Questão de identidade

Folha

Por todo o país, prefeitos eleitos estão anunciando seus secretariados. Devido à pressão social e à necessidade latente, uma pasta relativamente nova pipoca nas administrações: a da pessoa com deficiência e com mobilidade reduzida, que deveria servir para atender demandas diversas e para representar esse público.

Porém, na maior cidade brasileira, São Paulo, que vai ser tocada pelo seu Fernando Haddad, do PT, o rumo de um órgão que seria fundamental para milhares de pessoas já descambou mais uma vez.

O petista, ao contrário de todas as correntes de seu partido, que vivem defendendo cotas, justiça social, oportunidades para todos, resolveu não considerar nada disso e fez do órgão um cabide para acomodar interesses partidários e políticos, o mesmo que já havia acontecido em outras administrações.

De novo, uma pessoa sem deficiência, ligada à área da saúde, vai ocupar a cadeira, que só tem rodas para facilitar o giro na mesa imponente, não para serem tocadas e dar rumo à vida, como são as dos veículos dos cadeirantes.

Não sou defensor da reserva de mercado e curto o discurso da promoção e do reconhecimento por competência, mas, por que raios as pessoas que puxam cães-guia, que tem o escutador de novela avariado, que babam um pouquinho, que são quebradas das partes ou que são descompensadas no geral não têm um representante que as identifiquem em um cargo público criado para cuidar dos interesses delas?

Não seria no mínimo estranho um “macho man” assumir a Secretaria da Mulher? E uma loirona de olhos azuis assumir a Secretaria da Igualdade Racial? O debate parece embolorado, até um pouco ingênuo, mas também é antiga a batalha do povo com sentidos e movimentos comprometidos em busca de maior acesso social, respeito a seus direitos e dignidade para suas condições.

Deficiência é uma condição humana, e não algo que, necessariamente, tem de ser tratado por pessoas que supostamente entendem de medicina, de doenças ou de administração hospitalar. Pensar assim é ultrajante, antigo como é a palavra démodé.

Secretarias voltadas às pessoas com deficiência possuem orçamentos minguados e forte atrelamento aos recursos de outras pastas. O que resta, então, é o poder de dizer à população: “Olha, esse povo estropiado existe, viu?! Estão aí na praça e possuem seus direitos e deveres”.

Não escolher um “igual” para o órgão ajuda a reforçar um conceito nefasto que teimam em aplicar a cegos, surdos, paralisados cerebrais, downs, amputados, cadeirantes: são semialfabetizados e nada qualificados para ocupar postos estratégicos seja no poder público, seja na iniciativa privada.

Só me resta latir do lado de cá, em território bem apartado, excluído, contra essas barbaridades que cometem, do lado de lá, de uma forma tão natural que emplacam sem fazer muito ruído e sem causar grande repercussão.

E minhas desculpas aos leitores pelo tom raivoso em pleno Natal. Vou tomar maracujina para ver se passa. Até uva, afinal, passa.

Comentários

  1. Jairo, não tenho deficiencia e tenho modestia suficiente para saber que fiz um bom trabalho aqui na cidade. A Secretária da Pessoa com Deficiencia de Barueri não tem Deficiencia e fez um trabalho digno de notícias no New York Times na Cidade. Acho muito prematuro julgar a escolha da prefeitura de SP, uma vez que só tenho ouvido elogios a pessoa da Dra. Marianne, acho que temos que dar uma oportunidade antes de julgar. Em tempo, apesar de ocupar um cargo na prefeitura, não sou filiada a nenhum partido político, mas não gosto de julgamentos prematuros!! bjao

    1. Pensei muuuuito no seu caso qdo escrevi esse texto, Lili. E estou tranquilo porque não cabem comparativos. A sua história é praticamente a mesma de uma pessoa com deficiência. Eu não fiz julgamentos na coluna, apenas defendi um ponto de vista!!! 😉

  2. Querido Jairo, concordo plenamente com você, que mais uma vez alguém é colocado em um cargo público para falar “por nós”. Comecei a militar no Movimento de Pessoas com Deficiencia no finalzinho da década de 70!!! e vejo com tristeza que muito embora tenhamos consiguido promulgar as melhores leis sobre o tema, nosso Movimento é cada vez mais pifiu. Não conseguimos fazer nosso discurso sensibilizar a opinião pública e tampouco a mídia, somos um bando de gente (cada vez mais numericamente) sem nenhuma representatividade em canto algum. Com algumas louváveis exceções não coneguimos mostrar nossa cara e dizer a que viemos. É uma pena, mas cada um collhe o que planta.
    Bjs

