Choro de mãe

Jairo Marques

Não tenho dúvidas de que são as mães desse povo, que deixa de andar, de ouvir, de ver ou que nasce todo prejudicado de tuuudo, que sofre grandes choques, acidentes, as que mais passam momentos de sufoco, de dor, de desespero.

Eu me lembro dos momentos duros que enfrentei em várias cirurgias e reabilitações para tentar dar uma aprumada em meu esqueletinho de menino, de adolescente, mas dona Marli, minha mama, não esquece os detalhes, as falas dos médicos, as minhas expressões e meus choros mais agudos.

Vi pouquíssimas vezes minha chorando nessa batalha quase insana para que eu evoluísse diante do quadro da paralisia infantil, mas é doloroso demais imaginar as cenas que ela não conseguiu segurar firme o rojão de levar adiante sua cria doente.

Brindo meus queridos leitores, hoje, com um grito de mãe diante das adversidades enfrentadas por sua filha. Um texto delicado, intenso, emotivo e que tenho a honra de compartilhar com vocês para que agucem de maneira ainda mais forte o amor que sentem por suas queridas “sofredoras em paraísos”.

Erika Zidko mora na Itália e acompanha o blog há teeeempos. É mãe da pequena Alessia, que desde o nascimento enfrenta desafios de adultos para se manter viva e sensorialmente “normal”.

Porém, como a própria Erika fez questão de frisar, o relato abaixo não é sobre uma criança em especial, para uma mãe em especial, para uma mulher em especial… ele é uma carta de amor….. do maior amor possível… o de mãe, para seus filhos…

Ser mãe e ponto

Com você aprendi que a vida é muito maior do que nossos e sonhos, desenhos e convicções. A vida não é sempre como gostaríamos que ela fosse, tampouco uma ameaça constante ou um inimigo a ser controlado, mas é tudo o que temos.

 Você nasceu muito antes do tempo, com apenas seis meses de gestação e pesando pouco mais de meio quilo. Com urgência, lhe deram meios para respirar. Com resignação, escolhi um nome para lhe recordar.

 Nosso primeiro encontro não foi como eu havia planejado. Entretanto, o que permanece daquele instante é a dignidade com a qual você lutava. E invejei a sua vontade de viver. Com você, a vida é hoje.

 E “talvez só hoje”, diziam os médicos. Mas com a ajuda deles você desmentiu as piores estatísticas. Embora eu lhe tivesse dado à luz, a sua existência não dependia mais de mim. Aprendi cedo, um filho é para o mundo.

 Você tinha menos de um ano quando soubemos que os tratamentos que lhe salvaram a vida haviam causado a sua surdez. Desejei que o mundo fosse um lugar melhor, com espaço para a diversidade e tolerante para com os menos hábeis. E me senti em culpa por não tê-lo preparado antes. Com um longo abraço, lhe dei o consolo que servia a mim.

 Felizmente, com as cirurgias de implantes cocleares e com seus aparelhos externos você agora pode ouvir e falar corretamente. No seu percurso, você conheceu mais médicos do que parentes. A vida, filha, é inexata.

 

Na imagem, Alessia com a cabecinha enfaixada, recém-passada por uma cirurgia para botar os implantes

 Mas com a sua eu aprendo a ser melhor. E na fila para receber o certificado de invalidez, enquanto eu sofro por você ter que estar ali e remôo o meu rancor contra a impessoalidade do sistema público de saúde, você distribui sorrisos.

Ou então, caminhando pela rua, descubro que aquela pessoa que olha com insistência para os seus aparelhos não é um mal-educado indiscreto, mas alguém que tenta me ajudar enquanto, tendo você no colo e as mãos ocupadas, procuro reposicionar o imã que matem o implante apoiado à sua cabecinha.

E percebo que se alguém pergunta se você deverá “usá-los para o resto da vida” ou comenta que “com os avanços da tecnologia logo logo vão inventar aparelhos que não se notem tanto” é só para dizer algo gentil e, em seguida, acabar acrescentando que “pensando bem, a quem importa se eles são visíveis ou não?”.

