidade de vida..e devagar estamos conseguindo!
abs caro amigo.
Ótimo médico, heim?!
Não é à toa que elegi a tartaruga como meu símbolo. A maioria sempre quer tudo pra ontem e nem tudo pode ser deste jeito, principalmente quem sofreu um acidente como o Shumacher e o Anderson Silva. Sou pc e tudo o que consegui como melhora foi e é lento. Até a sindome de Menier, que dá tonturas horríveis, tive de esperar 40 anos para melhorar. Antes, todos confundiam com labirintite, mas não era. Agora faço um tratamento com exercícios malucos e está dando certo. Até levantaram a hipótese de uma alta em breve!
Ah, seu texto está muito bom, Jairo e os coments estão bem agradáveis, diferentes do texto anterior. Que que é isso?!?! Fiquei chocada com a animosidade da turma. Bjs.
Acontece, Su… muito bacana seu comentário…. bjo
Muito bom! Concordo com tudo…matou a pau no …”O fracasso humano não reside no deixar de conseguir fazer tudo igual amanhã. O fracasso é deixar de reinventar-se diante da adversidade, leve o tempo que levar, seja do jeito que for.”
tamujunto!
Jairo, que lucidez! Como você é importante.
Magina, Renato… o conjunto de reflexões que fazemos junto é que é!!!
Muito bom o texto! As pessoas (eu incluso) somos muito apegados, e não conseguem se adaptar tão facilmente à novos conceitos. Isso sim é uma fragilidade muito grande do ser humano, essa falta de capacidade de questionar e se motivar diante das adversidades. Talvez seja um reflexo do comodismo que a mídia/pais/sociedade criam, de que você tem apenas poucos caminhos de “sucesso”. A vida é muito mais, mas o que teimamos a enxergar é muito menos…
Corrigindo: as pessoas são muito apegadas. Falta de concordância nos comentário x)
Outro ponto: vivemos muito com a ilusão que nós mesmos aceitamos e propagamos. Isso sim é um tanto triste. Acho que é uma das maiores barreiras para vencermos, e muitas vezes maior até que as barreiras físicas que os acidentes proporcionam.
Pois é, assim como a querida ginasta que se acidentou no dia 27 de janeiro e está imóvel e com respirador. Quando voltar a respirar sozinha já será uma vitória e tanto, só quem passa por isso sabe…
Perfeito