O Panamá é o canal!

Jairo Marques

Não é novidade para os meus leitores mais cativos: tô ficando um blogueiro muito ‘véio’…. 😆

Neste cafofo já vi crianças filhas de ‘malacabados’ nascerem, casais se formarem, estudantes se graduarem.

Acompanhei também processos, quase completos, de pessoas que entraram em luto, por terem pulado para o meu time, o time dos quebrados, e, meses depois, terem retomado suas vidas por completo.

Uma dessas pessoas é o sergipano gente finíssima Ronald Andrade Filho, que é publicitário e ficou lascado após um acidente de carro.

Acompanhei o cabra no período meio “revolts”, no período de descobertas, no período de redefinição de caminhos a partir de uma vida “paraplégica”.

“Sérião”, é uma sensação muito louca juntar esses quadradinhos da passagem do tempo. E, mais legal ainda, é concluir que “tudo dá certo no final”… 😎

 Bem, o Ronald, a exemplo do que tem feito muitos “prejudicados das partes”, tem deitado o cabelo por esse mundão. Está viajando, vendo possibilidades e conhecendo outras realidades.

 A bordo de sua cadeira, o garotão relata hoje sua última aventura: foi para o Panamá.

 Ao contrário do que costumo publicar, a viagem do Ronald não é um exemplo de ‘trip maraviwonderful’ em acessibilidade, em  fofices no tratamento às diferenças.

 O cabra teve de encarar umas paradas duras para fazer turismo no Canal (meio fálica essa frase, né? :roll:), mas, como seeeempre digo, sem dar as caras, sem mostrar que a diferença existe, nunca que as coisas mudam!

 O texto tá mega divertido e didático! Boa leitura!

 ♦

Cheguei em Aracaju no começou do mês após uma viagem que fiz ao Panamá. A oportunidade surgiu porque o marido de uma prima está trabalhando lá e ela tem ido visitá-lo periodicamente.

Arrumei as malas e planejei todos os detalhes. Fui com um primo, uma prima e a filha dela.

Lá, alugamos um carro, compramos um chip e ativamos uma linha local no meu celular (US$ 25,00) e partimos pro hotel. Tá aí uma dica que eu daria: ativar uma linha telefônica local. Isso nos permitiu fazer e receber ligações, ter acesso à internet e, o mais importante, usar a rede 3G para navegar pelo GPS do celular.

O hotel em que meu primo está morando, Torres de Alba, tem apartamentos no estilo Flat: sala, cozinha com área de serviço, banheiro e quarto. Era bem espaçoso, mas não adaptado.

Eu já sabia disso com antecedência, mas como as portas eram largas e o banheiro espaçoso não tinha grandes problemas, me viro razoavelmente bem nessas situações. Foi só pedir que o hotel me arrumasse uma cadeira para tomar banho e, para minha surpresa, eles já tinham uma específica!

Logo que saímos do aeroporto percebemos como a Cidade do Panamá é rica. Arranha-céus ocupam a vista, prédios de arquitetura ousada, uma bela estrada (com pedágios a um preço justo) nos conduz do aeroporto de Tocumen até o centro da cidade.

Vista geral da cidade, com prédios beeem altos

A primeira impressão do trânsito foi terrível, é o mais louco que já conheci. E olhe que, antes do meu acidente, morei em São Paulo por quatro anos. Mas com todos os seus milhões de carros e aqueles motoboys malucos, o trânsito da nossa maior cidade parece brincadeira de criança.

A regra é: não existe regra. As ruas são bem sinalizadas, placas bem colocadas, sinais de trânsito em pleno funcionamento… o que não funciona é o bom senso dos motoristas, pedestres etc.

Motoristas fecham cruzamentos, não respeitam a preferencial, pedestres andam pelo meio da rua, atravessam correndo sem aviso… E as buzinas, ah, a buzina é o esporte nacional. Uma sinfonia completa. Para piorar o trânsito, a cidade é um canteiro de obras: pontes, viadutos, avenidas e metrô estão sendo construídos por toda a cidade.

