“Sei que isso não pode, mas…”

Folha

Meu povo, as colunas voltaram! Agora, às quartas, que é dia de feira e, por isso, vou continuar distribuindo pepinos, abacaxis e dando tomatadas em defesa de um pouco mais de cidadania e da discussão de valores do danado do “serumano” em toda sua diversidade.

E é nesse espírito que digo: caso você seja usuário contumaz da frase que dá título a essa “falação”, bote fé, está colocando uma cabeça de leitoa e causando transtornos na vida de muita gente.

O “eu sei que isso não pode, mas” é a involução do jeitinho brasileiro, turbinado com mais acesso à educação, à informação, ao conhecimento e ao poder de compra.

Querer tirar vantagem de tudo, trapacear na surdina, agir sempre com os seus interesses à frente do bem comum é péssimo socialmente, mas fazer isso consciente de que é “ilegal, imoral ou engorda” é de chorar pelado no asfalto quente.

Uma grande amiga, uma dessas pessoas cegas que saem puxando cachorro pelas ruas, é alvo constante desses sabidos pouco camaradas.

O brasileiro chega perto dela e de seu “maraviwonderful” parceiro cão-guia —normalmente, ela nem é cumprimentada—, começa a brincar com o bicho, desconcentra-o totalmente do rigoroso e importante trabalho de orientação e, depois, dispara: “Sei que não pode agradar o cachorro, mas não resisti, ele é tão fofo”.

Quando alguém tem o requinte de anunciar que tem noção plena de que está fazendo lambança com direitos ou regras básicas de convívio, está querendo indicar que não é um “burraldo” do mal.

Falar que “sabe que é errado” é uma tentativa de, mesmo em uma encruzilhada, desrespeitar a macumba e chutá-la para longe, querendo sair ileso e íntegro de uma situação em que é o responsável pelo desconforto.

Eu também sou alvo contínuo do jeitinho versão 2.0. Como sou cadeirante e preciso —é sério, não é luxo, eu preciso— usar vagas reservadas em estacionamentos, pois, caso eu pare nos lugares convencionais, não vou conseguir sair de minha Kombi, estou sempre dialogando em tom de poucos amigos com quem se faz de transparente.

Não raro, nessas situações, o “eu sei que não posso” sofre uma metamorfose à base de mais sacanagem ainda para se transformar em “eu achei que poderia”.

Funciona assim: em vez de fazer o carão da humildade, em vez de assumir uma falha, que pode acontecer com qualquer um, ou mesmo pedir desculpas, o sujeito resolve criar uma lógica de conveniência.

“Como estou com a unha encravada, pensei que tinha direito”, “Ué, não vi ninguém na vaga e pensei que, quando estivesse vazia, qualquer um pudesse ocupar”, “Sempre achei que essa tinta azul no chão e esse símbolo de um cadeirante eram propaganda de hospital”.

Quando, de forma consciente, se anda pelo acostamento com pose de poderoso por deixar os “manés” no congestionamento”, quando se pega “sem querer” a fila destinada aos velhos para ficar menos tempo no banco, mais perto o coletivo fica daquilo por que tanto esperneia: da corrupção, da desigualdade, da falta de educação e da intolerância.

Ótimo ter uma sociedade que sabe mais, que pode mais, que conhece mais. Mas bacana mesmo é que ela comece a reconhecer que nenhuma regalia pessoal irá trazer mais benefício do que o bem de todos.

Comentários

  1. Oi Jairo
    Moro em Curitiba e recentemente observei uma melhora nesta questão das vagas preferenciais de estacionamento. Acredito que foi uma combinação de fatores. Primeiro, uma campanha publicitária: ESTA VAGA NÃO É SUA NEM POR UM MINUTO. Saiu em vários meios de comunicação. A associação comercial também abraçou a campanha. E, hoje, quando eu vou ao shopping ou ao mercado, o segurança sempre vem educadamente perguntar se eu tenho a “plaquinha” que me autoriza a utilizar a vaga preferencial. Nas ruas também aumentou a fiscalização (e o número de multas).

    1. Glaucia, me disseram nesta semana que, realmente, Curitiba está muito melhor. Acho a postura dos seguranças, que vc narra, ótima! O que custa fazer essa abordagem, educadamente?! Beijos e obrigado

  2. Jairo, gostei mto da sua coluna. E vou contribuir com um exemplo: você conhece aquele fulano sem escrúpulos, que pega o velho na casa dele, deixa-o sentado naqueles banquinhos que ficam perto dos caixas de alguns supermercados, faz aquela compra de 02 carinhos e depois pega o velhinho e vai pra fila dos idosos? Pois é repare nisso. Abusa do idoso, e é mal caráter em utilizar algo que não lhe é destinado. Muita gente pega o idoso da família para usar a fila destinada a eles, tão somente a eles, e não me venha dizer que as compras todas são para o idoso, que come menos, e etc……

    1. Francis, vc tá falando sério que isso existe? Eu nunca reparei, mas agora vou reparar… que tristeza… que tente é essa, né?!

  3. Eita, hoje tem xará comentando!
    Tio, eu sempre fui um crítico feroz da tal cela especial para quem tem diproma de dotô. Ora, se a criatura é formada, em tese tem mais condições de saber que o que está fazendo é errado/imoral/ilegal, então tem que ir direto para a solitária depois de uma surra, jamais usufruir de um privilégio criado, provavelmente, por outro bandido.
    A maioria das pessoas com quem tive acaloradas discussões em frente a vagas especiais demonstraram ser bem formadas, e seus carrões denunciaram boa condição econômico-financeira. É falta de amor fraterno, aliada à maldita lei de Gerson que leva essas pessoas a, conscientemente, levar vantagem. Claro, a gente dá um desconto para eventuais distraídos ou pessoas sem traquejo com a convivência social, e com estas é mais fácil lidar e convencer. Principalmente porque demonstram tendência à humildade e ao reconhecimento de que estão fazendo caca.

