O palanque e os cadeirantes

Jairo Marques

Na semana passada fui a um evento político que lançava, aqui em São Paulo, uma série de medidas com o objetivo de ampliar a inclusão da pessoa com deficiência.

Bacana, são 70 metas das mais variadas, em diversas áreas, que visam fazer a vida dos ‘malacabados’ nessa metrópole um bocadinho menos penosa e um bocadinho mais justa.

Até aí, tudo certo. Levanta-se um palco, lota-se de segurança, afinal político precisa ser bem protegido (do povo), chama-se um punhado de quebrado e manda ver na falação e nas promessas salvadoras.

Escolhi um cantinho e fiquei ali para registrar os fatos. Mas não demorou nada para vir alguém dizer que “tem um lugar melhor para mim”.

Com muita insistência, consegui ficar no lugar que eu gostaria de ficar… e toca o barco.

O palanque ia ficando cheio à medida que se aproximava a hora do evento começar. Tinha prefeito, ministro, secretário, papagaio de pirata, aspone, e “cerimonial”… só não tinha… ‘dificiente’… nenhum.

Olhando as “otoridades” lá de baixo, aí, sim, alguns quebrados. Todos “subs”, “adjuntos”, “conselheiros”, “superintendentes”, mas nenhum que tivesse legitimidade, pelo menos foi esse o meu entendimento, de estar no palco para falar de políticas públicas que seriam para seus IGUAIS!

E no blá-blá-blá dos políticos sempre me chama atenção do grau de conhecimento que eles têm dos “malacabados” e o nível de ligação que fazem entre as vidas de quem tem alguma deficiência e as demandas médicas.

“Vocês merecem mais condições… vocês têm o dereito ao acesso… vocês precisam de melhores condições de reabilitação… A saúde de vocês é importante para nós”.

Sou um cara com os ‘bofes’ sensíveis e minha vontade de ‘gorfar’ nesses momentos é imensa. Por melhor que sejam as intenções, a ausência de pessoas com deficiência protagonizando medidas sobre elas mesmas me indigna e sempre irá indignar.

Já disse aqui no blog e repito: não sou corporativista e defendo que qualquer pessoa, com ou sem deficiência, é capaz e pode desempenhar funções para o grupo. Não é apenas o fato de ser cego ou ser surdo que habilita alguém para atuar com inclusão.

Porém, a questão aqui é representatividade. Não consigo imaginar que em um programa com 70 metas, que envolveu várias áreas não tivesse um infeliz de um chumbado por trás da organização do documento.

A ampliação dos recursos e das ações públicas para os “malacabados” tem de ter estreita relação com a presença dessas pessoas em TUDO, inclusive na hora de partir e comer o bolo.

É preciso, de uma vez, que as ‘otoridades’ compreendam e respeitem uma demanda de protagonistas que os quebrados desejam ter na transformação de suas histórias e isso só irá acontecer se, de fato, houver atenção, houver oportunidades e houver respeito verdadeiro às diversidades…

Pessoas com deficiência querem muito deixar de ser tratadas como um distante “vocês” e passar a receber o tratamento de “nós”….

Comentários

  1. Parabéns pelo texto!!!

    Já cansei de repetir que enquanto nós nos dividirmos por doenças (PC, Surdo, Cego, Tetra, Para, Autistas e Síndromes de todas as espécies. Cada segmento brigando por sua causa, não vamos conseguir nada do governo.

    Temos que estar unidos por uma única causa, independentemente de nossas deficiências. O governo e as autoridades sabem que separados, nunca teremos força e muito menos representatividade.

    Juntos seremos fortes, separados seremos esmagados sempre, está na cara que não passa de montagem eleitoreira e pouco interessada em mudar o que quer que seja.

