Identificações

Jairo Marques

Durante muitos anos da minha vidinha pacata lá das “Trelagoa”, eu imagina que era exemplar único da minha espécie “matrixiana”. Não via pelas ruas, na escola, na praça ou nos matos (uia :D) outros com as canelinhas secas montado em uma cadeira de rodas iguais a mim.

Identificar-se com pessoas que passam pelos mesmo “trampos” que você para dar um jeito de viver tem uma importância ímpar. Com o outro a gente aprende, a gente ganha esperança, conhece novos caminhos, descobre possibilidades.

Apenas quando vivi um tempo em Brasília, arrumando a funilaria no hospital Sarah, é que descobri que haviam outros cadeirantes e que eles namoravam, tinham carro, tinham cadeiras bem levinhas e eram essencialmente felizes do jeito que eram.

No encontro do blog, no último sábado (14), várias mães fizeram questão de levar seus filhos para que eles se identificassem com seus futuros. Também tiveram por lá crianças normalzinhas que aprenderam mais sobre diferenças….. lindo demais….

E foi lindo demais, também, quando vi nos Facebook uma imagem de uma garota liiiiinda ao lado de uma menininha com a mesma ‘malacabação’ que ela. Como diria o meu amigo Wadê: “pirei”.

Por isso, convidei a gatíssima Karlinha Garcia, lá das Santa Catarina, para contar um pouco pra gente sobre seu emocionante encontro com a gracinha da Manu…

História daquelas para que tenhamos um final de semana cheio de bons pensamentos, de boas energias! Bora ler?! Beijos nas crianças!

rolleyes

Dois anos depois de ter criado o blog Koisas Com Ká e ter me tornado leitora do “tio” Jairo Marques, recebi a honrosa missão de contar por um pouco da minha história e do meu encontro com a pequena Manuela. Sem dúvida, é bastante difícil resumir meus 27 anos de vida e conseguir transmitir toda a emoção sentida no encontro com a menina.

 Sou catarinense, de uma cidadezinha chamada Garopaba – uma praia belíssima próxima à capital, Florianópolis. Nasci com uma patologia chamada Artrogripose Múltipla Congênita (carinhosamente apelidada por AMC) que, como o próprio nome sugere, refere-se a um congelamento das articulações (cotovelos, joelhos, ombros, tornozelos, quadril).

A AMC ocorre durante o desenvolvimento do feto e implicou a minha mobilidade reduzida. Ando, mas sou meio capenga: flexiono pouco os braços e as pernas, não subo degraus altos (escadas), não tiro/coloco as meias sozinha, não prendo o cabelo (só penteio.. do tio, e são liiindos!), não sei pular e correr, não tenho um excelente equilíbrio corporal, etc. – provavelmente esqueci de citar alguma dificuldade, mas até que eu me viro bem.

Sim, escrevo, digito, uso talheres, dirijo, passo o shampoo, maquio-me, troco de roupa, mexo as orelhas, estalo a clavícula esquerda e levanto uma só sobrancelha… 😉

Imagino como foi difícil para os meus pais, receberem a notícia de que tinham ganhado um bebê com deficiência ainda no início dos anos 80. Naquela época, pouco se falava em deficiência como falamos nos dias atuais. Mamãe sempre conta que me “esconderam” dela por uns três dias após o meu nascimento.

No terceiro dia, sob ameaça de um escândalo, levaram-me até o quarto onde ela se recuperava do parto. Sem que ninguém soubesse, nesse meio tempo, papai já havia me registrado com a versão feminina do nome dele. Ele, Carlos; eu, Karla. Aliás, eu sempre deixei mamãe constrangida nos consultórios médicos porque, sempre que iam preencher minha ficha eu dizia: “É Karla, com K! : -?

Essa mania rendeu o nome do meu blog. Voltando ao meu nascimento, depois de um tempo, meus pais observaram que meu desenvolvimento cognitivo era normal. Comecei a falar por volta dos 8 meses e, com 1 aninho, já contava até 10 por conta dos exercícios físicos que mamãe fazia e contava repetidamente (minha simpatia por números parou por aí). Com 4 ou 5 anos, mamãe me alfabetizou em casa. Foi na época dos 4 anos que fiz as primeiras 4 cirurgias nos joelhos (tenho no currículo três internações e dez cirurgias). Aos 6, fiz duas cirurgias nos pés.

