O pontapé do robô

Folha

Agora só falta um ano e um tiquinho. Caso os deuses, juntamente aos chips, engrenagens e filipetas, colaborem, o Brasil vai mostrar ao planeta um garotinho quebrado das partes se levantar de uma cadeira de rodas com o auxílio de uma roupa cibernética e dar o pontapé inicial da Copa do Mundo. Imagino milhares de pessoas chorando e soltando em uma só voz: “Ahhhhhh, que lindo!”

A tentativa para que esse momento de extrema emoção role, ao lado da bola e de alguns milhões de reais, acontece em um laboratório exclusivíssimo, no Rio Grande do Norte, liderado pelo sabido cientista Miguel Nicolelis.

Dizem que um macaco lascado já conseguiu, com parte da parafernália em desenvolvimento, fazer um tchu nos movimentos. Então, é questão de dias, de acordo com aquela música caipira chiclete e chata, para o danado fazer o tcha, o tchutcha, e o tchatchatcha e sair saracoteando. Coisa pouca.

Sou particularmente contra essa bobagem de pôr dinheiro, parte importante dele saído do contribuinte, em uma vestimenta robótica coligada a ondas cerebrais (oi?) para fazer menino dar uns passinhos e ludibriar pessoas, levando-as a acreditar que voltar a andar é algo simples e viável por meio de uma geringonça.

Aparelhos ortopédicos que tentam levantar “serumano” de cadeiras de rodas existem desde o tempo em que o povo usava Glostora para aprumar os cabelos. Eu mesmo testei uns quatro ou cinco deles. Tudo inútil.

Apesar de terem resultados na melhora de marcha para algumas pessoas, geralmente para aquelas com pouco comprometimento motor, os aparelhos são agressivos e dolorosos para outras.

Recordo que o equipamento provocava tristeza em minha liberdade sobre rodas e que gerava uma expectativa infundada nas pessoas ao meu redor de que a cura estava próxima.

A roupa cibernética me parece mais uma vaidade para quem desenvolve tecnologia do que uma esperança real para quem aguarda um caminho para ganhar mais qualidade de vida depois de sequelas deixadas por acidentes, pela violência ou por enfermidades.

Cada pessoa com deficiência que teve os movimentos levados por intempéries humanas tem suas peculiaridades. A realidade e os anseios de um tetraplégico que está na labuta há dez anos são distintos dos de outro que entrou para o time há um mês. Penso que um ateliê de robozinhos andadores deva ser algo que nem o finado Clodovil conseguiria administrar.

Vender a ilusão de que acoplar um robô a meus cambitos parados há 38 anos será simples e delícia como passar manteiga em pão quentinho, para mim, beira o insano.

Criar a esperança de que todo o universo poderá ver um “milagre” pela TV e ampliar em alguns a crença infundada que “retomar os passinhos” é apenas questão de tempo e dedicação dos atingidos é de chorar pelado no asfalto quente. E tudo em prol da propaganda de um avanço imbecil de um país que não consegue garantir nem o básico direito de ir e vir.

Sou entusiasta da ciência, mas também sou defensor ferrenho da pesquisa que visa seriamente ampliar a qualidade de vida das pessoas com métodos que avancem com clareza, com comprometimento de aplicação prática e com mais pé no chão do que glamour. E vida à célula-tronco!

Comentários

  1. Acho que o trabalho de leitura cerebral é de grande valia para a ciência, porém a veste robótica realmente já se mostrou ineficaz em várias oportunidades.

    Estou há mais de 10 anos trabalhando num sistema de eletroestimulação com controle que desenvolvi no meu mestrado e trouxe ótimos resultados. Sei que não é A solução para os deficientes mundo afora, mas o objetivo é recuperar a musculatura atrofiada e preparar a pessoa para receber o tratamento com células tronco, ou pelo menos melhorar a condição cardio-respiratória da pessoa para uma vida mais saudável e com mais funcionalidade. Quase todo deficiente sabe que andar ou não com as pernas é um detalhe, existem muitas outras prioridades.

    Sou um cientista e sei que precisamos de MUITA verba pra pesquisa, mas também sou tetraplégico e falo “de cadeira” que esta verba precisa ser bem investida.

    Trabalho pra que esta tecnologia seja acessível. Os Austríacos que conversei durante o desenvolvimento já provaram que, o investimento com este tipo de atenção é revertido em qualidade de vida e redução de gastos com a saúde destas pessoas futuramente.