    1. Maria Paulo, mas acho que temos de seguir firmes para a frente. Falar mais alto ainda…. as conquistas podem demorar muito ainda, mas vão acontecer! Bjo

  3. Será que a senhora nova secretaria entende de ulcera de pressão? Sabe que os hospitais públicos não estão devidamente preparados para o tratamento desse mal que acomete centenas de cadeirantes? Que O Lucy Montoro com toda sua estrutura de primeiro mundo, não tem um centro cirurgico para cuidar de feridas? Sem comentar sobre o transporte, a acessibilidade, o desrespeito e as tasi cotas de emprego que não resolvem Powwww nenhuma pois o mal acabado não tem como chegar lá no cantinho que arranjaram pra ele, meio escondido, sem banheiro adaptado sem nenhuma preocupação com o desinfeliz. E tenho dito, benedito.

  4. Jairo, concordo com Lak Lobato. Acho q uma pessoa que não tem deficiência pode ter uma ideia (às vezes até aproximada, se ela não for preconceituosa) do que nós matrixianos passamos. Alguém q enfrenta diariamente barreiras físicas e os muitos preconceitos q ainda existem aos montes (mas são escondidos porque NINGUÉM é capaz de admitir publicamente isso) talvez tenha mais sensibilidade para tratar tanto das questões práticas do dia a dia (calçadas e meios de transporte inacessíveis, entre muitos outros) quanto de ações educativas para se promover a inclusão e a mudança de mentalidade necessária neste país. É isso. Mil beijos.

  5. Já tive muitas experiências com ginecologistas em minha vida e somente o último é quem me tratou como gente! Já tive muitas experiências com médicos de várias áreas e pouq

    1. Desculpe-me, fui interrompida. Como ia dizendo já tive muuuuutassssss experiÊncias com médicos q me trataram como se eu fosse uma rebaixada intelectual, ou, não sabiam lidar comigo. Espero q essa gineco seja diferente da classe médica em geral. Concordo com vc. Grande parte das secretarias de todos os escalões do País são chefiadas por não def. que não sabe, ou se sabe, é por intermédio da academia, por convivência etc., mas jamais eles (as) irão compreender o q um def. passa com os preconceitos q o massacra, com a falta de acessibilidade e outras coisas. Sou da opinião q secretarias de assuntos para deficientes são cabides de emprego mesmo! Pior é q tem defs q se sujeitam a isso tb. Bjs Suely

  6. Jairão, vc acertou na mosca again ! Criam estas pastas para lotear o poder e o dindin público; pagando dívidas eleitoreiras. Estas pessoas nem sabem 10% dos perrengues que passamos. Farão 4 anos de discursos hipócritas.
    De suas faço minhas palavras.
    Abraço

  7. Oi Jairo!
    Apesar da minha pouca idade,kkkk não acredito que um deficiente vá mudar o rumo de qualquer secretária de acessibilidade sabe por que?
    Porque antes de serem, cegos, surdos, ou malacabos, eles são políticos. Só estão lá por indicação e o critério pra indicação é politicagem.
    Nunca um deficiente ativo e lutador “da causa” simpatizante do PT será secretário do PSDB e vice-versa.
    O cargo foi e será ocupado pelo baba ovo de plantão, pelo vereador não eleito, ou por qualquer outra pessoa deificiente ou não, que vê o cargo e a posição política e não uma possibilidade de melhorar a cidade.
    Façamos uma varredura em todos os políticos deficientes. Mudou alguma coisa?Melhorou alguma coisa? A cadeira de rodas brasileira continua uma merda, o aparelho auditivo de qualidade continua caro, vagas em reabilitação continuam difíceis, se eu me extender muito vc pára de trabalhar só pra ler.
    Como vc mesmo disse em uma postagem anterior :
    ” … Ter uma deficiência, volto a dizer, não é atestado de integridade moral, de competência para falar a seus pares, de comprometimento.

