A bênção de Florisbela
O povo lá de casa já está acostumado: é preciso reservar alguns minutinhos antes de ir embora de uma visita à casa da vó Florisbela para receber sua bênção.
De uns tempos para cá, porém, a reza tem ficado cada vez maior. Há quem diga que ela tem até inventado alguns santos.
Certa feita, escutei uma das primas, que de fato é prima de minha mulher, que por sua vez é também a “dona” da avó, falar assim: “Vai, vó, benze bem rapidinho, que estou atrasada”.
E toca Florisbela, velozmente à sua maneira, elevar os pensamentos a “São Cosme e São Damião, São Miguel Arcanjo, São Jorge Guerreiro, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro…” para iluminar e proteger.
Independentemente da fé do visitante, na hora de ele ir embora, a avó se levanta da poltrona, meio cambaleante, agarra-se a uma bengala e promove o ato.
Quem se rebelaria diante de algo tão lisonjeiro vindo de uma velhinha tão formosa?
Penso que, no fundo, a bênção de Florisbela já é muito mais do que uma manifestação de crença. Ela alonga a reza para alongar também o tempo ao lado de quem vai a sua casa tomar um cafezinho.
Velhos, em geral, criam inteligentes maneiras para encompridar a prosa rala com aqueles filhos estrelas cadentes –que aparecem de vez em quando–, com os netos que não se desgrudam dos joguinhos eletrônicos, com as noras atarefadíssimas em acertar as unhas à francesinha.
Forma bem interessante de promover o “fica só mais um pouquinho” é quando se começa uma sessão de cantigas “daquele tempo”. Mamãe usa sempre dessa artimanha entoando canções do “rei”, de Cartola ou de Vinícius.
Como não ficar mais um pouquinho quando Lupicínio Rodrigues é chamado para cantar: “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora e é por isso que eu gosto lá de fora porque sei que a falsidade não vigora…”?
Ao telefone, também há sempre uma maneira de seguir na linha com os mais velhos que, no momento de desligar, lembram-se repentinamente de contar uma novidade que aconteceu no ano passado.
Em um mundo cada vez mais apressado, mesmo com tudo conectado, sobram menos horas para se dedicar ao passado.
O valor humano do ontem é, muitas vezes, subestimado.
No genial e comovente filme francês “Amour”, de Michael Haneke, escancara-se de forma dramática, mas um tanto verdadeira, a exposição do octogenário casal protagonista à solidão.
Na trama, porém, não se revelam explicitamente tentativas dos idosos de clamar pela família, pelo contrário, parecem querer o isolamento a qualquer custo e a distância de sentimentos de piedade.
Decisões que parecem caber ao mundo moderno do “cada um por si”, mas que maltratam a alma e o coração.
Para mim, certa está a delicada vó Florisbela que tenta, a sua maneira, chamar atenção para sua valiosa sabedoria e para um dos seus importantes papéis na família, no mundo: o de fazer os mais jovens zelarem com atenção do patrimônio vivo de sua geração.
Desculpe voltar ao assunto do post sobre os autistas, mas o Prof. Pasquale comentou com muita clareza e propriedade sobre um caso similar : http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pasquale/1223272-esporte-de-verdade.shtml
Eu não tinha lido, Decio!!! Adorei… obrigado!!!
Taí uma frustração que tenho: minha avó paterna faleceu quando antes que eu completasse 10 anos e a materna não só morava longe (1000 km), como fugia desse padrão ‘vovozinha’. A véia era braba que só, e descia o porrete na netaiada, por menor que fosse a ‘malcriação’. É duro, mas eu de fato só sinto saudades de minha avó Ana, mãe de meu pai. Em compensação, meu filho e primos foram agraciados com suas Florisbelas, e como abusam delas! É engraçado que minha sogra costuma dizer que “casa de avó é chiqueiro de neto”, e seus olhos brilham de satisfação. Meu filho conseguiu até subverter um conceito antigo que me levou a agraciar minha mãe com a alcunha de ‘mão de vaca’: sempre que a visitamos, o moleque fatura cinquentinha.
ahahahahahahahahahaha….. o moleque amoleceu a mão e o coração da vó!
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Jairo, meu caro.
Estou tentando fazer um comentário no post “Felicidade torta”, mas a caixa não aparece. Você sabe se há algum problema “técnico” no site do blog?
Renato, deve ser algo temporário!!! Tá tudo normal aqui… abrasss
Excelente texto, Jairo Marques!
Parabéns, você sintetizou muito bem essa situação e esse sentimento.
Tive a honra, a sorte e o privilégio de receber a bênção da vó Florisbela. Foi exatamente como você descreveu!
Valeu a pena viajar 930km para, entre outras coisas, conhecer a vó Florisbela e ter esse breve momento de puro encantamento diante dela.
Abraços,
Daniel Wagner Behr
Uuuuia…. que demaaaais!!!!
Depois da tempestade vem a bonanza,o Rin tim tim e por aí vai. Só mesmo você para lançar um texto tão agradável, daqueles que faz a gente parar tudo que esta fazendo para simplesmente apreciar as lembranças que vão aflorando. Muito obrigado Jairo.
Carlão, é exatamente essa a minha intenção ahahahahhaha… abração
Aqui em casa , essa vozinha é a minha mãe, 86 anos, muito lúcida mas, cada vez mais, inventando altas estórias para que possamos ficar mais. Entendo isso perfeitamente, porque quanto mais o tempo passa, mais fico parecida com ela….me pego falando com meus filhos como ela falava, me pego fazendo as mesmas chantagens emocionais…rsrsrsrsrs
Que legal essa idenficação de todo mundo!!!!