Mas aprendo, principalmente, a ser mãe. Indiferente ao seu cansaço você não quer terminar a brincadeira no parque. Protesta, me insulta e joga longe os seus aparelhos de ouvir. Contrariada, tento lhe convencer a recolocá-los, mas você chora e me agride. Com você, a vida é inteira.

Contente com o novo presente, durante a noite você acorda, acende a luz, tira a gaita debaixo do travesseiro e assopra notas. E ri, mesmo sem os seus aparelhos, como se escutasse melodia. De admiração, eu choro um pouquinho. Mas aceito o seu convite e, no meio da madrugada, você no seu silêncio e eu no meu pijama, dançamos juntas. Com você, a vida é música.

Depois do banho, você tem pressa em recolocar os aparelhos. “Põe rápido mamãe, porque estou sem voz!”. Rio da sua lógica e você se ofende. Com você, a vida é espelho.

É dia de chuva, de mau humor e de sacolas. Você se recusa a caminhar, faz pirraça e se deita na poça d’água. Me sinto uma formiga perdida do grupo e sonho com alguém que me espere em casa com a mesa posta e pronta pra receber com benevolência os meus piores disparates. Com você, a vida é filha.

Você agora tem quatro anos e quando saio de casa segurando a sua mãozinha, me pergunto se estou sendo uma boa mãe, a melhor que você poderia ter. Repasso na minha memória meus episódios de impaciência, de cansaço, revejo minhas preocupações mesquinhas e coloco em dúvidas as minhas poucas certezas.

Tento descobrir se você percebe os meus momentos de fragilidade, se lhe transmito segurança ou, ao contrário, se lhe protejo demais ou, ao contrário, se lhe estimulo mais do que deveria. E como qualquer outra mãe, fico sempre com a impressão de que eu deveria fazer mais por você. Mas sorrio. Porque ser mãe de uma criança deficiente não é uma benção, nem um castigo. É ser mãe e ponto.

Mas você corre sempre à minha frente. E, ansiosa, pede que eu lhe alcance. Olha pra trás e me sorri. Seu sorriso é inteiro. De quem sabe que o mundo está da sua parte.

Para saber mais sobre a Alessia: http://diariodaalessia.blogspot.com.br/

Comentários

  1. Sabe Jairo, fico pensando que estas mães e seus filhos são de outro mundo, não devem ser desse mundo pequeno, arrogante, sem amor, sem humanidade.Elas sim sabem o que é AMAR um filho.

  2. Jairo, não sei o que comentar, muito lindo, que mãe iluminada e forte.Desabo a cada tosse que o guri aqui de casa dá e penso como sou frouxa.Imagino como é enfrentar tudo o que essas mães passam, na luta por seus filhos, num mundo tão cruel.

  3. Assim o coração num aguenta !! Minha mãezinha que já mora no céu desde 1996, também passou altos perrengues com a minha pólio. A Érika e Alessia são guerreiras, cada uma a seu modo, e constroem uma linda história.

  4. Jairo, post lindo!! Ser mãe é isso mesmo. Filhos “normais” ou deficientes são sempre filhos. Meus filhos são bençãos de Deus. As dificuldades que enfrentamos no dia-a-dia nos fortalecem e nos tornam pessoas melhores. Bjs.

  5. Que carta maravilhosa..me emocionei adorei lembrei me da minha neta Aléxia que veio ao mundo este dias e é portadora de uma deficiência meu dia ficou melhor hoje ao ler essa cartinha de amor de mãe boa tarde de alegrias e paz Jairo bjim da sua fã meio mala cabada da audição!