  2. Eu penso diferente..acho que ao mesmo tempo em que devemos investir em células-tronco e afins, porque não investir em exoesqueletos? Se hoje temos foguetes que vao ao espaço é pq 1 dia alguem sonhou, pensou,pesquisou,projetou,aperfeiçoou..acredito que isso aconteça com tudo..com carros, com celulares,com óculos..e com exoesqueletos..não acho que seja vender ilusão..talvez não os vejamos compactos,bonitos e utilizáveis mas se continuarmos pesquisando talvez nossos tataranetos vejam,não? Se hj ha cadeiras melhores é pq alguem pesquisou..E de certa maneira, o evento servira pra nos motrar 2 coisas: 1- o Brasil nao tem só favela e pobreza, tem talento ( na qual o governo deveria investir mais) e 2-que as pessoas se maravilhem com o evento sim, mas que lembrem de melhorar suas calçadas, de parar de estacionar onde nao devem, que se maravilhem conosco que nao temos exoesqueletos mas vencemos obstaculos e preconceitos e nos ajudem a dirimi-los.

    1. Thiagão, respeito seu ponto de vista.. mas a leitura que vc faz abre caminho para uma discussão diferente da que eu propus…. outro ponto, deixei claro que não sou contra a ciência em qualquer aspecto… sou contra propaganda enganosa… abraço

  3. Jairo,
    Acho que você deveria pensar em todos os benefícios econômicos desta tecnologia. Fora a questão dos paraplégicos e tetraplégicos, entre outras deficiências físicas, que já torna o projeto nobre, pense na independência motora que os idosos podem ter (e aí toda sociedade se inclui), ou ainda aplicações comerciais e industriais (ao invés de operar robôs por joysticks e complexos softwares fazê-lo com a força do pensamento), ou mesmo até militares (um soldado carregando uma mochila de 200kg com equipamentos e caminhar por 300 km de selva seria o sonho de qualquer exército). Pelo menos pra mim faz sentido o Estado ser proponente de uma interessante tecnologia com potencial Econômico. Políticas neokeynesianas não só se resumem em bolsa família. Pense nisso.

    1. Caro Fernando, obrigado por sua opinião… acho que vc coloca em discussão um ponto de vista paralelo às ideias que escrevi. Como eu disse, não sou contra o patrocínio da pesquisa, sou contra a forma como ela está sendo propagandeada e “vendida”.. um abraço

  4. Pirotecnia!!!
    Nunca vi avanço da medicina, terapias etc… virem dessa maneira espalhafatosa!!
    Não quero ser chato, mas a cura para a gripe, não existe até hoje e a vacina, não foi lançada em nenhum estádio da vida!!

  5. Nossa, tava conversando sobre isso com meu marido nesse fim de semana! Brincamos sobre ele correr a São Silvestre usando o exoesqueleto do Nicolelis, e ai ele disse q seria lindo, até q o negócio resolvesse enguiçar no meio da Consolação….

  6. Essa é a luta dos cientistas: criar equipamentos para vender e não tentar um tratamento que faça uma pessoa se recuperar de um modo mais ”natural”. Tudo pelo dinheiro!

  7. Nossa, Jairo, tava conversando sobre isso com meu marido no último domingo!!! Falávamos, em tom de brincadeira, sobre ele “vestir” o exoesqueleto do Nicolelis pra “correr” a São Silvestre. E ai ele soltou a pérola: Legal, ai eu visto o trem, saio correndo e enguiço na Consolação….

    Precisa mesmo investir em pesquisas com células tronco, né? A gente andou vendo algumas possibilidades, mas é tudo tão amador….

    beijos!

  8. Tioooo, é raro, mas hj disconcordo do c, como já foi dito e explicado, o trabalho do Miguel Nicolelis é 100% focado no bem estar e melhoramento da qualidade de vida para todos e, imbuído do espírito de melhoras e avanços é que ele tem que fazer o que o mundo todo faz, em todo e qualquer lugar do planeta, propaganda. É claro que nem ele (nunca o ouvi dizer isso) acredita que o exaesqueleto (eita nome bunito..pena que eu não vou ter mais filhos…) seja a solução para os malacabados, mas um avanço que pode fazer a diferença depois, através da experiência.Acredito que através desta “propaganda” ele possa angariar mais fundos e aplicar-se com mais vigor e determinação em encontrar mais soluções para deixar todos em igualdade de condições pra brigar pela vida. Sou amplamente favorável à pesquisa com células tronco assim como toda e qualquer pesquisa séria, o que acredito que esta seja. Viva a Dra. Mayana Zatz e viva o dr. Miguel Nicolelis (apesar de palmeirense….eita defeito sério esse…kkkk)

    1. Amauri, adorei suas observações. Não tenho nada contra o doutor Nicolelis nem o conheço pessoalmente. Boto fé de que a intenção dele não seja do “mal”. O que nã vou concordar nunca é que isso necessite de uma propaganda com algo que é tão caro para milhares de pessoas: suas condições de vida. Botar uma criança para supostamente andar dentro de uma geringonça afeta a todos os quebrados… e vc sabe disso… abraço

  9. Essa reportagem é um tanto equivocada.

    Embora o caro Jairo tenha formação jornalística, o avanço científico, tecnológico e social do possível experimento do Prof. Nicolelis não é levado em conta.
    Por acaso alguem conhece alguma máquina complexa comandada somente por eletrodos implantados em um cérebro?
    O jornalista conhece a imensa complexidade da interface eletrodo/neurônios e o que representaria dominar isso?!?