    Eu não voto em deficiente. Eu voto em cidadão comprometido, em quem tenha competência, em quem seja e pareça honesto, em quem tenha ideias e planos que melhorem a vida das pessoas, independentemente de suas condições físicas e sensoriais…”
    Andando ou não, escutando ou não, vendo ou não essas secretarias só serão efetivas quando forem dirigidas por pessoas dignas.
    Beijos

  8. Pelo porte, peso e importância deste blog-fórum chamado Assim Como Você, não é possível que nenhum integrante dessa galera que vai assumir cadeiras em janeiro tenha tomado conhecimento. A não manifestação neste espaço denota covardia ou simples falta de argumentos.

  9. Oiê,
    Pois bem, você convocou e eu estou aqui.
    Antes de qualquer coisa, quero dizer que não fui à passeata porque não estava em SP, OK?
    Voltando à coluna do dia: Minha primeira reação foi: OK, ela não é cadeirante. De repente tem algum outro envolvimento com a causa: tem um filho com deficiência, ou fez a tese dela sobre deficiência, já que é médica.
    Dei uma olhadinha no Lattes dela: nenhuma menção ao tema. Nem em artigos, periódicos, participação em cursos livres, nada.
    Se ela não tem deficiência, não tem convivência próxima com o assunto nem é especialista na área (porque eu respeito os dois tipos de conhecimento – o empírico e o acadêmico) já não me parece tão irracional dizer que a escolha é tão patética quanto todas as outras.
    Netinho, secretário? Se fosse um concurso público, com questões sobre a administração de orçamentos grandiosos, formatação de projetos, será que ele passaria? E na iniciativa privada? Mas na esfera pública o mérito não tem espaço!
    E a tal doutora, será que seria aprovada se houvesse alguma exigência – que não a política – para a escolha?
    Enquanto os méritos são completamente ignorados e todas as secretarias são loteadas (o que diga-se de passagem, não é feito só pelo Haddad, é feito continuamente e abertamente por prefeitos de todos os municípios) minha esperança de uma cidade melhor realmente se esvai.
    Assim como cresce minha decepção ao ver que muitas vezes as pessoas com deficiência na política (sejam deputados, assessores ou vereadores) agem da mesma forma: perpetuando clientelismos, criando relações de dependência, atuando na base de troca de favores.
    Ou seja: o cenário é desanimador, em todas as esferas.
    O que nos resta? Protestar, cobrar, exigir e mostrar para essa e para todas as outras administrações que a pessoa com deficiência vota, vaia, protesta.
    E mostrar que esse tipo de política viciada, corrupta e incompetente não é o que buscamos. Quero acreditar que um dia as coisas serão diferentes, que uma nova geração de candidatos vai surgir, mas por enquanto está bem difícil.
    Beijos

    1. Dê, adorei… eu fiz o mesmo que vc. Examinei a ficha da futura secretária. Como a minha intenção não era personificar a discussão, deixei isso de fora do texto! Beijão

  10. Também concordo com sua posição Jairo, mas, é preciso ressaltar que essa não é uma posição apenas do Haddad. Pelo Brasil todo, nos munícipios que já se dignam a ter a das “Pessoas com Deficiência” e que não são muitos, é difícil encontrar algum “malacabado” em posição de comando.
    São Paulo mesmo é um exemplo disso. Desde que foi criada a pasta aqui na capital, a única secretária realmente portadora de deficiência foi a Mara Gabrilli.
    Isso se reflete nas políticas públicas da cidade: o Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência é um exemplo, se dignaram a colocar uma “presidente” que é deficiente, mas que não manda nada, que é dirigida por assessores que não são deficientes, assim o órgão se tornou um cabide de emprego.
    O fato é que, na iniciativa pública do Brasil são poucos os que sabem fazer o que são nomeados para fazer.
    Em tempo:
    Tem uma postagem no meu blog sobre isso:
    http://www.inclusaoecia.blogspot.com.br/2012/12/dra-mariani-pinotti-e-confirmada-como.html
    Abç!

    1. Raphael, a sua observação está contemplada no texto. Usei SP por trabalhar em um jornal de SP e por ser a cidade emblemática nesse sentido, não é? Abraço

  11. Jairo, quando você comentou que o Haddad fez da secretaria um cabide para acomodar interesses partidarios e politicos matou a cobra a paulada.
    Infelizmente essa secretaria não resolve P…nenhuma. Assim como a secretaria a ser ocupada pelo Netinho nao vai resolver nada. Tudo para pagar as alianças politicas. Belo começo de administracao!