  2. Ô tamujunto bom você ter ido no Evento e chegar a conclusão que tá na hora de sermos nós e não vocês. Ando meio cabreira com esses chamamentos de 30/ 50 /no seu caso era 70 itens e tudo ficar na mesma. Precisamos de acessibilidade em todos os sentidos; que adianta ter capacitação para o trabalho e não conseguir chegar até a Berrini por omissão de condução não adaptada para cadeirante.
    Qd posso te mandar dois textos para sua apreciação?
    bjs
    Iracema

  3. Oi Jairo! Realmente as “otoridades” fazem um abismo enooorrrmeeee entre eles e os estupiados. Sempre foi assim e, ainda irá ser assim, enquanto a sociedade o for, porque eles também são da sociedade. Enquanto isso, nós estaremos lutando para não sermos “vocês”, mas sim, “nós”, com direitos iguais, com respeito que merecemos e com as participações das coisas que nos dizem respeito. Bjs.

  4. Estou mergulhando “nesse mundo” agora, e tenho percebido que a cultura da exclusão ainda é muito forte. Sou andante e fico indignada com esse tipo de atitude. Compartilho da sua opinião, e acredito que respeito é o mais digno sentimento que um ser humano pode sentir, mas principalmente RECEBER! abs Jairo

  5. Tem toda a razão.
    Vejo deficientes nas secretarias, mas sempre como adjunto, sempre no papel de conselheiro, nunca com o poder de decisão.
    Queria lembrar outra coisa: há um tempão, um desses eventos lindos, que serve para anunciar todas as maravilhas do mundo, anunciou que o SUS distribuiria cadeiras automáticas e monobloco. Daí, meses depois, vejo o mesmo anúncio, mas distribuição que é bom, ninguém sabe, ninguém viu…
    Ou seja, muito blá blá blá e pouca ação. Mas ano que vem é ano eleitoral e vamos ver alguns “presentes” para mostrar que eles se importam muito com a gente e que são ótimos representantes, não é mesmo?
    Só mais uma pergunta: tem acompanhado a questão da PNE, em Brasília? Como nossos “representantes” estão enfrentando a pressão da APAE? Vamos, todos, de novo, perder o que conquistamos por sermos mal representados?
    triste, muito triste.
    Beijo

    1. Dê, ainda não me encontrei com ninguém que tenha a tal ‘cadeira elétrica’ do SUS…. como vc disse, foi anunciada e alardeada…. Sobre o PNE, gostaria muito de ter mais tempo para acompanhar… pelo que vejo, está sendo tudo tratorado por lobbies…

  6. Eta Jairão amado pela sua capacidade de falar e dizer o que a gente pensa…quando num discurso um cara diz “vocês precisam disso ou daquilo” ele já de cara se separa do bloco dos estropiados, isso é discurso caritativo, separatista como se a condição de deficiência marcasse limites intransponíveis entre as pessoas. Esquecem que basta um acidente, um piripaque qualquer para colocar qualquer um no bloco dos estropiados…político que grita no discurso mesmo tendo microfone já demonstra que não entende nada de nada…

  7. Gostei muito do seu texto Jairo! Sou deficiente auditiva de nascença com perda profunda e oralizada. Me formei em jornalismo. Já nos encontramos algumas vezes em alguns eventos públicos. Também penso da mesma forma. Não é a deficiência que faz a pessoa e todos nós, seres humanos, temos limitações. E justamente esse termo “vocês” é que as pessoas criam um abismo enorme entre pessoas com deficiências e as não deficientes. E isso ocorre, principalmente na inclusão do trabalho. A Lei de Cotas vai até “certo ponto”, mas depois que uma pessoa com deficiência entra numa empresa esse “vocês” e “nós” é destacado e separado entre “dois mundos” em tudo, desde salário até a forma de contratação. Tive experiências em algumas empresas multinacionais e fiz entrevistas em outros lugares. Infelizmente, descobri muitas coisas erradas e absurdas. Enfim, muitas coisas a serem feitas e o primeiro passo seria começar a excluir esse abismo e a usar o tratamento de “nós”, valendo para todos. Eu jamais recebi tratamento preferencial e sim, estudei para entrar na faculdade, fiz entrevistas de emprego, etc.
    Parabéns pelo texto!!!
    Um abraço, Cris

  8. O texto todo é de total importância, mas o fechamento é com chave de ouro : Pessoas com deficiência querem muito deixar de ser tratadas como um distante “vocês” e passar a receber o tratamento de “nós”….

    Saudade de você meu grande amigo.

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