    Entretanto, penso que é muito mais útil dar meia dúzia de milhões para um projeto dessa categoria ao invés de gastas mais de 8 BILHÕES para uma copa de futebol.
    É uma questão de bom senso. Só.

  10. Realmente as pesquisas com células-tronco e o acesso a essa tecnologia serão bem mais produtivos para os que estão incapacitados. Até agora as células-tronco estão ao alcance de bem poucos. O governo deveria incrementar esse acesso.

    1. Acho que o incremento poderá vir qdo houver mais aplicação prática… será que não?! Abraço

  11. Só não concordo com um possível avanço médico de alta relevância estar vinculado a peça de um show. Fica difícil desvincular a iniciativa da intenção do efeito vitrine, seja com olhar positivo ou com vislumbre negativo.

  12. Adorei. Até que enfim,lei algo importante e com uma visão crítica das “armadilhas” da ciência.
    Sou super a favor de qualquer tecnologia que possa trazer qualidade de vida e porque não curar as pessoas.
    Mas pensar que é preciso vestir a roupa do homem de ferro para realizar as atividades corriqueiras e muito para a minha cabeça. bjs

  13. Independente do dinheiro gasto, toda frente de pesquisa aberta é válida. Vai que a coisa dá certo ?
    Além do mais quem financia o Instituto são os donos do Banco Safra. Dinheiro privado que uma instituição financeira devolve ao público. Que bom se Itaú, BB , Bradesco, HSBC e outros fizessem o mesmo. Com dinheiro vindo de peixes graúdos com certeza não há desvio, mas sim exigência/espera de resultados.

  14. Existem muitas coisas sendo criadas e desenvolvidas pra melhorar a nossa qualidade de vida, mas a grande maioria não dá resultados práticos e os custos são exorbitantes, isso é uma realidade.

    Não se pode vender uma ideia de que chegou a salvação do mundo pra tantas pessoas que não se conformam com suas deficiências.

    Prometem curas e tratamentos absurdos com aparelhos e tratamentos que ainda estão em fase de testes, isso é criminoso.

    Como por exemplo prometer curas para paralisia cerebral com células tronco e câmaras hiperbáricas que podem levar a paradas cardíacas, gerando consequências ainda mais graves do que as já existentes. Pior, cobrando fortunas pra serem cobaias.

    Os pais geralmente fazem e arriscam qualquer tratamento na tentativa de melhorar nossa vida, mas as cobaias somos nós, os mal-acabados.

    1. Pais desesperados são as vítimas mais frageis da venda de ilusão. Alguém se lembra dos laboratórios chineses que estavam fazendo milagres? E se lembram que vários brasileiros venderam bens para se arriscar com aquilo? Pois bem, era tudo falso.

      1. Confesso que eu, como mãe, sempre me pego pensando no que é real e no que é fantasia. Já pensei em ir para os EUA fazer o tal tratamento com a câmara hiperbárica, já pensei em ir atrás dos tratamentos com células-tronco, já pensei em dez mil coisas e acabei nunca fazendo porque o recurso que eu acho que utilizo melhor é o investimento nos melhores e mais confiáveis médicos de cada especialidade. Eles me dizem o que é realidade, o que é fantasia e qual investimento realmente vale a pena. Mas que a gente é presa fácil, isso é.
        E vender ilusão ainda dá muito dinheiro, por isso há tanta gente nesse mercado, o que é muito cruel.

        1. Dê, minha mãe vê as reportagens desse robo e acha que é uma coisa linda… algo que, finalmente, vai resolver a minha “situação”… como irei contrariá-la? O que vcs relutam em entender é que queremos melhoria da qualidade da vida que temos…. as mudanças nos rumos dessas tais vidas estão no porvir… beijossss

        2. Denise, meu amigo entrou na câmara hiperbárica e teve duas paradas cardíacas que quase o mataram.

          Conheço pessoas que foram para a China fazer o tratamento com células tronco. Deram muito menos resultado do que terapias multidisciplinares.

          O melhor a fazer é conversar com os médicos e terapeutas, se não estiver satisfeita procure outros especialistas e decida se vale à pena arriscar.

          Boa sorte, beijos.

