Piradinho

Folha

Diversão garantida para mim é ficar cornetando bobagens sobre novelas nas redes sociais. Tudo é motivo para fazer graça: os trejeitos dos atores, uma fala meio descompensada, uma interpretação capenga.

“Difinitivamente”, como diria minha tia Filinha, está tudo certo quando a novela diverte, provoca alguma emoção, entretém ou mesmo dá uma despirocada mostrando situações de realismo fantástico, embora Dias Gomes tenha deixado poucos discípulos.

Ultimamente, porém, a teledramaturgia tem descambado para a aproximação muito estreita com a vida que se vive, com situações que são, de fato, experimentadas por grupos sociais diversos.

Geralmente, quando isso acontece, é imenso o potencial para incomodar o calo de alguém. A atual “Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco, tem conseguido aborrecer gente que lotaria um fusca, no mínimo.

Uma das personagens, que fez rudezas ao longo de toda a trama, agora está tomando uma “lição divina”, um castigo tido como merecido em razão de tudo o que fez azucrinando gente bacana.

Leila, o nome da danada, despencou escada abaixo e, agora, pelo que tudo indica, vai ficar paraplégica, dependente, para aprender que só os bonzinhos podem mexer o esqueleto à vontade. Quem é ruim tem de pagar tendo alguma desgraceira para o telespectador se sentir vingado.

As emissoras não economizam publicidade para mostrar o quanto suas produções influenciam a cabeça do brasileiro e, por isso, merchandising pouco é bobagem.

Tudo o que se mostra em cena, até um jarro horrível que a mocinha quebra na cabeça da vilã, haverá interessados em comprar. Roupas usadas por “periguetes” viram destaques em vitrines de luxo, músicas chatas de chorar se tornam temas de grandes amores.

Há também as ditas “campanhas sociais” das novelas, que causam ótimas filas em postos de coleta de sangue, que engrossam as doações de órgão, que ensinam a criança a não martelar brinquedos na cara do avô.

Dito isso, tenho lá meu direito de achar que, quando me olham torto na rua, podem estar arquitetando na cachola: “Mas que diabos de barbaridades esse rapaz não deve ter feito para ser assim todo quebrado, heim? ‘Deuzulivre’.”

No mesmo núcleo da mais nova estragada do esqueleto do pedaço, há uma personagem com autismo, Linda. A moça sofreu mais do que joelho de freira na Semana Santa nas mãos da irmã ruim, a tal da Leila.

Mas, como é boazinha, Linda deve conseguir regredir sua condição (à base de muita caminhada em uma esteira, de desenhos em cartolina e da mudança de atitude da mãe superprotetora) e também conseguir um namorado todo formoso!

É a lógica da vida seguindo o rumo do antigo desenho animado do He-Man: “O bem vence o mal, espanta o temporal”. Particularmente, sou temente à fé da “causa e efeito”, mas a construção dessa condição envolve complexidades que jamais vão caber entre uma surra da traída na traidora e no lindo casamento da protagonista sofredora.

Que seja eternamente livre o poder de criar, de imaginar, de encenar, de escrever, de pensar. Mas que as piradas dos autores levem um pouquinho em consideração os reflexos de suas tintas carregadas de emoções descartáveis em inconvenientes permanentes para os outros.

Comentários

  1. E, por falar em restaurantes…Difícil encontrar um restaurante que forneça talheres de metal, principalmente colheres…Sempre me estresso quando vou com meu filho deficiente a restaurantes e lanchonetes e os garçons se recusam a fornecerem colheres metálicas…Ameaço processar o estabelecimento e aí as colheres metálicas aparecem logo…Quem possui sequelas neurológicas morde sem querer os talheres com força…Perigoso engolir pedaços de plástico. Por isso solicito talheres metálicos. São mais seguros para os deficientes…

