Mais sobre PCs

Jairo Marques

Nos últimos dias, a paralisia cerebral foi o destaque da minha labuta tanto com a história do “Marcão” (se não leu clique no bozo!),  como por meio da coluna que está abaixo deste post. 

A Rede Sarah de hospitais de reabilitação fez uma explicação bem didática e definitiva sobre tudo o que se refere ao mundo dos PCs. Quem quiser se aprofundar mais na temática, é só clicar na florzinha que levo “ceitudo” lá.

O ponto que martelo bastante em relação ao universo da paralisa cerebral é a relação erronia que comumente se faz entre suas vítimas e a incapacidade intelectual.

Não que ser um deficiente intelectual tenha algum demérito, mas a associação pode determinar muito o futuro das pessoas, suas formas de serem educadas, preparadas para vida.

Dessa forma, convidei minha amiga de profissão, leitora fiel e empurradora oficial da Kombi rumo ao domínio do mundo Patrícia Passarelli, para dar uma aula definitiva sobre a questão.

Em tempo: A Paty tem passado por uns processos cirúrgicos reparadores na face que, em PCs, pode ficar modificada devido a alterações na formação do maxilar (me corrijam se estiver falando bobagem). O resultado tem sido “maraviwondefull”.

Acho que, no futuro, vou falar mais sobre isso aqui no blog!

Para muita gente, uma pessoa que caminha de uma forma meio “estranha”, faz movimentos “estranhos” na cadeira de rodas, que fala tudo meio enrolado e que até baba, do nada, assusta um pouco. Mais do que isso: parece, por esses fatores, ter, além da deficiência física, uma deficiência intelectual.

O que a maioria das pessoas não sabe é que essa gente “estranha” tem Paralisia Cerebral. Essa tal PC, que eu tenho, causa alterações no movimento e na fala. Dependendo de qual área do cérebro foi afetada, a pessoa pode ou não ter a parte mental afetada. A maioria – e é aí que eu tô incluída – não tem.

O “povão” não saca isso e, quando vê um PC, já começa a tratá-lo como se ele não entendesse o que acontece ao seu redor, como se ele fosse criança, como se ele fosse… um bobo da corte.

Ser tratado como criança, receber uma resposta em “alto e em bom tom”, ser ajudado de forma errada. Essas e várias outras situações foram – e são, ainda – bem comuns na minha vida. A vontade de “cair matando” em quem age assim é grande.

“Custa perguntar antes de agir?”, penso. A grande culpada disso é a falta de informação, a ignorância. Afinal, muito pouca gente sabe o que é Paralisia Cerebral e como é alguém com PC.

A fala de um PC, na maioria dos casos, é como a minha: meio prejudicada – há aqueles que não falam e os que falam normalmente. Por muitos serem também meio “babões”, como eu, o povo associa, muitas vezes, isso a uma deficiência intelectual.

A irritação é grande. Eu já passei várias vezes por isso. Antes, eu tentava explicar. Acho que cansei e, agora, às vezes, deixo pra lá.

Mas a ignorância de certas pessoas é tamanha a ponto de elas acharem que Paralisia Cerebral é algo contagioso, algo que se pega só de se olhar pra um PC. Já ouvi uma mãe dizer ao filho pequeno após este me ver e perguntar a ela o que eu tinha:

“Não olha, porque pega”. Naquele instante, eu apenas olhei para a mãe e, sem dizer nada, fui embora (pra quem não sabe, Paralisia Cerebral é uma lesão em uma ou mais áreas do cérebro do bebê. A lesão pode ocorrer quando o bebê ainda está no útero, no momento do parto – como foi o meu caso, que fiquei sem oxigenação no cérebro, a tal anóxia, por cerca de 12 minutos – ou até mais ou menos os dois primeiros anos de vida, quando o cérebro ainda está se desenvolvendo).

Não perdoaram nem quando eu estudava. Certa vez, no fim da aula de gramática do cursinho, o professor me faz a seguinte pergunta: “Você está conseguindo entender bem o que eu passo nas aulas?”. Eu, apesar de achar super estranha a pergunta dele – afinal, se eu tava lá é porque eu tinha terminado o colegial e queria entrar numa faculdade -, respondi que sim. Ele insistiu: “Mesmo?” e minha resposta continuou igual.

Meu espanto foi enorme, afinal, apesar da minha dificuldade para andar e pra falar, eu consigo compreender o que acontece e fazer perguntas se eu quiser.