O mais interessante é que, embora possa parecer sofrido para uma criança ter internações, cirurgias e passar mais tempo em fisioterapia do que brincando, correndo, andando de bicicleta, etc., eu me lembro disso tudo com muita alegria. Porque eu estive inteira em todas essas lembranças. Brinquei de verdade quando pude e do jeito que pude.

A minha infância não foi roubada pela deficiência. Fui criança feliz com deficiência. Papai e mamãe saíram-se muito bem: desde cedo compreendi que ter deficiência não é um detalhe, mas é o modo como vivencio o mundo. Estive o tempo todo cercada de outras crianças e matei a curiosidade delas em relação ao meu limite físico sempre que possível; não dei chance para que nascessem as barreiras.

Até os 12 anos (mesmo com todas as intervenções médicas), eu só pude andar com órtese (iguais as do Forest Gump). Aos 16, conheci um médico de Porto Alegre/RS que me operou e me colocou de pé. A alegria de poder caminhar foi equivalente à ansiedade de saber para onde meus pés meio tortos e com cicatrizes me levariam.  

Depois das últimas cirurgias, já na adolescência, eu terminei a escola e passei no vestibular. Noivei, casei e divorciei. Saltei de paraquedas. Morei 5 anos em Santos/SP e lá me formei em Psicologia. Atualmente, trabalho como psicóloga na APAE de Garopaba. Sou pós-graduada em Educação Especial e colaboradora do Núcleo de Estudos da Deficiência da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2010 – já de volta à minha terra natal, resolvi criar o blog para dividir minhas vivências e idéias relacionadas à deficiência. De lá pra cá, somei mais de 35 mil visitas no blog, conheci centenas de pessoas maravilhosas e tive infinitas possibilidades de crescimento pessoal e profissional. Escrever tornou-se uma necessidade de aprender e compartilhar.

Recentemente, em meio a tantos comentários e e-mails endereçados a mim, estava uma mensagem muito tocante: uma moça do Mato Grosso do Sul relatava ter uma filha com AMC e que, por acaso (se é que isso existe), havia encontrado o meu blog numa busca na internet.

Andréia era seu nome. Esposa do Téo e mãe da Manuela. Déia (como a intimidade me permite chamá-la), contava ter lido o blog inteiro durante uma madrugada na companhia do marido, sucumbidos em choro e riso. Teria sido apenas mais um casal a engrossar minhas estatísticas de pais que entram em contato comigo por terem filhos com Artrogripose, não fosse pela vontade gigantesca de nos encontrarmos que surgiu a partir daí.

No último feriado de Páscoa, Déia e Téo trouxeram a Manu para a casa dos avós paternos numa cidade próxima à minha aqui em Santa Catarina. Combinamos um encontro numa cafeteria que eu adoro. Fui sozinha e, de longe, vi Déia, Téo, Manu e dona Iva (a avó) chegando.

Deparar-me com a pequena Manuela, de apenas 6 meses, me proporcionou revisitar minha própria história, minha infância. Olhar para aquela menina tão parecida comigo, era como estar diante de mim mesma num espelho. Imaginei todas as possibilidades que estão por vir para nós duas.

Torci (e torço) para que ela tenha uma família tão sensata quanto eu tive, dando-a boas condições de enfrentamento da vida e da deficiência. Espero, de todo coração, que a Manu entenda e consiga transmitir, de alguma forma, a idéia de que nossa beleza reside num traço único, na simplicidade e na genialidade de ser humano.

Que somos todos potenciais e deficientes em algum aspecto. Que reconheça e tenha orgulho do corpo “malacabado”. Que acredite que somos todos iguais na diversidade, assim como você. 

Superbeijo, Karla Garcia Luiz.

