Entre mortos e feridos

Folha

A conta macabra da violência em São Paulo ganha o requinte da soma de “mais alguns” mortos todos os dias. O assunto empapuça, reconheço. É muito mais agradável ler e saber a respeito daquilo que agrega à vida do que sobre a tal “guerra urbana” que passa a impressão errônea de estar acontecendo láááá longe.

Mas, olhando com um pouco mais de atenção, é possível sentir perigosamente o cheiro da pólvora e o vento das balas de polícia e de bandidos passarem de raspão na fuça de qualquer um, mesmo que de uma maneira indireta.

Talvez poucos irão aos velórios das vítimas, mas as marcas da agressão dessa batalha vão estar espalhadas por toda a cidade, seja na ampliação dos estigmas das áreas onde os confrontos se avolumam –até agora, bolsões de pobreza e de degradação social–, seja no enfrentamento da realidade daqueles que pouco aparecem nas estatísticas dos confrontos: os feridos.

Ainda não li em canto nenhum quanto será o “resto a pagar” dessa tragédia. O impacto das mortes de 300 pessoas, até agora, em São Paulo –e abriu-se também, recentemente, uma frente de guerra em Santa Catarina–, é assustador, vexatório e digno de cobertura exaustiva, mas pouco ou nada se relata daqueles que sobraram baleados, acidentados, esfaqueados, quebrados, despedaçados.

Do policial, cobra-se o rigor de agir para garantir o bem-estar, a tranquilidade do passeio no parque, mas nunca vi organizarem por aqui a “parada do orgulho do soldado ferido”.

Não é à toa que repor essa “peça” fundamental da engrenagem de segurança pública esteja se tornando uma missão delicada e complexa.

Ao passo que nos EUA e na Europa um agente público que tenha se tornado deficiente durante o trabalho ou em campo de guerra é reverenciado, indenizado e amparado por sua bravura, a tradição brasileira é esquecer essa gente e dar a elas a própria sorte: “Faz parte do ofício”.

Quando a vítima da violência é o criminoso, nos casos em que não se perpetua uma das transgressões máximas aos direitos humanos que diz que “bandido bom é bandido morto”, e sobra algo de vida a ele, a pintura que resta à sociedade é invariavelmente gótica.

O próprio “seu ministro” falou que preferia morrer a ficar em prisão brasileira. Imagino que se colocasse a ele um elemento a mais, a prisão a bordo de uma cadeira de rodas, talvez o homem não desejasse nem ter nascido.

Drauzio Varella, em “Estação Carandiru”, retratou em um capítulo o purgatório que detentos com deficiência passam na prisão. Por vezes são destruídos por perebas que consomem a pele sem sensibilidade, por outras apodrecem sozinhos devido à imobilidade impeditiva para tomar qualquer ação vital.

Na guerra urbana, tanto policiais como bandidos feridos que tornaram-se “prejudicados do esqueleto”, em suas mais diversas maneiras de manifestação, vão se transformar em pessoas que provocarão reflexos diversos dentro da sociedade.

A conta pode chegar por meio do incremento de gastos com saúde, com assistência básica de sobrevivência às vítimas e também de uma maneira mais cruel, o vergonhoso abandono à própria sorte. Torço por saída mais honrosa.

Comentários

  1. Oi tio! Quanto tempo que nao comento aqui né!! To aqui em Sao Paulo e morrendo de medo dessa violência toda. Minha terra eh um pouco mais tranqüila rss abração

  2. Sou uma brasileira que moro no libano , e fiquei encantada em te conhecer atravez de um pouco que li aqui .parabens pelo que voce eh e pelo seu trabalho.voce eh uma pessoa formidavel , digna de admiracao.espero conseguir acesso ao seu trabalho de hoje em diante. Vale a pena conhecer gente como voce! obrigada.

    1. Puuuuuuxa, Mabel… eu sou apenas um “minino bão” que nasceu no interior e veio pra “capitar” estudar!!! Mas a sua presença aqui muito me orgulha e me honra, viu?! Bjosss

  3. Concordo em partes com Thiago,só que a violencia chegar até a eles não vai mudar muito coisa pra sociedade, até mesmo porque é mais facil eles se blidarem, se proteger, reforçar a segurança deles do que mudar alguna paragrafos na lei que muitas vezez favorece a eles mesmo POLITICOS CORRUPTOS

  4. Concordo com o Thiago e com o Rogério. Vou além: a ética ou os valores humanos devem ser revistas urgentemente, mas penso q isso vai demorar pra chuchu. Não q esteja sendo pessimista. Acho q estou sendo realista. E acho q os Direitos humanos cuidam somente dos criminosos e não de suas vítimas, pelo menos, eu nunca ví nenhum integrante dos direitos humanos irem ajudar uma vítima sequer até agora. Bjs. Suely

  5. Bom, acho que não vale a pena discorrer sobre a boçalidade dita por aquele ministro boçal. O interessante é que de repente descobriram que os presídios brasileiros são um atentado à dignidade, por coincidência quando rolou a possibilidade de jogarem um Dirceu da vida lá dentro. Meu rei, é tanta coisa a ser mudada neste país, que não vejo possibilidades a curto e médio prazos, e torço para estar sendo pessimista. Especificamente quanto aos deficientes, a coisa extrapola as ruas e os presídios. Uma vez fui com minha turma tocar num asilo público, onde havia algumas pessoas em cadeiras de rodas e outras tantas com sérios comprometimentos mentais. Mesmo os internos ‘normais’ os discriminavam. Em alguns pontos concordo com o Thiago: nossas mazelas, aqui do andar de baixo, precisam chegar às casas dos ministros, deputados, senadores e desembargadores. Eles precisam sentir na pele o que é ter medo de sair de casa (medo de bandido e de polícia), ter os filhos em escola pública, precisar do SUS. Sobre os exemplos que vêm de fora, conheço um caso nos EUA de um veterano de guerra abandonado à própria sorte sobre sua cadeira de rodas (amputado por ter pisado numa mina). Não sei se é caso isolado. Assunto punk, hein? Abração!

  6. Sei que vou ser apedrejado por dar minha opinião, mas tenho direito à ela: sabe quando tudo isso vai mudar, tanto a abordagem no trato com policiais, quanto a manutenção digna dos presos, quanto aos feridos e às vitimas malabacadas ou nao dessa guerra urbana? Quando começarem a assaltar casas de ministros, sequestrarem filho de desembargador, quando a violência ( que muitos teimam em achar que “nem é tanta assim, é a mídia que faz parecer assim”) chegar lá em cima, junto à realidade dos inatingíveis, dos grandões.Só assim pra mudarem tudo.Pode parecer maldade da minha parte, mas eu, no meu entender, to sendo realista.Quanto aos policiais e apenados deficientes, eles são vistos como a maioria de nós ainda é: um estorvo. O cara que “atrapalha” com a cadeira, o ceguinho que atrasa o ônibus pra poder entrar etc. nem tudo que vem dos EUA é coisa boa..mas quem dera tivessemos e fossemos 1/3 do que eles são.

    1. Não que eu seja afavor da violência ou queira algum mal pra alguém, mas Concordo contigo Thiago….
      Só levando a violência até eles pra verem que ela existe….

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