Na faculdade, passei por algo que também me intrigou: a professora de Metodologia, no primeiro semestre de Jornalismo, me perguntou se eu tinha dificuldade em fazer provas dissertativas. Eu respondi que não. Mesmo assim, ela me aplicou uma prova só com questões de múltipla escolha. De certa maneira, entendo que ela queria me “poupar” de escrever muito. Mas me senti não excluída, mas tratada de uma forma diferente.

Tenho uma vida social normal. Viajo com os amigos, vou a churrascos da turma da faculdade, enfim, faço tudo o que uma pessoa de 24 anos faz. Nessas situações, não me lembro de episódios em que fui tratada como criança. Acho que quando as pessoas veem um deficiente convivendo normalmente com outras pessoas, a ficha “cai” e elas percebem que  PCs não são tão… bobos.

Ainda sobre os amigos, posso afirmar com segurança que eles nunca me trataram de uma forma diferente. Até fazem com que eu faça coisas que, por medo ou pelo simples fato de nunca ter tentado, eu não tinha feito antes. “Vamos lá, Pati. Tenta. Vai ser legal”. E eu, com eles, consigo, muitas vezes, arriscar.

Certa vez, num shopping próximo ao colégio onde eu estudava, assaltaram um banco. Rindo de nervoso, meu amigo me puxou para o chão. Já quase caí na faculdade, já caí na entrada de um bar. O bom é que até hoje essas situações, quando lembradas, rendem risadas gostosas.

Os olhares assustados (principalmente das crianças, curiosas por natureza) quando eu passo ainda continuam – assim como os tratamentos “diferenciados” que eu ainda recebo -, mas isso tudo já diminuiu bastante. Talvez as pessoas estejam mais “acostumadas” com as diferenças. Mas ainda há muito o que se mudar na mentalidade delas.

*Fotos de arquivo pessoal

Comentários

  1. Um tempo sem ver a Paty (ela não foi no último encontro, ou eu saí mais cedo, sei lá…kkk) e ela tá mais liiiinda e mais “experta”que nunca…..kkkkkk
    Segura a minina…….

  2. Jairão, um texto com muitas coincidências para mim: tenho sequela de PC, tenho 24 anos e sou formado em jornalismo! rsrs…

    Muito bacana o seu post e o texto da Patrícia. Que a sociedade consiga entender que a Paralisia Cerebral não é sinônimo de doença mental.

    Felizmente, assim como a Patrícia, minha parte intelectual ficou intacta e eu prossegui com os estudos até o Ensino Superior!

    P.S.: Parabéns pela matéria do Marco Aurélio! Virou até pauta do Fantástico! rs

    Abração, Jairão!

  3. Dessa vez não resisti, tá lindo o post Jairo e Patricia!!! ;))) Penso que a falta de informação, aliada mesmo a acomodação (não se mover em busca de conhecimento) e ao preconceito são fatores que só dificultam a vida de qualquer indivíduo. No nosso caso, os “malacabados” (adoro esse termo rs), esses fatores se tornam um obstáculo a mais no meio de tantos que podemos superar. Ontem vi o Fantástico e aposto que muitos desinformados ficaram de queixo caído com as histórias e conquistas do Claudio e do Marco. Eles, assim como a Paty e tantos outros vão mover montanhas de ignorância, preconceito e, isso, para nós como socidade, é muitooooo bom!!! ;D

    Parabéns e felicidades a todos!! <3

  4. Patrícia continua linda!
    É repugnante ver uma mãe transmitindo seu preconceito ao filho! Tomara que ele não “pegue” dela essa doença. Que ele perceba com outros exemplos e com sua própria sensibilidade que ninguém é igual e conviver com a diversidade é muito saudável e gratificante!
    Bjk

  5. Oi! também sou pc e o meu livro sobre partes da minha vida, chamado “Memórias de uma incluída pela exclusão” é jstamente para as pessoas comuns saberem o que é ser uma paralisada cerebral. Acho que está dando certo, pelo menos, aqueles que leram o livro. Há uma psicóloga que me disse que o livro parece uma aula que estou dando e que ela finalmente entende um pc., outro comentário legal foi de uma prima minha que deu o livro para a caseira dela, pois a caseira tem uma filha que é pc moderada, mas que vivia trancada em casa. Quando a minha prima entregou o livro para esta mãe, ela disse que agora ela acreditava que a filha pode fazer alguma coisa. Detalhe: a menina tem 22 ou 23 anos! Há uma outra colega de escola de pintura que me disse que o livro abriu a cabeça dela. Tem gente que viveu mais de 18 anos comigo (fez todo o 1º grau e o segundo grau comigo) e ainda achava que eu sou intelectualmente rabaixada. Ouvi dela: ” A gente não sabia que você chegaria até aqui!” E eu pensando: “Onde ela pensava que eu iria chegar?”. A coisa não é fácil, não. Cheguei à conclusão de que não é só a informação que irá quebrar preconceitos, o pessoal precisa ser mexido profundamente.
    Eu também me identifiquei com a Paty, pois passo estas coisas direto, mas eu já não me machuco mais com isto, porque sei do processo do preconceito. E estou com o Kylber que o pc está dentro da diferença da diferença, pois até os parampas tem preconceitos contra nós, os pcs. Ah, comecei um blog ontem no UOL. Bjs.

