Por que existe desconforto ou até medo de interagir com pessoas com deficiência?
Pesquisa divulgada pelo jornal inglês “The Independent” me deixou mais arrepiado do que o cabelo da Ana Maria Braga. A sondagem indicou que um em cada quatro britânicos evita conversar com pessoas com deficiência alegando “medo de ofender”, por “sentir-se desconfortável” ou por “não saber o que falar”.
O reflexo direto do levantamento está na outra ponta, a do universo da diversidade física, intelectual e sensorial, uma vez que 53% do povo “malacabado” indica que se sente sozinho em seu cotidiano, carente de interação, de convívio com o “lá fora”.
Embora o brasileiro seja mais afeito que o inglês a puxar papo na rua e tenha pouco pudor em sair perguntando a desconhecidos “o que foi que aconteceu com suas perninhas”, especulo que, se replicada a pesquisa por aqui, os resultados poderiam chamar ainda mais a atenção.
Isso porque a realidade brasileira é mais excludente em setores sociais básicos como a escola e o trabalho e menos combativa a estereótipos que imputam incapacidades em vez de limitações às pessoas.
O isolamento e a exclusão podem ser considerados elementos diretamente causadores desse “desconforto” em criar interação com o diferente. O que se desconhece costuma-se temer, ir devagarinho no contato ou até mesmo repelir.
Na excelente e recém-lançada obra “A Escola para Todos e para Cada Um”, coletânea de textos sobre a importância da educação em que todos aprendem juntos, Augusto Galery, organizador do trabalho, escreve de forma brilhante:
“A questão mais complexa sobre a segregação é que ela tende a não preparar para a vida em sociedade. A separação das diferenças leva a um estranhamento da diversidade. A maior parte dos indivíduos, hoje, sente-se desconfortável diante pessoas com deficiência, sendo tal fato prejudicial a ambos”.
Mas “bora” destrinchar as justificativas da não interação. A primeira é o “medo de ofender”. Isso deriva de uma mentalidade antiga, que já evoluiu um bocado, ligada à não aceitação de uma característica física ou sensorial.
Não ofende o cego quem lhe perguntar “Você viu o tombo do Faustão?”, pois, à sua maneira, o cego também vê, ri de informações supostamente apenas visuais. Como também não vai ofender o cadeirante aquele que soltar um “Anda logo, que o trem já vai partir”. Deficiência é condição, não um fardo ingrato da vida.
Sobre o “desconforto”, a situação é um pouco mais complexa. Teme-se que um paralisado cerebral dê uma babadinha ao longo de uma conversa, que uma pessoa com autismo dê uma despirocada na festa, que não se entenda o sinal de um surdo ao pedir uma informação.
Tudo isso pode mesmo acontecer, é da vida, mas desconforto maior é o de quem precisa driblar suas próprias características para estar num mundo de padrões determinados. Quando se trabalha que cada um tem sua forma de manifestação, tudo fica bem mais fácil e fada-se menos gente ao isolamento, ao medo de ser como se é.
Por fim, o “não saber o que dizer”. Novamente, a questão aqui é o foco na deficiência, não no “serumano”. É por essa razão que usuários de cão-guia relatam ganho na qualidade de vida social quando aderem ao cachorro que os puxa pela rua, pois, dessa orma, o foco muda para a fofice do bicho e a conversa flui de maneira mais natural.
É perfeito para o mundo a interação entre todos, caminho para novos aprendizados, conquista de cidadania e aperfeiçoamento dos conceitos de solidariedade.
Concordo com o Celso também, a sinceridade das crianças comove nesses casos, são puras e verdadeiras e dão auxílio diante de qualquer doença ou situação de problemas de saúde, são verdadeiros anjos, já presenciei a situação por vária vezes. Ah se todos seguissem os mesmos atos.
Aparecida Caroline
Essa questão tem um lado b, igualmente desagradável, que congrega aquelas situações em que, por falta de tato, as pessoas acabam entornando o caldo. Publiquei anteontem lá no cafofo sobre isso, sobre as tantas vezes em que tive que aguentar o arrepio na alma ao ouvir palavras como ‘coitadinha’ e ‘doentinha’ que alguns sem-noção utilizavam para se referir à minha filha.
Sou suspeito de carteirinha por viver desde sempre nesse mundo das diferenças, mas acho totalmente descomplicado lidar com as relações interpessoais. Uma boa dose de empatia já é um começo promissor.
Negão, não esqueça de deixar o link das postagens… sempre tem gente nova por aqui! abraço
Quando li a pergunta do título, mentalmente respondi: não sei quanto aos outros, mas minha falta de interação vem do receio de causar desconforto, de olhar demais, perguntar demais, falar bobagem. Sentimentos muito confusos. Ofereço ajuda, pergunto antes, mas ofereço, mas, nas vezes em que aconteceu da pessoa aceitar, o silencio que se estabeleceu foi ensurdecedor. Confesso que não sei lidar com a situação.
Clarice, penso que com mais informação sobre a diversidade, sobre as necessidades pontuais das diferenças, tudo pode ficar mais fácil… obrigado pela participação!
Jairo, por favor, posso republicar o texto na Revista Gente Ciente ?
http://www.genteciente.com.br
Um abraço !
João, tudo bem? Olha, o texto é de propriedade da Folha… infelizmente, não posso autorizar… abraço
Oi Jairo, ótimo texto. Eu tenho uma prima deficiente, que passa as vezes por essas situações, na maioria das vezes não é por maldade, pelo menos eu acho.
Como vc disse, não deveria existir, já que o maior desconforto é por quem sofre as vezes esse tipo de desconforto, é preciso ter respeito e carinho com qualquer cidadão. Que sirva de aprendizado.
Jéssica Oliveira.
Jéssica, com certeza não é algo proposital ou com veio de maldade… mas dá para contornar sem grandes complexidades… sou convicto disso! Abraço
Prezado Jairo Marques é verdade mesmo. Aqui onde moro, há muitos anos há um cadeirante de nascença. Sempre cumprimentei e, quando subia a rua nunca o ajudei com medo de ofender ele. Um dia, em um brincadeira de facebook começamos a falar e aos poucos fui perguntando, morrendo de medo de ofender ele. Agora somos muito amigos, empurro a cadeira – descobri que ele queria ajuda sim – e sempre nos falamos dando muita risada juntos. Penso porém que neste caso, vocês precisam nos ajudar pois hoje me divirto muito e sempre na dúvida pergunto a este amigo. Parabéns pela coluna.
Muito legal o seu relato, Fausto! Obrigado e um abraço
Apesar de haver no texto do escritor uma conotação de sarcasmo quanto aos ” brasileiros que perguntam o que houve COM SUAS PERNINHAS ?”, não se pode generalizar. Há os que não tem educação suficiente e nem a sensibilidade pra ” puxar conversa ” ou interagir com cadeirantes. Em contrapartida há os educados, polidos, discretos, ENTENDEU JAIRO ?
em geral isto não ocorre na convivência entre crianças, tive a oportunidade de conviver com elas em uma escola de educação infantil e era maravilhoso vê-las brincando e interagindo com os chamados “diferentes”.
É verdade, Celso… com crianças, se houver interação, a coisa flui bem melhor… abraço