Força de família
Semana passada, fez 38 anos que contraí o vírus da paralisia infantil. O danado entrou em mim e armou uma festa.
Prejudicou boa parte de meu esqueleto, mas teve o requinte de deixar um cabeção inquieto e um espírito de porco que não me deixa jamais sossegado.
Pouco falo aqui no blog (ou será que nunca falei 😐 ), mas ao longo da minha jornada meus irmãos foram de uma importância ímpar para que eu conseguisse virar gente.
Em primeiro lugar, eles jamais reclamaram de ter menos dedicação de mamãe do que eu, muito pelo contrário: eles somaram na labuta de ver se conseguiam me colocar no prumo.
Minha irmã, Sheila, me levava de bicicleta, algumas vezes, para a escola (e várias vezes caímos no chão :P), meu irmão, Jefferson, trabalhou desde muito cedo para ajudar no sustento da casa.
Enquanto eu e mamãe ficávamos meses em viagens atrás da minha reabilitação, eles seguravam as próprias vidas para eu arrumasse um rumo para a minha.
Tenho muita gratidão por meus irmãos, embora nós três pouco tenhamos colocado esse assunto na mesa. Sem eles, eu seria seguramente mais torto do que sou.
Irmãos de pessoas com deficiência, primos mais próximos, “enrrabixados” 😎 e qualquer outra pessoa que forme os lares onde exista um “quebrado” têm papel fundamental para dar rumo, apoio e sustentação na vida dele.
E é sobre o protagonismo que uma irmã teve diante dos perrengues da outra que o texto abaixo, da querida e cada vez mais querida leitora Sandra Rodrigues, 42, tem a intenção de mostrar.
Um relato delicioso, intenso e envolvente para começar a semana!
♣
“Este mês faz um ano que minha irmã amputou a perna e tornou-se pessoa com deficiência devido a uma doença de velhos em gente nova (não é plágio Jairo, juro que foi a explicação dos médicos!). E como idosos não sobrevivem, não há muitas respostas…também não procuro mais por elas.
Foi um longo e doloroso processo de idas e vindas a hospitais e a UTIs por causa da trombose que atingiu as duas pernas da Alexsandra. Tentamos de tudo e passamos por muito desespero até quando não houve mais jeito e a única solução médica foi a amputação.
Muitas coisas mudaram durante este ano, desde o medo, o choque, o próprio preconceito que nem sabia que existia dentro de mim.
Lembro que meu primeiro pensamento foi “e agora?” Fiquei pensando no momento em que a vida dela parou, nos amores perdidos, no beijos não dados, nos sonhos interrompidos. Como seria dali para à frente?
Ela passou por todas etapas que acho normal devido à situação: negação, perguntas, choros, luto, aceitação.
Aos poucos, fomos aprendendo a não questionar. Não ignoro o sofrimento, nem banalizo as dores, também não sou hipócrita para dizer que “foi bom ter acontecido”, não, não foi nada bom.
Mas, aos poucos, fomos (re)aprendendo a viver nessa nova vida, vida de luta, de vencer barreiras, de muito preconceito, de olhares de lado e desviados, dos que fingem não ver.
Os amigos…bom, os amigos restaram poucos, muito poucos mesmo. Ela chorou de solidão, eu chorei junto, sofri sempre ao lado, passei por todas as fases junto.
Fui descobrindo que, quando a gente se fecha para beleza o mundo fica cinza, ínsipido, então fui descobrindo as cores do doar-se, do estender as mãos, do consolar, do amor ao próximo, e nossa vida foi colorindo, aos poucos.
Voltamos a sonhar, a ter planos, ela voltou a se achar bonita, voltou a sorrir, a falar sobre esmaltes, batons e moços bonitos, sobre trabalho. Enfim sobre voltar a viver.
Aprendemos a lidar com cadeiras de rodas na chuva, a vencer a calçada impossível, a pular feito pipoca.
E, cada vez mais colorido, nosso mundo se encheu de pessoas novas. Pessoas com sorrisos tortos, babados, mãos trêmulas, mas as pessoas mais lindas e sinceras que já vi na vida.
A reabilitação trouxe independência e com ela a esperança. Não negamos a deficiência e todas as dificuldades que a acompanha, sabemos que os perrengues sempre existirão, porém hoje sabemos comemorar cada pequeno passo, cada conquista. É como uma cor de giz de cera que pintamos na parede,
Compreendi o verdadeiro significado da palavra superação, e ele é lindo!!!! Um exercício diário, comemorado com um sorriso, ás vezes, uma lágrima.
Tem dia que os passos são lentos. Tão lentos que parecem imperceptíveis aos nossos olhos, mas aprendi a não ter pressa, importante é seguir. Sinto, no meu coração, uma imensa gratidão por pessoas que nem conheço, assim como você, assim como várias outras que ajudam sem perceber.
Sinto gratidão pela vida e aprendi a dar valor e cada momento, aprendi a agradecer e deixar meu coração mais leve.
