Visita lá em casa
Receber gente em casa, morando em uma cidade que amarra a vida no trânsito, no trabalho e nas blitze da lei seca, tornou-se um acontecimento um tanto raro e complicado.
Some-se a isso um agravante do mundo moderno para a total falta de gentileza de convidar quem se gosta a ir “lá em casa” tomar um café e comer biscoito de polvilho: moradias cada vez menores. Quando os meninos entram na sala, empurram os pais para a cozinha.
Mas, vez ou outra, para não se isolar totalmente da convivência social, para que se ganhe sabonete no dia do aniversário, para ter a quem pedir dinheiro emprestado, é preciso firmar o pensamento e botar mais água no feijão.
Receber visitas pode, ao menos, ser uma grande oportunidade para que se aprecie aquela geladeira nova, que faz gelo que é uma beleza, para falar mal do prefeito Kassab (ou de qualquer outro) e para elogiar a árvore de Natal, absolutamente igual à do ano passado.
“Meu bem, chamei a Flávia para comer conosco no domingo. Vêm ela e o namorado.” Tudo certo, adoramos a Flavinha e seria um ótimo dia.
O lance é que ela é tetraplégica, daquelas pessoas que dão um trabaaaaalho lascado pela quase ausência de movimentos nos braços, pernas e tronco, o que a faz também ser cercada por pessoas amadas e amáveis.
Flavinha usa um “automóvel” daqueles que o povo adora chamar de “cadeira elétrica”, mas que quem o dirige e usa como extensão do próprio corpo prefere chamar de motorizada, por razões óbvias.
Como também sou cadeirante, minha “goma” estaria preparada em relação à logística dos acessos que dariam conforto à amiga.
Só que, na casa da gente, tudo se acomoda para servir à predileção de estética, de conforto e de ajeitamento da bagunça própria de cada um.
Acessibilidade e desenho arquitetônico para todos não costumam ser realidade “na casa de ferreiros”. O que importa mais é o sabor do churrasco e um ambiente de boas-vindas.
“Meu bem, com esse sofá aqui a Flávia não vai passar. Olha que estreito que fica o espaço”, alertou a mulher. Toca arrastar o museu vermelho de lugar.
“E se ela quiser dar uma pitada na varanda?” Mudamos de lugar, então, o vaso de uma planta que sobrevive com muita garra e determinação, há meses sem ser regada, pelo menos por mim.
“No banheiro ela não vai conseguir entrar.” Claro que entraria. Era só passar meio que raspando a parede, já bem marcada de gris por minhas próprias rodas. Banheiros, por sinal, são os infernos para os visitantes com deficiência à casa de parentes, amigos e enroscados.
Quando “difinitivamente”, como diria minha tia Filinha, o espaço não acomodar uma cadeira de rodas, oferecer uma ajudinha sincera, uma cadeira de escritório, daquelas com rodinhas, pode ajudar bastante.
Ao final das contas, a visita de “Flavinha” lá em casa foi um sucesso e deixou saudades.
Nem sei quantas bocas-livres já perdi na vida pelo fato de os outros acharem que não daria para receber um cadeirante em suas casas. Sempre dá, desde que haja disposição para uma repaginada básica na sala, na cozinha, na casinha do cachorro (para receber cegões com seus cães-guias, evidentemente).
Tenho uma escoliose ferrada, será que entro no time dos malacabados? rs
Essa expressão lembra mt meu avô, ele vivia usando de graça.
Enfim… sou arqueóloga, participo de um ecomuseu e seu post me lembrou uma vez que guiei uma turma de cadeirantes nas ruínas de um sítio histórico e depois pelas trilhas do sítio.
Ô povo com garra! De longe foi uma das turmas mais prazerosas de guiar.
