Cachorro velho acompanha minha mãe nas dores da velhice
Nero, que no registro é labrador e na feição é só um cachorrão preto, fez 11 anos na semana passada. Mesmo sendo tratado por mamãe com banho de leite de rosas e atenção de filho caçula, o bicho envelheceu. Não pula mais para lamber a cara das visitas e tem sofrido bullying dos gatos que desfilam pelos muros.
O bicho chegou em casa em uma caixa de sapatos, mas com uma grande missão: ocupar um pouco da ausência que eu fazia na varanda, espaço onde eu e minha velha passávamos horas reclamando do calor e refrescando a memória de histórias cômicas da “famiage”.
Nero foi o cão durante a infância e juventude. Comeu o sofá, a camisola da irmã e um pedaço da cômoda. Derrubou o carteiro, beijou o leiteiro, invadiu a casa do açougueiro. Uivou uma noite toda de saudades durante um feriado e escavou o quintal até quase chegar ao Japão em uma tarde que misturou em sua alma animação e solidão.
Por mamãe, o cachorro não poupou emoções. Foi sua sombra e isso implicou se espremer em frestas do portão para ir atrás dela de qualquer jeito. Escondia-se embaixo da cama ao anoitecer, ficava saltando na janela da cozinha para vê-la preparar o almoço. Não parava quieto um minuto, não a deixava no tédio um dia sequer.
E, de repente, o tempo passou. Minha velha tem por agora um peludo idoso para fazer companhia –e se preocupar como se fosse um recém-nascido– e não mais um corisco atentado e disposto. Nero carrega o peso de uma vida muito bem vivida, ao mesmo tempo que guarda indignantes semelhanças com a maturidade áspera de sua mentora.
Os dois pouco enxergam, mancam de uma perna por “dores horríveis”, incomodam-se com muita agitação e mantêm um certo ar de cansaço que não se esvai, de angústia que não adormece, de carência de algo que nunca chega. Entre minha velha e seu cachorro velho mora um sentimento muito além de apenas cumplicidade, mas de amizade indelével, de uma certa tristeza de algo que não se decifra com o olhar.
Minha mãe tem se esquecido de muitas coisas ultimamente. Diz que a cabeça está parando de funcionar. O que ela jamais esquece é sua rotina com Nero. Ao anoitecer, ajeita os trapos do marmanjo na cama que fica no quintal e faz nele um chamego; ao amanhecer, dá a ele “bom dia, meu nego” e recebe de volta um fraco abanar de rabo, desajustado, mas sincero. Ao longo do dia, arruma sua comida, prepara para ele meticulosamente o remédio para as perebas na pele, outro para melhorar a tosse, ainda um para as dores na coluna, tem o que “ajuda a cabeça” e, por fim, um que promete a eternidade.
O cão também não se faz de rogado em sua missão de bom companheiro. Esforça-se para manter um rosnado hipoteticamente ameaçador para peludos estranhos que passam muito perto do portão, ergue uma das orelhas quando ela o chama para fazer alguma graça e late de felicidade e com muito esforço sempre que ela chega de qualquer lugar.
Muitos são os que reclamam de que os bichos estão sendo, por estes dias, mais bem tratados do que gente, mas a realidade é que os bichos, muitas vezes, sabem melhor da arte de ser gente, de ser velho e de cravar lembranças boas, inesquecíveis, no coração de amados entes.
Estava em Maceió num hotel quando li o seu texto. Fiquei muito mexido por dentro. Queria ler prá alguém ouvir. Quase pedi o jornal para o recepcionista mas me contive. Não lembrei o seu nome nem algum outro detalhe mas quando de volta a SP procurei muito, intensamente, até que achei… aqui no site da Uol. ufa… lindo, lindo, lindo!