  4. Caro Jairo, sou Iracema do blog aí do lado.
    Meus agradecimentos pela matéria ” Qual o
    Caminho”? Folha de S.P. Cotidiano/ C4. Hoje
    Por ser ativista do segmento das pessoas com deficiência, nosso arquivo tem material
    que desejo compartilhar contigo caso você
    aceite. Por favor pode nos ceder um email pessoal? Ricardo Oliani te enviou “Consulta Pública sobre a Violência”? Um abraço, Iracema Alves

    1. Iracema, pode me mandar pelo email da Folha, mesmo! Olho tudo por lá…. essa história da violência, não me lembro!!! Do que se trata? Um abraço

  5. Tioooo, nos tempos atuais, seria bom arrumar alguma alternativa que desse resultados práticos. Vamos fazer uma “manifestação” (tão em moda hoje) na porta da prefeitura ou sei lá onde pra que algo CONCRETO seja feito no sentido de punir quem desreipeita essas vagas, acesso, rampas e quetais. Ou isso, ou vou acabar virando manchete no Notícias Populares: Trucidado na vaga azul; porque não aguento mais brigar e um dia…ainda vou arrumar uma encrenca feia…minha paciência era meio curta, com a idade, ela xumiu…..

    1. Amauri, queria ser um maribondão preto pra ver vc durante uma bronca dessas kkkkkkkkk… Cara, tento fazer minha parte… os setores sociais diversos tb precisam fazer as suas! Abrasss

  6. Isso, meu caro Jairo Marques, acontece muito mais por falta de fiscalização e punição rígida do que por por “esperteza”. Como sexagenário que já sou, assisto diariamente a alguns abusos que se cometem nas mais variadas situações, seja em fila de banco, em caixa preferencial de supermercado e, principalmente, em vagas para idosos. E o pior é que não há com quem reclamar na hora. Se idosos, PNE’s e outros forme levar reclamações aos responsáveis, perderíamos parte de nosso dia que, pelas dificuldades inerentes de nossa condição, já é estremamente curto.

    1. Paulo, comungo de sua opinião… E acho que devemos continuar sendo os “chatos” de plantão, insistindo pelo respeito à cidadania! Abraço

  7. Tio, uma historinha. Outro dia, estava eu fazendo minha “caminhada” diária aqui no estacionamento/sambódromo do Paço Municipal onde trabalho. Uma hora, ao subir o sambódromo (nós somos chiques!) um sujeito estacionou o veículo do meu lado, saiu do carro (sujeito bonito e super-simpático) e veio me ajudar. Ao lhe dizer que “não, muito obrigada, estou só me exercitando”, ele deu um sorriso, entrou no carro e foi embora. Detalhe: ele deu meia-volta. Ou seja, eu nem mesmo estava em seu caminho e ele, ao me ver, veio até mim ajudar-me. Fiquei comovida com sua atitude. Tenho fé de que os safados e ignorantes que tomam as nossas vagas nos estacionamentos são minoria e que a atitude do cidadão simpático é o comportamento da maioria.
    Beijos!

    1. Adoreeeeeei!!!! E o melhor de tudo foi que o cara não ficou “chocado” pela ajuda não ser necessária, né?! Bjosss

  8. Acho absolutamente fundamental reforçar isso. Mas, inclusive para os membros da Matrix, porque também tem MUITA GENTE que se aproveita de ter uma deficiência, pra tentar conseguir tirar uma lasquinha dos direitos (obtidos levando em conta a necessidade, não uma regalia) de quem tem outra deficiência.
    “Mas é desigual aquele grupo ter esse desconto e o nosso não ter, tb temos dificuldades, enfrentamos preconceitos”.
    É que é necessário entender que direitos não são uma forma de compensar os sofredores, é equiparação de condições de acesso.
    Fico possessa com alguém sem deficiencia nenhuma e sem um pingo de empatia.
    Mas queima a minha alma ver uma pessoa que tem uma deficiência e sabe o que é passar por dificuldade, querer levar vantagem em cima de uma necessidade que não tem, só porque outra pessoa tem essa compensação, porque ela não pode.
    O jeitinho brasileiro é uma epidemia muito maior do que a gente gostaria. Triste
    Beijinhos

  9. prezado jairo,

    Como mãe de um rapazola que tem vários C.I.D.s e, portanto, constante usuária de vagas e acessos preferenciais de nossa sociedade, confesso que estou prá lá de cansada de ficar quase que diariamente tendo que dar lição de cidadania a muitos marmanjos tal e qual vc bem ilustrou em seu texto. A coleção de idiotices que temos que ouvir como desculpas são infinitas! Sinceramente, não sei se o que faço adianta alguma coisa. O que sei é que o meu filho, a despeito de todas as suas dificuldades, é uma pessoa muito bem educada, muitíssimo melhor que outros que não têm os tais C.I.D.s dele. Veja, ele é incapaz de jogar um papelzinho sequer na rua, não mal trata ninguém e não é mal caráter. Ou seja, conseguiu, de fato, ingressar no mundo cultura. Já muitos outros outros que têm, aparentemente, tudo no seu devido lugar…

    1. Marta, adianta! O cidadão que toma essas atitudes pode ser um idiota que continuará com o comportamento torto, mas NÓS fizemos nossa parte, nós cobramos, nós tentamos fazer algo… No mínimo, esses infelizes irão pensar por alguns segundos… um dia, quem sabe, ele vá pensar um minuto! Bjosss

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