*Fotos de arquivo pessoal e cedidas do arquivo pessoal de Andréia e Téo Mazon

Comentários

  1. Olá Karla com K rs… Minha esposa me passou esse link, acabei de ler. Uma história muito linda, meus parabéns.
    Sou pai do Mikael (homenagem ao arcanjo Miguel). Ele tem AMC. Hoje esta com 7 meses. No inicio foi muito dificil, não pelo fato de ele ter a sindrome, mas a gravidez foi preocupante, pois nos ultrassons ele não tinha muitos movimentos, não sabiamos da existencia da AMC. Mas tudo bem, acreditamos muito em Deus e queriamos a saúde dele, participei do parto (meio longe, proximo o rosto da Pri). A Drª disse – pronto ja pode bater foto, não tive coragens, pedi ao anestesista, pois quando ouvi o choro dele chorei tanto que até ate depois do parto ainda chorava rs… Mas a preocupação so começou, ele foi direto para a UTI, ficou 10 dias internado, a preocupação foi grande, mas Graça a Deus ele saio bem, no inicio foi diagnosticado Osteogenese, mas a Dr Izabel especializata da UFPA foi a médica que diagnosticou a ACM. Bom desde então a batalhga é diária. Por encrível que pareça estou super emocionado agora. Sabe vê-lo batalhando, buscando a cada dia melhorar, ele ja souta alguns sons que so ele entende rs… desde os 6 meses que ele conversa na ligua bbnês rs… Sabe ele trousse uma felicidade indiscritivel. Fico observando as vezes a preocupação das pessoas em saber se a criança tem todos os dedinhos, ou mesmo se é bonita, e deixando o mais importante para depois a saúde. Quando ele nesceu enrolei dias minha esposa para poder contar que ele estava na UTI, passei uma barra, meu familiares observavam minha angustia, pois não sabia se ele iria sobreviver, fiz o possivel e impossivel para esta em todas as visitas, faltei uma três pois não consegui mesmo chegar a tempo. Poderia passar a madrugada o dia escrevendo. Fico Muito Feliz por Você Karla com K rs… Forte Abraço. Somo de Ananindeua no Pará.

  2. Adorei a história da Karla. Jairo, não sei vc lembra, ms uns meses atrás eu contei num comentário q havia encontrado uma mulher c a msma deficiência minha (deformidade congênita nos braços), qd falo igual é tudo msm, inclusive sinais d nascença (parece até xerox). 1 ano depois d meu nascimento meus pais guardaram uma revista da Manchete em q ela dava entrevista, falando da deficiência. Eu ainda tenho a revista, daí uns meses atrás resolvi colocar o nome dela no google e encontrei e ela é gaúcha tb. Daí mandei mensagens p ela, p site dela, p face, p orkut. infleizmente eu nunca tive resposta dela. Não quis insistir. Ms pelo menos ela me aceitou no face. Ms seria muito bom se nós duas pudéssemos nos corresponder. Tenho muitas perguntas p fazer p ela, q deve ser uns 20 anos mais velha do q eu. Ms paciência né? Quem sabe algum dia eu tente outra aproximação né? beijos.

      1. Então, pensando na força d vcs, hj mandei msg p ela. Tô aki só na expectativa d q ela me responda. Ah, e hj é o niver dela d 50 anos, quem sabe ela não resolva me responder, pelo menos por curiosidade né? beijos.

        1. Ahhh, só p completar, os médicos tb me esconderam d minha mãe. Era uma época mais difícil, sem informação, c muito mais preconceitos q hj e sem a ultrassom. Ms graças a Deus, tb tive uma excelente criação. beijos.

  3. Parabéns ao Jairo e à Karla pela matéria, está linda!
    Compartilho a mesma patologia da Ká, a artrogripose. Graças a Deus (em primeiríssimo lugar!) e à internet tive a felicidade de conhecer essa moça e tantas outras pessoas portadoras de deficiência física como eu e de descobrir um mundo novo, pois até então eu era a única a andar diferente na escola, nas ruas. Tbm fui abençoada com uma família maravilhosa, que me aceitou do jeitinho que sou desde o primeiro instante. Nas primeiras hrs de vida, os médicos tb me esconderam de minha mãe, ela precisou brigar pra me ver.
    Após cerca de 5 anos de amizade virtual, tive a felicidade de encontrar a Karla pessoalmente na Reatech 2012. Fui na feira especialmente pra conhecê-la e posso dizer q valeu muuuuuuuuuuuuuuuuuito a pena!!! Essa garota é um grande exemplo pra mim, pra todos nós!
    Beijão!

    1. Beta, kerida. Foi um prazer ter te conhecido pessoalmente. Espero ainda poder fazer muitas aventuras contigo (lá no Rio, quem sabe? rs).
      Obrigada pelo carinho e amizade!
      Beijo grande.

Comments are closed.