      2. Oi Lúcia! Concordo com vocÇe em genero, numero e grau! Pensando em minha vida até aqui, passei por umas e outras que não deram resultado positivo nenhum!!!! Só consumiram as economias suadas de meus pais. E uma delas, uma clínica que utilizavaq o método Doman, quase arrebentou com a minha vida, literalmente! Por isso concoro com você e com o Jairo e dgo mais: não vá ao pote, sem saber direiinho o que tem dentro, pois há muitos safados e pirantras urubus que só querem ficar ricos com o desespero dos outros. Bjs em vc e Jairo.

  15. O robozinho vai mostrar a possibilidade de deficiente dar seus primeiros passos, mas será que o acesso para o deficiente real, assistir aos jogos da copa, será mesmo acessivel? Pois se até num transporte que deveria ser de primeira linha como é o aéreo , o serviço fica muito a desejar, como serão os demais?? Espero estar errada!!! Mas tem muita coisa a ser feita para facilitar a nossa locomoção real e atual, para cultuar o futurismo !!!

  16. Eu sou a favor de todo o tipo de pesquisa, especialmente células-tronco. Sou a favor de robôs, também, porque como exercício podem ter sua utilidade.
    Mas usar uma parafernália no dia-a-dia, convenhamos, é muito pouco prático, não muda a vida de ninguém.
    Se uma cadeira normal já não cabe nos apartamentos, nos ônibus, fica presa no vão do trem, como seria possível usar equipamentos desse tipo?
    “Ah, mas é para usar só na abertura da copa ou num lugar com tamanho de estádio de futebol”. Então tá. Mas assim, o Sarah, o Lucy Montoro já tem equipamentos, que são um pouco mais baratos e colocam a pessoa em pé, só para exercício.
    Ah, mas não é com onda cerebral… Ah tá.
    Então por isso gastamos milhões.
    Tomara que o tal estudo realmente revele mais sobre as ondas cerebrais do que já se sabe. Tomara. Que na verdade essa seria a grande utilidade da pesquisa, e não o show.
    Por enquanto, nos cabe torcer para que ainda sobre dinheiro público para a promessa de boas cadeiras pelo SUS e que não demore tanto.

    1. Dê, pelo menos… pelo menos… há essa possibilidade, agora, vinda do SUS. Caso contrário, o vexame seria ainda maior… bjo

  17. Grande Jairo, mais uma vez parabéns pelo texto, concordo em tudo, é claro que as pesquisas devem avançar, mas em algo que seja de verdade pratica para nos quebrados, vestir essa roupa deve levar horas, e depois quem garante que o quebrado ficara, primeiro confortável e segundo sen ficar zonzo e tonto?
    Sou totalmente a favor de todas as pesquisas, mas na abertura da Copa do Mundo, mostrar uma engenhoca dessas é colocar ilusão onde sabemos que as coisas nao funcionam dessa forma. Acho, minha opinião, uma irresponsabilidade.
    Queremos algo pratico, e real e nao uma ilusão que além de nada pratica ainda esta longe de ser real!

    1. Talvez, um dia, robozinhos façam mesmo parte da nossa vida. Por enquanto, a história é manivela, não é mesmo? Nada sobre nós… sem nós! Abraço

  18. Faz parte do show, assim como as “belíssimas” arenas para os jogos!!! Sinceramente, valia muito o investimento para diminuir as enormes filas de espera para próteses, órteses e cadeiras de rodas, esses sim, equipamentos úteis para pessoas com deficiência. Beijos!

  19. Detesto pessoas como o sr. Pessimistas. Pessoas que ainda acham que vivem numa republica de bananas. Difícil de conviver, difícil de entender. Brasil? ora Brasil! Isso não é para nós, pequeninos e sim para os EUA, Japão, Europa, Reino Unido e quem sabe a China. Nós? Não temos o básico!!
    Pequeno cérebro, pequeno texto…

  20. Relaxa Jairo, nos somos, lindos, sexy,inteligentes e se essa gerinonças desses certo o que seria dos andantes ??
    Abração.

  21. Achei a sua crônica de péssimo gosto. Se algum aparelho não deu certo com você pode ser útil para outros. Vi uma pontinha de inveja… Claro que se pudéssemos usar a terapia com células tronco agora seria uma beleza. Mas enquanto isso devemos procurar, incansavelmente, melhorar a qualidade de vida das pessoas, com máquinas, robôs e boa vontade.

    1. Concordo plenamente. A ciência (infelizmente) não é feita da noite para o dia, ela evolui lentamente, são muitas as variáveis. É preciso fazer a “parafernália” para que um dia se tenha um equipamento realmente pouco agressivo e doloroso.
      E toda a pesquisa (inclusive as das células tronco) precisam de dinheiro sim, comparar o dinheiro investido na pesquisa ao dinheiro gasto nos estádios… por favor.

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