  2. Jairo Marques, está muito em moda as pessoas se agredirem mutuamente em público com palavrasde baixo calão. Mais precisamente em mesas de restaurantes…Volta e meia uma tenta ofender a outra dizendo pejorativamente:”… Você é um RETARDADO!!!…” Meu filho é portador de um retardo mental grave…Ofendo-me ao ouvir esta grosseria. E me apresento aos agressores como pai de um retardado e peço que moderem seu palavreado…Não sei quantos retardados existem neste planeta mas sei que, se fossem sadios me agradeceriam por esta atitude…Eles e seus respectivos pais…

  3. Jairo Marques, sou pai de um jovem rapaz com paralisia cerebral e sequelas neurológicas graves. E, por isso, volta e meia também ouço essa bobagem de insinuarem que “em outras vidas” eu e meu filho também”fizemos das nossaspara merecermos tal castigo” …Pura especulação espiritual…Melhor ouvir isto que ser surdo…

    1. Sergio, o importante é abrir frentes de debates, de insatisfação… É com pressão que a coisa muda… abrasss

  4. Era preciso se preparar mais como pesquisar mais sobre os temas. No caso da paraplegia da vilã, ela irá andar e não irá adiantar nadica de nada ela passar por isto. Ela irá ser ruim do mesmo jeito (é o que eu li por ai). Quanto a Linda, foi mal por parte do autor da novela. Aliás, há muita coisa furada na novela e que precisava ser mais bem pesquisada. Tem outra coisa grave nisso: o público acredita e os estigmas irão se fortalecendo. bjs.

  5. Quase não assisto TV, muito menos novelas, mas vou dar meu pitaco, rsrs…

    Acho que precisam tomar mais cuidado com o que mostram nas novelas e respeitar as pessoas com problemas sérios.

    Algumas pessoas com câncer são muito frágeis e tem certeza que vão morrer como a fantasma da novela em pouco tempo.

    Autistas não melhoram da noite pro dia a ponto de poderem sair sozinhas pra passear na pracinha. É um problema que exige tratamentos multidisciplinares de longo prazo e depende do grau de comprometimento. Não se pode dar esperanças absurdas para pais desesperados.

    Também precisam tomar muito cuidado com atitudes como os da personagem Leila, de achar que só existem bons tratamentos fora do país e que pode voltar curada, isso não é verdade!

    Na vida real a coisa não funciona assim, muitos pais e pessoas com deficiências se consideram culpadas de verdade.

    Autores, diretores e os artistas deveriam pesquisar, conhecer melhor os problemas e não banalizar nossos problemas de forma tão idiota.

  6. Falou tudo Jairim. Além de todos os absurdos apontados eu fico muito irritada com a maneira como as mulheres são tratadas pelos autores das novelas. Interesseiras, fúteis, geralmente burras, sempre fazendo ponto na esquina da Peruice com a Piranhice esperando surgir um marido rico, coisa mais feia. Acho essa fórmula do folhetim muito chata e previsível, eu não tenho paciência. Beijo queridão da tia.

    1. Tia, e essa atual leva essa questão da mulher ao extremo…. bem controverso… bem feio! bjos… e que boooom te ler

  7. essa novela distorce muitos assuntos médicos, seja a moça que fica paraplégica e volta a andar em seguida com muito esforço (como se só o esforço pessoal bastasse), seja o tratamento psiquiátrico completamente errado, seja distorcer várias questões éticas sobre a prática médica… Cria estereótipos e conceitos completamente errados. Já que é um veículo tão formador de opiniões, deveria se preocupar mais com a qualidade das informações que passa.

    1. Pois é, dona doutora…. pode parecer que somos uns chatos que não entendem nada de ficção… mas, o que tem acontecido é que a brincadeira tem ido muito além do razoável. O resultado, insatisfação de grupos diversos… Me diga, hospital é aquilo que mostram? Se for, estamos perdidos… bjos

      1. Nao é nao!!! A vida num hospital é tão corrida!! Medico de novela so sabe fazer fofoca, se ‘pegar’ pelos corredores e se meter em confusão. Maior difamação

  8. Muito bom seu texto. Se autismo severo como era no inicio, apenas andando em esteira e desenhando fosse a cura. Não existiria autista mais. Pena, pois nós pais de autista tínhamos o sonho da TV mostrar a realidade do que é ter e ser um autista. Mas deixa pra lá….