    1. Ahhhhhhh, Alcione… que delicia de comentário…. obrigado por compartilhar emoção com a gente!!! bjosss

  6. Jairo a frase é sintese do que é ser mãe,é mãe e ponto final,claro que todas nós queremos o “perfeito”,mas viramos leoas se a vida não nos satisfaz,vamos a luta para que nossos filhos sejam e tenham o melhor.Tenho certeza que foi o que sua mãe fez,com todas as dificuldades que encontrou,lágrimas caidas,pq não,a preocupação sobre o mundo que os aguarda é uma realidade,mas se faz necessario para mães e filhos enfrentarem,bjssss PS:quando será papai,para nos contar sobre essa experiencia…hummmmmm

    1. Obrigado, querida!!! Compartilhando cada vez mais a leitura do jornal e a do blog, né?! Que demais! 😉

  7. Muito emocionante!
    Essa mãe sabe expressar
    seus sentimentos.Elae é capaz de arrancar lágrimas até em quem pensava não ter mais nenhuma prá derramar.

  8. tenho certeza que somos fortes o suficiente para superar, mais lendo essa carta da mãe da Alessia, consegui colocar pra fora um choro que estava preso a muito tempo, que me empedia de dizer que talvez eu ñ seja forte o suficiente sempre, mais ñ quero passar esse sentimento para meu filho ele é uma criança especial.Vamos vencer! Eu preciso acreditar nisso.

    1. Edilaine, vão vencer… sem dúvida… basta não parar de procurar os caminhos, de buscar conhecimento, de estar lutando! Beijosss

  9. Fantástico… já pode chorar? Mães são fantásticas, únicas e iluminadas. Jairox, obrigada por nos proporcionar esse texto.

    Um beijo!

  10. adorei o texto “Porque ser mãe de uma criança deficiente não é benção nem castigo é ser mãe e ponto”essa frase causa uma reflexão maravilhosa abraços

  11. Meu Pai do Céu, que presente lindo!!!! Tenho uma irmã com síndrome de Down e sei tudo isso que minha mãe passou ao descobrir.Hoje temos um “anjo do céu” em nossa família.Obrigada pelo presente, pela VIDA!!!

  12. Lindo e emocionante, a garganta apertou, o coração ficou pequeno e os olhos marejaram ante a grandeza de sentimentos. A vida é muito mais.

  13. Simplesmente lindo…
    Meu marido que me enviou esse post…estou sem palavras…
    Essas palavras acabam acalentando medos e incertezas, são sentimentos parecidos, que ao conhecer histórias semelhantes, nos sentimos mais fortes e capazes. Também sou mãe de uma menina com Implante…
    Parabéns pelo post…

  14. oi Erika .Vc disse tudo k eu sempre kiz ,desde que minha filha perdeu a visao. Obrigado .Ser mae e isso !!!!!!! Lutas e conquistas diarias…….. Te amo. FELIZ DIA DAS MAES!!!!!!!!!!BJSS

    1. Oi Tereza, desejo um ótimo Feliz Dia das Mães pra você também! Com muito afeto! Erika

  15. Nossa Jairo que materia mais lindaaaaaaaaaa. PARABÉNS.
    Leio muito sobre vc e confesso que tinha curiosidade de conhece-lo, mas vejo agora que nem precisa já te conheço e te admiro.
    Também sou mãe de um “implantadinho” lindo e gostoso de 6anos (falante, inteligente e sem menor preconceito dos seus aparelhos) que me mata e me ressuscita todos os dias com sua EVOLUÇÃO MÁGICA, é lindo demais …. inenarável …. me vi no relato dessa mãe e chorei. Obrigada meu querido e que DEUS continue abençoando todas essas mães guerreiras, mais que ESPECIAIS.
    Um radiante dia e muitos bjos, nós presentei sempre com essas materias.

