Fala, Rui!
É “di certeza” que ter alguma dificuldade de fala é ter também um caminhão de melancia para descascar. São dezenas as situações cotidianas bem complicadas para serem resolvidas em decorrência da quase ausência das palavras ditas.
Muitos se condoem e ficam imaginando a labuta de não enxergar diante de uma sociedade tão apegada ao visual, mas não falar pode botar o cidadão em um mato sem cachorro em dias em que soltar o berro é básico para sobreviver.
São raros os casos em que as pessoas são absolutamente mudas nesta vida. Geralmente, o indivíduo consegue propagar alguns verbos, expressões, grunhidos, cacarejos ou mesmo uma frase simples em intervalos espaçados.
Um conceito bastante usado até hoje, de forma equivocada, é o do “surdo-mudo”. Conheço vários seres viventes cujo escutador de novela é prejudicado, mas que falam mais do que o homem da cobra.
As cordas vocais podem ficar inativas em alguns surdos, mas, quando estimulados, quando possuem acesso à tecnologia, muitos deles conseguem desenvolver maneiras de botar a boca no mundo.
Agora, gente com dificuldade de dizer “Araraquara”, “Pindamonhangaba” e “Itaquaquecetuba” tem aos montes. Pensar, por exemplo, que vítimas de AVC (acidente vascular cerebral) podem ficar com sequelas no departamento do palavreado é imaginar um volume considerável de pessoas no time.
Só no Estado de São Paulo, no ano passado, foram 39 mil internações em hospitais públicos por causa de AVC. Como os sintomas ainda são pouco difundidos –tontura, confusão mental, dor de cabeça, visão limitada, perda de força ou formigamento de um lado do rosto ou do corpo, pronúncia errada de palavras, boca torta e dificuldade de compreensão–, demora-se para buscar socorro e está lá mais um “serumano” falando pouco.
O Rui, um fotógrafo amigo meu, foi um dos brasileiros que tiveram AVC e ficaram atrapalhados nas palavras. Ele até que proseia um bocadinho, mas demoooora. Como, cada vez mais, paciência e compreensão com as dificuldades alheias tem custado caro, não raro o Rui fica igual àquela música caipira: “falando às paredes”.
Em viagem recente ao exterior, Rui passou maus lençóis ao tentar se comunicar com uma gringa que pedira a ele uma informação. “Éééééé… hummm… Sooorrrryyy…”
A moça foi embora, com um sorrisinho amarelo, e o Rui não terminou de falar o que queria: “Sorry, I don’t speak English.” Sem falar que –trocadilho infame!– deve ter imaginado aquilo que o senso comum tende a pensar de quem tem dificuldade de se comunicar com palavras: “Coitado, é bobo.”
Mas nada consegue emudecer mais quem tem a fala afetada do que ficar tentando adivinhar o que ele quer dizer, completando palavras ou especulando sobre o raciocínio começado. Aí o caboclo trava de uma vez. Desse mal, também padecem e se enfurecem os gagos.
O silêncio tende a ser taciturno, tende a deixar as pessoas demasiado introspectivas, é alvo de olhares suspeitos. Em vários casos, porém, melhor seria se fosse possível compreendê-lo, respeitá-lo e encontrar um caminho possível para quebrá-lo.
Oi Jairoldo to sumido né? Com esse frio que ta fazendo to hibernando rs o Rui é um vencedor.. nao sei se eu conseguria falar.. falo mais que o homem da cobra..rs acho que se as pessoas tivessem mais paciencia de esperar que ele ( e os gagos) terminem a frase, as coisas melhorariam um pouquinho pra ele.. to tentando fazer minha parte 😉 Tb queria fazer uma “propaganda” posso? Hoje 27 de setembro é dia nacional da doação de órgãos, e todos podemos precisar um dia ou conhecer que precisa.. e alguns de nós tb podem doar.. isso independe de ser estropiado ou não ser, ent]ao pensemos no assunto. Abração!
Quando o objetivo é entender, nada melhor que ser paciente. Isso tem faltado, já que as pessoas estão sempre com pressa.
Ah, sei muito bem o que é isso. As vezes, nós que temos os escutadores de novela avariados por natureza, acordamos num dia que a voz não sai boa ou estamos tensos ou emocionados demais e ela trava, um inferno. As pessoas não tem boa vontade e já partem do pressuposto que toda pessoa com dificuldade de fala tem dificuldades de raciocínio também. Não raro pararem de falar conosco e falarem com nosso acompanhante.
Isso porque nosso problema é mais a maneira que a voz soa, do que dificuldade de falar. Pontos articularios diferentes, já que a gente não controla a voz por feedback auditivo, mas por vibração.
Imagino como deve ser complicado pra quem tem afasia ou outra circunstância que realmente atrapalha o ato da fala em si. Haja paciência pra conviver em sociedade, né?
Beijinhos sonoros biimplantados,
Lak
Bom seria se a gente vivesse numa sociedade que fosse mais humanitaria e menos critica né Jairo??? Pois assim antes do povo sair julgando sem saber o por que da pessoa agir assim, perceberia de cara que nesses casos ha algum tipo de problema e não sairia rindo pelas costas ou fazendo gracejos desagradaveis, sem saber o real motivo da pessoa agir assim.
Bom falta de cultura vai sempre gerar esse problema, “mentes pequenas, e a boca sempre aberta”.
Abraços tio Jairo!!!!
Sou docente de educação profissional e ao procurar um artigo que trouxesse o tema da comunicação, encontrei este ótimo artigo!
Ótimo para trabalhar que esses ‘problemas’ e dificuldades vivenciados pelos gagos ou quem fica com sequelas de doenças, ocorre com jovens e adultos “normais” que poderiam se comunicar muito bem, mas a vergonha, o medo de rótulos ou tantas outras causas podem prejudicar e muito, inclusive em momentos decisivos da vida profissional. Muito obrigada e parabéns!
Muito grata e parabéns!
OiJairo! Está muito legal o texto de hoje, mas vc se esqueceu dos pcs. Há muitos deles q não conseguem falar normalmente e é difícil pra caramba entende-los. No meu exame de qualificação do doutorado levei um gravadorzinho (daqueles q os repórteres mais antigos usavam) e fiz os 5 membros da banca escutarem a fala de um dos meus sujeitos de análise de pesquisa. Eles ficaram muuuuiiitoooo sem saber o que dizer e desconsertados. Foi interessante ver as reações deles. Isto foi em 1993. Bjs.
Que oportuno,Jairo, nos lembrar de que somos humanos e deveríamos enxergar melhor outros seres humanos…lindo texto e além disso, escrito com leveza e bom humor.
Bacana. Adorei.
Vixi, isso conheço bem. Nos idos de 71 e quando fiquei com sequelas no departamento do palavreado nem se cogitava o termo doença do pânico mas, em situações que a comunicação verbal era necessária esses sintomas me afloravam pelo corpo todo e confesso que até hoje ao ouvir o telefone tocar não me sinto muito confortável e posso até afirmar que fui vítima do reflexo condicionado de Pavlov, só que a gente sempre inventa situações para poder contornar isso.