    1. Silvana, ultimamente as pessoas agridem-se, tentando ofender-se mútua e pejorativamente com o termo “RETARDADO”… Sempre que ouço me ofendo. E compro a briga me apresentando como pai de um retardado. Solicito também que moderem suas palavras…Sei que um dia posso levar um soco na cara… Mas é por uma boa causa…

  9. Cara, à noite prefiro o Bob Esponja ao lado do Lucas, então não posso discutir o enredo de novelas. Mas sua matéria vai muito além. Então, é de se frisar que também não acredito no maniqueísmo reinante, nos milagres que só acontecem nos folhetins e nos finais felizes que, não raro, lavam a alma do público via ‘olho por olho’. Acho bobo e, de certa forma, desrespeitoso com a inteligência das pessoas. Pelo comentário da Patrícia, que disse que o enredo vai além do absurdo, creio que no caso específico da novela atual deve ter faltado laboratório e estudos para não falar besteira. Gosto de ler a coluna do Walcyr Carrasco numa revista semanal que assino, mas novela nunca vi. Abrasssss

  10. Novelas cometem gafes e absurdos sem fim mas infelizmente fazem um enorme sucesso assim como noticiários sensacionalistas e cheios de sangue.
    Castigar os vilões com paraplegia não é menos pior do que mostrar que ficar mal acabado enobrece e eleva a alma.
    Pegou mal castigar a vilã assim, mas ficar paraplégica não pode ser prêmio.
    Não consegui eleger o que é pior: o tratamento milagroso da menina autista, a morte súbita da mocinha com linfoma, as deturpações do exercício profissional de várias profissões, a imbecilidade total da personagem vivida por Suzane Vieira ou a “cura” anunciada do personagem gay. Haja absurdos não?

  11. Acho a questão religiosa pior. Assumir que alguém fez algo de mal num “passado” que sequer é lembrado rotula da mesma maneira.

  12. Faz tempo que um texto tão inteligente! Faço minhas as suas letras. Como fisioterapeuta posso dizer que esta novela está além do absurdo…Abraços. Parabéns!

  13. Novelas são as propinas para a ilusão do brazuca. Independente da classe, a cultura estä definhando no “Brazil”.

  14. Boa, Jairo!
    Eu lembrei de uma novela do Manoel Carlos, da qual eu não lembro o nome (elas são tão parecidas que a gente acaba não memorizando mais os títulos!), em que a atriz sofre um acidente de carro e fica tetraplégica. A novela tinha um lado bacana de mostrar as dificuldades de um tratamento de reabilitação, mas caiu no final feliz com a “cura” da paciente que voltou a andar e casou com o mocinho. As novelas se baseiam na realidade para atingir o cotidiano do espectador, mas no final acabando vendendo sonhos e ilusões.

    1. Pois é, George… a batalha de muitas pessoas não é que novelas falem de realidades, mas que, pelo menos, não digam bobagens tão grandes sobre a realidade de alguns grupos sociais, não é? Grande abraço

  15. Alguns valores vendidos nas novelas educam de forma errada e agressiva o telespectador. Uma pena que tanta gente aprenda coisas tão contrárias aos bons princípios. O bem deve vencer o mal sempre, mas há que se entender o certo e errado entre bem e mal, por mais superficial que seja a linha entre um em outro. Fico frustrada quando vejo o mundo ao redor aprendendo impressões erradas.

  16. Acho que o Walcyr Carrasco se embasou no karma, defendido por varias grandes religiões, a pessoa pode até ser boa nesta vida, mas e na passada?

    1. André, eu só concordaria contigo se esse debate aparece na novela.. mas, não é o caso.. o fato acontece e se enfia isso guela abaixo do público… abraço

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