Uma curiosidade: alguns locais da cidade têm nomes, digamos, bastante sui generis, a exemplo o distrito de Boquete e da Via Porras, que, felizmente, ficam bem distantes um do outro. 😯

Mas e a questão da acessibilidade, como é a realidade de quem tem algum tipo de deficiência, como essas coisas são encaradas no Panamá, será melhor que no Brasil?

Não. A minha experiência mostrou que, apesar de termos que melhorar bastante, ainda estamos um pouco à frente, tanto no aspecto da estrutura quanto da consciência social.

Visitei vários lugares, de restaurantes a baladas, de parques ao centro histórico, de shoppings a casas de massagem – hehehe (Do tio: danadiiinho) essa última é brincadeira, mas até que não seria má ideia – e enfrentei vários perrengues com a falta de acessibilidade.

Ronald em frente a uma rampa que tem, praticamente, 90 graus de inclinação… kkkkkkkkkkkk

 

Assim como aqui, nem todos os lugares têm rampas de acesso, muito menos banheiros adaptados, nesses casos sempre rola uma tensão, mas um improviso aqui, um jeitinho ali sempre resolvem o problema.

Uma coisa me chamou bastante atenção. vi pessoas com nenhum tipo de deficiência atuando diretamente na sociedade; seja trabalhando, seja passeando (dando a cara pra bater na inacessibilidade da rua, como eu estava fazendo).

Em minha condição, leia-se cadeira de rodas, raras exceções: alguns nos shoppings da cidade (sempre sendo empurrados em cadeiras pré-históricas), outros pedindo esmolas nos cruzamentos, entre os carros. Realidade que, confesso, me deixou um pouco triste.

Diante dessa realidade, não passei despercebido em lugar nenhum. A presença de um jovem de aparência saudável tocando sozinho a cadeira de rodas, subindo e descendo rampas e pequenos degraus, andando entre as pessoas “normais” parecia causar um estranhamento muito grande.

Aqueles olhares, indiscretos na sua maioria, poderiam causar um desconforto muito grande em alguém que acabou de se acidentar e ainda está pouco à vontade nessa situação estranha; mas no meu caso, há mais de sete anos nessa luta, já não causam nenhum incômodo.

O mais interessante foi a comoção que a minha presença causou na balada. Meu amigo Paulo e eu fomos ao Hard Rock Hotel, em princípio ficamos no mezanino, onde tocava uma banda de rock muito legal.

Lá já percebi alguns olhares de curiosidade, mas nada demais, a única que quebrou o “protocolo” foi uma moça que dançou comigo e nos apresentou suas duas amigas:

“Mi nombre es Ronald, yo no hablo español muy bien, pero lo entiendo. Y podemos hablar en Inglés también”.

Ronald, todo pimpão, com as ‘mina’ pirando na balada

Ficamos lá, conversamos um pouco com elas e depois subimos para baladinha que rola no 62º andar, na cobertura. Uma vista linda da cidade, toda iluminada, boa música, gente bonita… E mais olhares curiosos.

Mas não demorou muito pra alguém vir falar comigo e me fazer mil perguntas:

“Cuál es su nombre? De dónde eres? Qué le parece Panamá?”. E eu lá, me achando a celebridade 😀 Paulo se divertia com tudo aquilo e à medida que o estado etílico ia aumentando, íamos fazendo novos amigos (e amigas) e meu espanhol parecia ficar cada vez mais fluente. Por que será?

No Steinbock, um pub de influência alemã onde bebemos várias… tá bom, vááááááárias cervejas de todo o mundo, os olhares de curiosidade também surgiram, mas um pouco mais discretos.

O danado do Ronal caindo na pinga…

A grande dificuldade de lá foi que o banheiro não era adaptado e todos sabemos como cerveja é uma bebida diurética. A porta que dava para os banheiros era larga e eu chegava numa antessala de mais ou menos 1,5m x 1,5m, à minha direita o banheiro feminino, à frente o masculino, mas as portas eram muito estreitas.

A solução foi deixar Paulo de guarda na porta de entrada enquanto eu fazia o cat (vulgo xixi de canudinho, em que o ‘malacabado’ usa uma sonda) na antessala com a bexiga quase explodindo. Detalhe, ele não foi um segurança muito eficiente e, em determinado momento abandonou seu posto, um cara abriu a porta (eu estava de costas) e saiu constrangido pedindo desculpas.