    1. Qual o endereço do blog, Su?! Coloque aqui pra gente poder visitar! E diga tb onde encontrar o livro… Bjosss

  6. Me incluo nesse caso, já passei situações idênticas, o problema é explicar que somos “originais de fábrica”, nenhum PC é igual a outro né, rsrs…

  7. Olá, Jairo, considero o seu blog um grande informativo para todos, inclusive pra mim. Vc pode imaginar q eu não sabia q os paraplégicos faziam “cat” para esvaziar a bexiga ou toque pra estimular o funcionamento intestinal? Eu, q sou paraplégica, mas dei a “sorte” de ter uma lesão q não me causou desconforto nessa área? Em relação aos outros tipos de lesão q vc já abordou aqui eu era totalmente ignorante. Porisso acho importantíssimo o trabalho de informação q vc faz aqui. Adoro cães e já brinquei com guias, mas hoje, se só fico admirando, aprendi q não se distrai o bichinho de seu trabalho 🙂 ,entre outras coisas, agradeço a vc.
    Beijos

  8. Doce Paty, em muitas conversas com minha neta Karine que esta terminando psicologia este ano, e já trabalha com crianças nessa área, pude observar que realmente vc tem toda a razão quando diz, que a falta de informação e total ignorância das pessoas, ao se depararem com um PC, é grande, tem toda razão de querer sair matando. Te entendo perfeitamente, pois seu intelecto esta lá funcionando a mil.
    Não precisa explicar nada, vc já é uma vencedora com todo esse potencial que a levará muuuuuuuuuuuuito mais longe, tenha certeza disso! Esse seu entusiasmo, esse seu carisma e principalmente essa sua simpatia, já desmonta qualquer pensamento contrário. Vá em frente, pessoa linda, vc já esta fazendo sua parte e mudando a mentalidade das pessoas… Acredite nisso! Adorei te conhecer, vou passar esse sua aula para minha neta comprovar o que sempre me diz; td vale a pena quando há determinação e boa vontade! Bjokas grande Paty, nos encontraremos por aqui!

  9. Informação é tudo.
    Posso lhe dizer que só parei para pensar nisso após ler este artigo.
    Já vi pessoas com paralisia cerebral, mas nunca convivi ou sequer conheci uma.
    Então, sequer sabia como proceder.
    Obrigado por compartilhar, abriu meus olhos.

    1. Pois é, Ice… isso é uma realidade ainda bastante comum, achar que é o que não é! Imagine vc que crianças foram criadas, ao longo dos anos, sem nenhum estimulo educativo porque se PENSAVA que elas não iriam reagir… enfim… bora informar! Abraço

  10. Olá Jairo, gosto muito deste blog. Sou uma das pessoas ignorantes que a Paty menciona. Porém lendo este blog aprendi muitas coisas com você(s), e continuo aprendendo. Claro que tenho discernimento e sei que não se pega PC, etc, etc, porém me percebo em muitos pontos que ela menciona. Felizmente o blog está me ajudando a ter conhecimento sobre o “mundo paralelo”! Obrigada! Helena.

    1. Oi, Helena… olha, não é só vc… é muita gente. Conceitos tortos sobre pessoas com deficiência existem aos montes. O lance é propagar informação, é combater conceitos errados! Grande abraço

  11. Jairo, parabéns pelo blog. Paty, me identifiquei muito com seu depoimento, especialmente com os tombos em lugares públicos, pois tive Pólio, com sequela na perna direita. A visão que as pessoas têm do PNE é a mesma, independente da necessidade. Mas, no meu caso, mais importante do que a mudar a visão das pessoas, é mudar a forma como eu reajo. Acho que você, consciente ou não, também faz isso…e por isso escreve tão bem. Grande abraço.

  12. Oi Jairo sou Pc tive anóxia durante o parto tenho 23 anos e estou no ultimo semestre do curso de licenciatura em história tive uma vida bem normal as crianças são curiosas e amam as minhas muletas cor de rosa o que me chateia mas são os adultos tipo já tive de ouvir que tinham pena de mim e me perguntaram se eu tinha sensibilidade nas pernas(acho que confindiram co LM) e o pior se eu era aposentada poxa vida eu quero e tenho total capacidade de trabalhar.
    adorei o post abraços pra vc e para Patricia Passarelli e a todos

  13. Ótimo texto.