Parabéns pelo blog, é uma iniciativa bem útil, vou favoritar! 😉
Laaaaura, leva eeeeeeu ahahahhaha.. deve ter sido fantástica e suada essa aventura ahahaahah.. um beijo
Jairo. Eu já recebi uma familia de cegos aqui em casa. Fiquei um tanto apreensiva sobre o que oferecer na janta… e inventei foi é pizza para comer com a mão, porque eu fiquei sem graça de perguntar como é que eles fazem com os talheres e para achar a comida no prato em casa desconhecida. No fim deu tudo certo, tomamos vinho e demos muita risada. Abraços.
ahahaahhaha…. Dani, perguntar ajuda muuuuito, mas concordo que deixa a gente sem graça. O bom é que vc é uma garota mega esperta… ótima solução!
Da horinha o texto!
Valeu, abraço!
Consegui rir um bocado com o seu texto, Jairo! Gosto da forma como escreve, sempre com um toque de humor. Vez ou outra tô passando por aqui pra conferir seus textos. Beijos. 🙂
Que gostoooso! 😉
Para estar perto de pessoas queridas, com criatividade tudo se ajeita! Beijocas
E um pokim de boa vontade ahahhaha.. bjos
Jairo, como sempre vc foi no cerne da questão.
Parabéns mais uma vez pelo texto que diz o que muito de nós sentimos.
Abraços!!!
Ôh, Ronaldão, valeu… parceirão!
Jairão, de todos os perrengues de ir a casa de um amigo ou parente o que mais me incomoda são os banheiros, deviamos fazer um abaixo assinado e proibir por completo a produçao das portas de 60 cm, um martirio na vida dos cadeirantes. abçs e saudades.
Eu topo, Zé! ahahahha…. abraço… tava sumiiiido, heim?!
Outro dia comentei com a Denise dela vir tomar café comigo numa cafeteria que amo, perto de casa e… depois comecei a pensar “putz, será que é acessível pra Sofia?”
Essa nossa comunidade de “gente diferenciada” (odeio o termo, mas é licença poética) faz a gente começar a pensar diferente, a se colocar no lugar do outro… Será que meu amigo cadeirante chega aqui? Será que esse vídeo está acessível pro meu amigo cego? Quero ir ao teatro, mas minha amiga é surda. Será que tem LIBRAS lá? E legenda? Vai que ela é oralizada, né?
É uma coisa de pensar que nem tudo a gente pode compartilhar do jeito que quer… 🙁
Mas, o lado bom é que existe vontade de estar junto, de trocar idéia, de fofocar, de esticar uma palhinha, etc..
E no fim, é só essa vontade que interessa.
Delicia que deve ter sido essa visita, heim? Vc que cozinhou?
Beijos
perfeito!!!! Quando temos o coraçao aberto e acessível, todo o resto ( mobília, sofá, tapete ) fica tão insignificante……Bjus para os dois!!!! <3
Jairo, e quando até o elevador da garagem do prédio do vivente tem degrau? Improvisa uma rampa de tábua?
Estou aqui rindo da preocupação de vocês, realmente receber é uma arte. O cômico na situação é que você, um malacabado juramentado, e a Thaís, mais do que tarimbada, estavam beirando o apavoramento com a visita da Flavinha, vê se pode! Eliana e eu vamos reformar os banheiros daqui de casa (na verdade vamos refazê-los), e o social vai ter um tratamento diferenciado. Não vai dar para fazer acessível conforme manda a ABNT, mas será pelo menos ‘entrável’. A idéia inicial era colocar uma porta corrediça, logo descartada. Então, estamos para decidir entre uma porta mais larga, feita sob encomenda, ou acatar a sugestão da arquiteta de inverter a abertura. Só não dá para ficar como está, porque como posso receber um cadeirante, se a cadeira não entra no banheiro? Assim que ficar pronto (estou enfrentando um problema seriíssimo para encontrar profissionais para execução do trabalho), aviso os amigos, pra mode tomarmos umas brejas sem preocupação com perrengue nenhum.
Esse lance ai é complicado por demais. Fiz uma visita a uma amiga feriado passado nas Minas Gerais e como sempre as adaptações não eram as melhores , mas tudo com boa vontade se ajeita! Até em rua de terra eu “andei” e ladeira eu subi.. rs Bjs