    1. Puxa vida, Débora, que carinho gostooooso… Obrigado pela confiança… e vamo que vamo tentar construir um mundo melhor pro seu pequeno tb!!! 😉

  16. As falas dos médicos a gente nunca esquece. No meu caso, pensando: estavam errados e eu sabia. Passamos nossos bocados separadas, como você sempre diz e, Erika, sem você, a vida é saudade. Fila dos serviços públicos para pegar os certificados de invalidez para o trânsito, para a aposentadoria etc. Meu pai se negou a fazer isso com o meu irmão. Agora que estou grávida eu quero evitar que minha mãe o faça e crio coragem para fazer eu mesma. Por essas e por outras é que você não liga que ele beije a sua mão com a boca toda babada. Depois de tudo, para você, todas as vidas são normais. Não se questione. Nessas de ser tão mãe, você esqueceu como é ser filha. A gente reconhece sim. Eu amo você.

  17. ” Porque ser mãe de uma criança deficiente não é uma benção, nem um castigo. É ser mãe e ponto.”

    Erika, obrigada de coração por essa frase. Amei com todas as minhas forças, porque fico cansada de ler as mães de crianças com deficiência agirem o tempo todo como se o mundo lhes devesse algo. Acho que ser mãe não deveria ter escalas, deveria ser sempre estar no topo do topo e ponto final.

    Obrigada, Erika, pela força que você me deu quando eu fui fazer a minha cirurgia. As fotos da Alessia sorrindo me deram força suficiente pra entrar em paz na sala de cirurgia, pensando “Se uma criança tão pequena passa por isso e sorri, quem sou eu pra agir com menos dignidade?”

    Isso acabou mudando não apenas a minha vida, mas a vida de muitas pessoas que foram atras do IC depois de mim, de mãos dadas com a coragem que tiveram graças aos relatos que eu fazia, com serenidade. Uma serenidade que foi possível por sua causa…

    Obrigada pela sua coragem de mostrar que o IC vale a pena pra uma criança pequena. Pela coragem de mostrar que a história de vocês é bonita, poética, mas apenas uma história, nada de heroismos ou coitadismos. Apenas uma história que vale a pena de se viver. Todos os dias!!!

    Jairo, obrigada de coração por esse post! Lindo demais!!

    Beijinhos

    1. Oi Lak, eu é que tenho que te agradecer, em nome de inúmeras mamães, pela ótimo serviço de informação que você presta com o seu “Desculpe não Ouvi”. Um abraço forte forte, meu e da Alessia!

  18. Por intermédio da Lak conheci a Alessia, eu aqui, ela lá na Itália. Sabe aquela coisa de paixão, de ver um rostinho sapeca e ter vontade de dar um beliscãozinho, do tipo que não dói? O legal do “Diário da Alessia” é que não é escrito pela mamãe Erika, mas pela própria Alessia. Deem uma olhadinha no blog e vocês vão ver que quem conta as histórias é ela. A mamãe só digita.
    Acompanhei todo o período que antecedeu o implante coclear da minha amiguinha da zoropa, torci por ela no dia da cirurgia, mais ainda na ativação, e vibrei quando a Erika postou um vídeo curto em duração mas delicioso feito um longa do Almodovar, em que ficava claro que a pequena Alessia já estava não só ouvindo sons, mas também distinguindo e compreendendo a voz humana e respondendo às perguntas do que imagino ser um parente ou a própria fono.
    Não conhecia esse lado poético da Érika mas, pensando bem, toda mãe é assim.
    Adorei.

          1. É um video tão “antigo” Jairo, um trechinho de uma sessão de fono. Se vcs quiserem depois posto um mais recente e mais curtinho. Ta aí, gostei da ideia, vou pedir pra ela mesma dizer um recadinho pro cêis dois, titios veizinhos! bjs

  19. Bonito por si só. Mães são bonitas, são iluminadas, são fortes e são mães. Bjo mãe te amo.

    Bjs Jairinho

    PS: Dá uma olhada na matéria da Revista Claudia deste mês sobre mães que adotam filhos com algum tipo de deficiencia ta linda de viver !

        1. Acabo de ver também uma capa linda da Info – Superação Ciborgue. Não li a matéria, mas parece ser boa.

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