Mães de pessoas com autismo podem ter de alongar muito o ‘cordão umbilical’
Defendo sempre que trabalhar a independência da pessoa com deficiência é fundamental para que ela galgue mais espaços sociais e crie seus próprios instrumentos de enfrentamento de preconceitos, de barreiras, de estereótipos.
Mas essa análise carece de aprofundamento dentro da própria diversidade do universo das condições físicas, sensoriais, intelectuais.
E é por isso que convidei a Ana Maria, colaborado deste blog há um bom tempo, para contar sua experiência de ter de alongar o “cordão umbilical” até onde conseguir para dar guarida, para dar sustentação à vida prática de seus dois filhos gêmeos, ambos com autismo.
O saboroso texto tece considerações tanto sobre a cobrança social pela construção de identidades mais libertas às pessoas com deficiência, mesmo as mais graves, e o sentimento profundo de mãe, que não abandona, que prevê risco, que ampara a qualquer custo.
Sem dúvida, uma contribuição muito valiosa para a Semana das Mães, que ainda reserva muita coisa boa!
♥
Querer e não poder.
Assim começa e assim terminará este texto. O amor de mãe –como se diz e se sabe– é incondicional e sem limites. E contraditório também.
De um lado é possessivo, desejando a mãe que o filho (criança, jovem, adulto e mesmo velho) esteja sempre sob suas asas protetoras como se ele não crescesse nunca, dependente dela e desprotegido dos males e ameaças do mundo.
De outro lado é libertador, querendo a mãe que o filho cresça e amadureça, fortalecendo-se para enfrentar os desafios e incertezas da vida … sem ela.
Esse o jeito de ser de toda mãe. Mas, e a mãe do autista ? Pode ela ser encaixada nessa definição? Sim e não … Possessiva é e mais do que qualquer mãe, por amor e necessidade de proteção diária, contínua e ilimitada.
A mãe do filho autista é parte dele e vice-versa. Um não existe sem o outro, dependendo e vivendo do outro e para o outro.
E o lado libertador da mãe do autista? Num primeiro momento, ousaria dizer que não existe, já que a ligação entre eles é tão presente e exagerada que a impediria até de pensar em livrar o filho das suas amarras. Mas, não é bem assim.
A mãe do autista sonha com a liberdade de seu filho. Mais do que qualquer outra mãe. Ninguém mais do que ela deseja ver seu filho sair de casa sozinho, conversar com as pessoas naturalmente, tomar decisões e assumir responsabilidades como qualquer outro filho de qualquer outra mãe.
Só que a mãe do autista não pode fazer isso. Caso seu filho saia sozinho de casa talvez não chegue à primeira esquina ou não consiga atravessar uma rua sem olhar para os dois lados.
Caso tente conversar com alguém, talvez não seja entendido ou sequer ouvido. No meio de outras pessoas poderá olhar de jeito estranho, falar sozinho, sorrir à toa ou gritar sem perceber o incômodo causado aos incomodados, esbarrar sem querer por não conseguir limitar o seu espaço.
Que decisão consciente ou razoável tomará se costuma agir pelo mero impulso, inocência e ingenuidade?
A mãe do autista sonha com algo inalcançável, por isso ela protege seu filho mais do que qualquer outra mãe poderia imaginar proteger o seu.
O cordão umbilical da mãe do autista jamais se rompe … mesmo. Como disse no início, é querer e não poder.
Ana Maria Elias Braga é mãe dos gêmeos Rafael e Renato, ambos com autismo, atualmente com 23 anos