  12. Não sei o que é pior.. morar em uma cidade com uma topografia digna de montanha-russa e não ter ninguém pra te representar ( não temos esse tipo de secretaria aqui..só a de mobilidade urbana e o instituto de planejamento urbano,ambas conduzidas por 2 samambaias) ou morar na maior cidade do país, senão a maior da américa latina, a 4a metrópole do mundo, existir essa secretaria e..não ter ninguem nela que nos represente nbem sinta o que a gente sente. Gostaria que de natal recebessemos mais do que ser plataforma de angariar votos e “corresponsaveis” por cabide de emprego de gente despreparada. Desculpe o desabafo,longo como sempre ehehe

  13. Não vejo problema na pessoa que assumir ñ ser deficiente! O importante é ele estar atento no que as pessoas precisam.. Vi um tanto de deficiente tentando se eleger este ano e eles não estavam preparado para isso!! Então acho que independente de ser deficiente ou não tem que ser comprometido com a causa.E veremos o que acontece nos próximos anos.

  14. Concordo com a sua visão,claro que não se pode por qualquer pessoa só porque é deficiente,mas tem deficientes bem preparados,devidamente qualificados para nos representar,o que é justo e necessário,senão não faz sentido.

  15. Vou fugir um pouco do tema pra ilustrar o que eu penso, tá?
    Outro dia, estava num debate bacana com mães de implantados, sobre educação, LIBRAS x IC e essas coisas que permeiam a cabeça das mães de crianças com deficiência auditiva. Lá pelas tantas, o debate saiu um pouco dos trilhos, porque duas mães (ambas são grandes amigas minhas, que conheço pessoalmente) se emocionaram com as opiniões pessoais. A revelia de quem estivesse certa ou errada, eu me meti. Falei que fiquei surda há 26 anos, quando a maioria delas ainda era criancinha e nem sonhava em ter filho, quanto mais surdo. E que vi muitas mudanças no trato dos próprios surdos no decorrer dessas quase 3 décadas. E que ainda não chegamos no ideal. E, na minha opinião, muita coisa mudou, mas nem sempre pra melhor… Não foi só isso que falei, mas isso acabou levando a conversa pra outro rumo….
    Voltando ao assunto do post, eu concordo com você que sim, deveria ser uma pessoa com deficiência, devidamente qualificada, a exercer esse cargo. Não, não acho que deficiência qualifica ninguém a falar por todos, mas um profissional qualificado E COM deficiência, é o ideal.
    Simplesmente porque ANTES de sentir na pele (seja como alguém que nasceu com ou adquiriu deficiência, seja como pai ou mãe de criança com deficiência), NÃO, ninguém tem a menor noção do que é isso. Não sabe o que é necessario de fato, não sabe como uma pessoa com deficiencia se sente de fato, não sabe o que é sentir preconceito, o que é ter algo inacessível, o que é ter portas fechadas sem motivo.
    Teoria ajuda MUITO, mas não qualifica no carater HUMANO que é necessario para exercer esse cargo!
    Beijinhos

  16. Jairo, você é assertivo quando tem que ser. Acho que a ocasião pede. Como leitor e admirador do seu trabalho, me junto ao coro. Juntando todo mundo, o grito é maior. Abraço!

  17. Tioooooo!!! E posso garantir ainda que além de tudo que vc já iscrivinhou, que se perguntar pro cabra Cecretário, pra que serve aquele rebaixo na guia da calçada nas esquinas, ele vai responder que é pro mortoboy entrá cum mais facilidade e num istraga as roda….eita dureza….

  18. Durante a passeata tive a grata satisfação de ouvir do Leandrão que a futura secretária jamais militou na área e é médica ginecologista. Considerando o orçamento minguado da pasta (atrelado aos recursos de outras pastas, como você disse), aliado ao pseudo-comando por quem não entende p@&$a nenhuma do assunto, dá pra ter uma idéia da maravilha que será o desempenho dessa meleca. Para que não digam que estou com preconceito, vou aguardar, mas não esperem otimismo. Saco!

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