Não convivi com a mãe da minha mãe. Minha mãe ficou órfã de mãe quando tinha 14 anos, não tive oportunidade de conhecer essa avó, mas segundo minha mãe, ela me protege, porque sempre que vai acontecer alguma desgraça comigo (ou seja, fulltime) minha avó aparece nos sonhos da minha mãe, alertando pra ela me avisar de algo que, estranhamente, sempre funciona, é bizarro!!
Mas, com a mãe do meu pai, tive o privilégio de conviver alguns anos. Bem poucos, porque ela morava no Rio e mudei pra SP aos 6 anos. E, quando criança, não gostava dela, porque ela era chata, na minha opinião hahaha Só que, com o passar da idade, comecei a vê-la como pessoa e não como ‘personagem de vó’ e percebi que ela era uma pessoa interessantissima. Acabei aprendendo mais com ela por observação do que por ter uma avó que mima…
Admiração eterna…
E outra coincidência… fiz o segundo IC no dia do aniversário de 10 anos do falecimento dela. De certa forma, acho que talvez por isso, tenha sido essa benção que tem sido desde então.
Beijinhos
Lak, sua mãe é showww… 😉
Voces nao tem ideia de como e bom receber esta bençao. Saimos de la geralmente no Domingo ,fortes para a semana que se inicia .
Temos tambem a certeza que toda noite , antes de se deitar, la esta ela pedindo a Deus por todos os seus parentes, amigos e os que se dizem inimigos.” Coisas que ela com certeza, nao tem nenhum”.
Obrigada Vo Esbela, Que Deus a conserve sempre assim …
Que delícia!
Muito bom. Atualmente estes valores estão se perdendo. Fico a lembrar de minha vó Helena, que tb. queria que a gente ficasse mais um pouco… Que tal aproximarmos mais de nossas mães e pais por aí? Afinal, eles já estão na fase das Florisbelas.
Murilo, é isso aí!!!!
Também tive uma vó assim, maravilhosa! que me deixou lembranças inesquecíveis, apesar de já ter partido, viverá para sempre em mim, através das boas lembranças !!
Que bonitoooo
ESCREVO ESSE C LAGRIMAS NOS OLHOS. NAO CONHECI MEUS AVOS INFELIZMENTE MAS SOU FILHO JOVEM C MAE VELHINHA EU 40 ELA 84 MAE E AVO ELA E A PESSOA MAIS INCRIVEL QUE EU CONHECI NESTE MUNDAO!! AINDA BEM QUE SOU FILHO DELA !! DNA TEREZA ! CASADA C SR DINIZ . 8 FILHOS 4 H E 4 M. 16 NETOS E 7 BISNETOS; AMO MAIS MINHA MAE A CADA MINUTO QUE SE PASSA!!
Muito emocionante, João! Abrass
Bateu uma saudade grande da minha avó paterna que morava na minha casa a Dona Claudina, Vó Dina pra gente. Ela era bem tipica vovó, cabelinhos brancos ralinhos, feito um coque no alto da cabeça, sempre vaidosa, usava creme Nivea, aquele azul de lata, e leite de aveia, me chamava de Neuzinha. Toda noite rezava o terço, sentadinha na cama, com os ombros arcados carregando o peso dos seus 99 anos de idade. Uma memoria invejável, e uma alegria que saltava dos olhinhos azuis. A Benção vó era lei em casa (e é até hoje) meus sobrinhos pedem a benção pros meus pais, que coincidentemente hoje completam 65 anos de união, uma familia grande de 13 filhos, 30 netos e 4 bisnetos. Minha mãe hoje está com 86 anos, e não se conformou quando fiquei na cadeira de rodas, ela me diz que toda noite ora pelos filhos, netos e bisnetos,mas como são muitos e as vezes ela está cansada, ela pula uns, mas de mim ela não esquece…rsrs isso foi motivo de grandes risadas no Natal, quando estavamos todos reunidos na casa dela…meu irmão disse : Ah mãe é por isso que eu tô lascado, a Senhora não anda rezando direito…rsrs. Quem tem o previlégio de ter uma benção de uma avó Florisbela com certeza nunca irá se esquecer… bjs e Deus te abençõe.
Me emocionou demaaaaaais da conta… maraviwonderful, querida, maraviwonderful
Kkkk minha avozinha, Dona Marilu gosta de falar dos ultimos acontecimentos em sua saúde, quantidade de remédios que toma, o que mudou e o que ficou igual, e receitas culinárias que eu “deveria” fazer em casa para minha família. Eu adoro falar com ela mesmo assim.
Adoreeeei!
Gostaria muito de poder ter uma vozinha “Florisbela”para conversar,ouvir casos,sentir o cheiro que só ela tem …infelizmente não tenho mais…mas fica na minha lembrança todos os momentos bons com minhas duas florisbelas,uma catolica fervorosa e outra evangelica fervorosa rsrrrs e a evangelica foi na missa com a catolica !!!!quer coisa mais linda!!!!nossa casa se enchia de luz quando elas vinham ficar um mes conosco,uma pena tantas “florisbelas” por ai sem o carinho da familia
Ahhhhh, que coisa linda…
Também acho que temos que ensinar aos mais jovens num mundo de tanto individualismo ,a zelarem desse patrimônio-familia,que quando se perde é que se vê o quanto é precioso,que o digam por exemplo,sobreviventes de guerra que ficaram sózinhos.