Mas nem todos os lugares estavam despreparados para receber pessoas com deficiencia: a Eclusa de Miraflores tem um prédio preparado para receber os turistas que querem conhecer o Canal do Panamá, e esta muito bem preparada.

E vale mesmo a pena conhecer o canal, é uma obra de engenharia impressionante. O prédio é equipado com vagas reservadas, rampas, elevador etc. A visita completa custa US$ 8,00 e começa com um filme em 3D que conta a história do local.

Depois, os turistas se encaminham ao mirador e podem ver o mecanismo das eclusas em funcionamento, com direito àqueles navios enormes passando apertadinhos!

Barco passando bem apertadinho pelo canal.. ui!

Mas não dá pra esperar que tudo seja adaptado, que tenha rampas e elevadores em todo canto. No último dia resolvemos fazer um passeio de barco pelo pacífico até a ilha Taboga.

Na marina foi fácil chegar até o pier onde o barco atracou, mas para descer para o barco não teve jeito, só sendo carregado, mesmo.

O problema é que sendo pego assim nos braços a gente apega fácil, né? (uuuuiiii :oops:) E no barco também não tinha moleza, como o barco era grande até tinha um banheiro, mas quem disse que dá pro aleijadinho usar?

Ronald ganhando colinho para entrar no barco

A solução foi fazer o cat escondidinho; e com o balanço do mar, que estava um pouco agitado foi ainda mais difícil, mas tudo se resolveu.

Terminado esse passeio, foi só voltar pro hotel, tomar banho, fechar as malas e pegar o caminho de volta. O Panamá, assim como o Brasil, ainda não é muito amigável aos quebrados, malacabados pela guerra, mas existem sim alternativas.

Dá pra ver que já existe uma nova consciência se formando também por lá. Muitos lugares já apresentam rampas (nem sempre bem feitas), há bastante vagas reservadas, que para minha surpresa pareceram ser mais respeitadas que no Brasil e por aí vai.

Rampinha panamenha

O Panamá se revelou um ótimo destino para passeio e também para compras (de roupas e eletrônicos principalmente), as barreiras estão lá, mas não são intransponíveis. As coisas são assim: Quem quer, dá um jeito; quem não quer, dá desculpa!

O passeio foi muito bom, se você quer se divertir, Panamá é o canal!

Comentários

  1. Nunca tinha passado pela minha cabeça conhecer o Panamá. Lendo o texto do Ronald, deu vontade de dar umas voltinhas por lá, rsrs…

    Gosto de viajar, essas histórias me encantam. É bom saber que cada vez mais pessoas se libertam e vão atrás dos sonhos, mesmo passando alguns perrengues.

  2. Essa viagem do Ronald foi comigo, minha irma e minha sobrinha. Ele so esqueceu se relatar a parte da zona livre (regiao onde se compra sem imposto).
    O caso era que para passear por la era praticamente impossivel para ele sozinho. Pois as calçadas sao feitas com uns 20 a 30 cm de altura. Era ai ode eu entrava p ajuda-lo a sobrepor esse obstaculos.
    Tambem no passeio de barco a rampa de acesso ao pier era ingrime demais.
    Viagem boa. Recomendo tambem o Panamá. E as companhias melhor ainda.
    Abraços Jairo

  3. Super interessante a sua experiência no meu pais. Tive a sorte se morar muitos anos no seu pais e claramente noto a diferença. Curti o esporte nacional do trânsito, totalmente certo. Mas eventualmente você acostuma. Espero que possas voltar e se vier conte comigo pra te guiar em diferentes points. Desculpe meu mal português. Há sete anos que nao volto ao pais e fico enferrujado. Mantenha contato por email, gostaria de aeguir as suas experiências. Abraço

  4. Ahhh foi tão bonito esse começo do texto ai!!
    É engraçado como as pessoas evoluem..
    Percebi isso no encontro, que todo mundo está ” caminhando” sempre em frente….
    Adorei o relato, ficou mara e deu para conhecer um pouquinho! Mas na próxima , poderia rolar uma indicações de lugares ( tipo ficha tecnica né!)
    Bjokas.

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