    Eu já convivi com um PC. De vez em quando a gente perdia a paciência e tinha de dizer às outras pessoas “Olha, ele não é surdo não precisa gritar (ele praticamente não falava, então muita gente achava que ele não escutava)e ele entende o que você diz, pode falar como com um adulto qualquer.” (porque ele babava as pessoas achavam que ele tinha dificuldade mental também).

    Esse tipo de texto merece divulgação, porque você está certa. Muita gente está só mal informada, não mal intencionada.

  14. Quando vi a foto da ‘nova’ Paty, quase não reconheci. Tá linda, a menina. Como tantas outras nesta família composta por um bandidoido, nossa amizade começou no ACV, depois foi ganhando ramificações, eu tinha meu blog, a Paty criou o dela e só fomos nos conhecer pessoalmente algum tempo depois, num dos encontros do Assim Como Você.
    Ela começou estudando publicidade e, na última vez que nos encontramos, me contou que havia trocado pelo jornalismo. Acho que ela quer ser ingual quinem o tio.

  15. “A diferença dentro da diferença

    Assim é como defino a paralisia cerebral, pela qual fui afetado no parto por falta de médicos. A realidade é que este fato tem me obrigado a viver fora de uma normatização da sociedade, ou pelo menos a me adaptar para melhor buscar meus objetivos, mais precisamente a minha felicidade. Na sociedade em que vivemos o que vale é a perfeição. Incorporamos a cultura do belo, fruto de uma herança que acompanha a própria evolução da humanidade. Posso citar o grande filósofo Platão, para o qual as pessoas portadoras de deficiência, as PPDs não possuíam alma. O PC (PARALISADO CEREBRAL) é um caso interessante e instigante, pois consegue ver o mundo como ele é, mas o mundo não consegue vê-lo em sua essência; o PC é como um caso de diferença dentro da diferença, talvez o mais estigmatizado entre os PPDs. Muitas vezes somos confundidos, pela dificuldade motora e problema de dicção, com um deficiente mental ou um bêbado. Isso acarreta inúmeras consequências para a vida pessoal de um PC; a sexualidade e a afetividade ficam comprometidas não por falta de capacidade, mas por falta de sensibilidade e compreensão do companheiro ou companheira. As dificuldades são ainda maiores quando se trata do campo profissional, pois o PC se tornou quase não empregável, salvo raras e louváveis exceções.

    Mudar uma mentalidade de séculos é, na verdade, uma tarefa bastante difícil e complexa, mas não esqueçamos que grandes saltos da humanidade partiram das situações de diferenças e da busca de suas superações, hoje, nosso grande desafio.”

    KYLBER ALVES DE OLIVEIRA .

    FILÓSOFO

  16. Ótimo texto!
    Uma vez, numa palestra do lançamento do livro “Maria de Rodas”, em Osasco, a Flávia Cintra disse uma coisa que maravilhosa – o que elas estavam fazendo, ali, contando suas histórias sobre maternidade, era criar referências. Referências que desmistificam. Que dão exemplos de pessoas reais, de que é possível, que não é preciso ter medo.
    Quando a Paty vai à faculdade, quando ela vai para a balada ou viaja com amigos ela também está fazendo isso: criando referências, desmistificando. Porque essas pessoas vão ver a pessoa com PC de maneira diferente. Se tinham receio, vão deixando de ter. Se tem dúvidas, perguntam, e assim o conhecimento vai reduzindo o preconceito.
    Claro que você faz isso por nós o tempo inteiro – e tem minha eterna gratidão e admiração por isso. Você explica, você faz piada, conta história de gente real. E cada leitor seu que muda de mentalidade vai mudando seu comportamento, sua família, vai mudando, mudando… E é por isso que a gente ainda tem que acreditar que tem muita mudança por vir, não é?
    Beijos para a Paty e para você, amei o texto !

    1. É por isso que esse cafofo é tão forte… aguenta até ventania que apaga vela! ahahahhahahha.. beijossss

  17. Te entendo. No entanto o problema é a falta de informação. É automático (E equivocado) associar dificuldades físicas com incapacidade psicológica. Essas coisas não se mudam da noite para o dia, a ignorância é generalizada em diversas áreas não somente no seu caso. Fudamental é continuar informando e ter paciência.

    1. Com certeza, Marcelo. Quem vive os “dramas” costuma não querer ter mais tanta paciência, porém, ela é necessária… abraço

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