Assim vou colorindo meu mundo, meu novo mundo, como se fosse uma Frida Kahlo tupiniquim, feliz e grata, por ter aprendido o significado da solidariedade, do ir atrás do que se quer e ter compreendido que a maior deficiência é a falta de atitude.
Plenitude é quando olhamos para o passado e conseguimos dizer no presente: “Que gratidão que eu sinto pela VIDA que me construiu.” Esse blog faz parte da minha vida ,obrigada pelo carinho de todos,sim sou grata a todos que empurram a kombi e não deixa a vida estacionar..coisa linda….VIDA!
Linda história!!!! Bjs!!!
Já conhecia a história da Alexsandra, mas a Sandra deixou para enriquecer de detalhes no ACV. Afinal, aqui é o canal, né não?
Admirável a força e o amor que une as duas irmãs. De fato, o tio começou a semana com um relato que emociona, ao expor a amizade em sua forma mais pura, aquela que inclui a doação e o compartilhamento de dificuldades, dores e alegrias. Um beijo pra essas duas guerreiras, que não se deixaram abater e agora fazem calmas as águas sobre as quais tocam o barco.
Agradeço de coração todos os comentários carinhosos,só vem aquecer nossa alma e nos dar mais força para continuar empurrando a kombi…a primeira vez que vi minha irmã sorrindo depois do que aconteceu , foi justamente nesse blog, quando leu a palavra malacabada. ela me disse: olha,sou uma malacabadinha rs,por isso sinto um carinho todo especial por esse tio que adotamos como nosso, e por todos os que o acompanha com seus textos , que nos faz chorar, nos emociona,nos faz rir e assim vamos espalhando, cada um de nós,com nossas histórias de vida o que mais importa ….o AMOR!!!!!
As pessoas com deficiência são mais bem vistas atualmente. Também temos na família pessoa assim, que amamos e nos ama.Que é querido pelas crianças e jovens. Os pequenos adoram “passear” de carona na sua cadeira! É o Luiz Carlos Liopes, meu sobrinho.
É que sua família sabe bem o que é conviver com diferenças! 😉
Sandra, não sei se você é católica ou cristã, se participa de alguma Igreja, mas seu relato é um dos maiores testemunhos de encontro com Deus que já conheci, manifestado no seu amor de doação (ágape) para sua irmã. Deus abençoe vocês!
PS: também sou “diferenciado”. Tenho sequela de polio, igual ao Jairo, só que menos agressiva. Ando, devagarzinho, com o auxílio de aparelho ortopédico e bengala. Também tenho a felicidade de ter em minha vida pessoas maravilhosas que me tornaram um ser humano a cada dia melhor: meu pai e principalmente minha mãe, meus irmãos, meus filhos e, acima de todos, minha adorada esposa, Ana Filomena.
Bela declaração!
Faz tempo que não entro aqui (por pura falta de tempo, não de saudade) mas sabia que hoje eu iria chorar… não dá para não chorar com este blog, e agora como se já não bastasse o Jairo, ainda tem choro em dose dupla com essa linda história das irmãs! Abençoados sejam os irmãos na vida da gente, mesmo os emprestados, os postiços, os virtuais, cada um tem seu valor. E só para complementar o que vocês escreveram sobre irmãos de deficientes, os irmãos das mamães dos malacabadinhos também são fundamentais para nos ajudar na jornada. Beijos a todos os irmãos que nos ajudam a empurrar a vida sobre rodas!
Vc faz muuuita falta aqui tododia, viu?! 😉
Amado! Saudade grande desse blog, aos poucos vou voltando… mas no encontro desse ano estarei lá novamente para abraçar cada um de vocês. Beijos
E vai ser maraviwonderful
Que linda esta história de duas irmãs. Fiquei comovida. Muitas alegrias em suas novas vidas, sempre juntas, sempre amigas. Abraços, Márcia
Sandra e Lê, reler um resumo, resumidíssimo, “resumidíssississsimo” rsrsrs, da experiência de vocês, é de emocionar.
O que aconteceu e como aconteceu virou passado.. então vamos as pequenas e constantes vitórias que vão levá-las ao futuro.
E tenho a mais completa, certeza que com a ajuda dos homens e de Deus um futuro brilhante e feliz as encontrará. beijos no coração de vocês. Lazinha
Não sabemos do que somos capazes de fazer. Cada dia representa um recomeço. Deve ser muito difícil mas vocês são insuperáveis. bjc.
😉
Aprendi num livrinho de cabeceira do Rev. Miguel Rizzo Júnior que há vitória e super vitória. Explica ele: comemora vitória todo aquele que parte de uma situação normal,em condições favoráveis, e vence. Este é um vitorioso; mas,o que o que tem capacidade de reverter um quadro de derrota aparente, este conquistou uma super vitória e mais…vai ajudar muitos outros a vencer.
Adorei… muito legal!
E assim vou eu mais uma macabadinha kkkkkk
Que bom te ler aqui, querida! 😉
Ops “malacabadinha ” rsrsrs