Muito obrigado, Alexandre! Grande abraço
Lindo texto, linda história. Sou uma cachorreira ( e agora também gateira) jurada e sacramentada, sem possibilidade de cura e feliz da vida. Melhores companhias, sem dúvida, em qualquer fase da vida. Gosto mais dos meus bichos do que de certos parentes e algumas pessoas eu visito por causa dos bichos que eles tem. Reverti aquele ditado de que “por causa do dono a gente agrada o cachorro”. No meu caso por causa do cachorro eu suporto os donos, pelo menos por um tempinho….ha ha ha. Beijo.
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk genial, amiga querida, genial!
Belíssimo texto!!! Pura emoção e amor!!! Como sempre…
Muito obrigado!
Lindo texto ,Jairo !!!
♥
O quê? Nero já tá velhinho? como o tempo passa, Jairo…
Está, Silvia… impressionante, né? Tem até pelos brancos…
Puxa tio ultimamente todos seus textos me fazem chorar. Não tenho nenhum animalzinho comigo, mas me vi na D. Marli durante sua descrição da rotina diária. Tb tenho minhas rotinas.
Parabéns pelo texto lindo e sensível. Bj
Fabi, quem tem de agradecer, sempre, sou eu, por sua eterna gentileza comigo.. bjosss
Lindo seu texto, Jairo, como todos que você escreve. Me vi no lugar de sua mãe, tenho 73 anos e uma vida muito limitada por um sério problema de coluna e tenho um cachorrinho ( ou melhor, um grande amigo) inseparável que está a meu lado há nove anos. Espero que meu Igor me acompanhe por muito tempo. Beijos e obrigada
Ines, ele vai acompanhar, com certeza!!! bjoss
Caro Jairo,
Parabéns pelo belíssimo texto. Pouco mais de um mês atrás minha família e eu perdemos uma pequena companheira de 13 anos e meio que alegrou imensamente a nossa vida e suas palavras nos emocionaram muitíssimo pois nos trouxeram boas recordações de todos os momentos em que estivemos juntos.
Um grande abraço e sinceros votos de que os bons momentos ao lado de Nero ainda possam ser bem vividos pelo tempo que for possível.
Flavio
Grande abraço! Obrigado, Flavio
Seu texto fez me lembrar do meu cachorro, que morreu em 1984 de Parvovirose. Essa doença é muito ruim, tanto que mata em menos de 24 horas depois de ter os sintomas. Ele veio para a minha casa com um mês de idade e morreu com 11 anos. Ele era sabido, honesto, orgulhoso, vaidoso e tinha vergonha! Ele era um “Tomba” legítimo. Gostava de passear de carro, entendia japonês e português, uma vez que em casa se falava as 02 línguas. Ele tinha os programas de t.v. que ele gostava de assistir junto com meu pai, tinha “futon”, uma espécie de endredon japonês, que ele levava aonde quer que fosse, dentro de casa. Quando o “futon” ficava sujo, ele pedia para a minha mãe lavá-lo e dar lhe outro. Uma vez, ele tinha ganhado um novinho e meu pai pediu-o emprestado. O Chang emprestou, mas meu pai e ele tiveram uma briguinha e ele tirou o “futon” de meu pai e foi embora, como quem diz: “É assim. Então não te empresto mais”. Outra vez, meu pai apareceu com um rifle e mostrou para nós e o Chang começou a tremer muito, de medo. Acho que ele assistia muito seriado e filmes de bang bang e sabia que aquilo era perigoso e tem muitas histórias engraçadas, interessantes, amorosas etc. Minha mãe não quer ter mais cachorro em casa, pois é muito sofrido perder.
Beijos em você e na família.
Su, adorei imaginar a vida desse cachorro bilingue ahahaah… E eu não sabia que vcs falavam japonês em casa! Demais!!! Não sei como será quando Nero se for. Não mesmo.. beijosss
Muito lindo, me parece que os dois estão bem.
Lindo o texto!
Tenho uma cocker com 12 anos e meio, também já está velinha, não enxerga mais de um olho, mas continua doce, companheira e carinhosa.
E todo dia passa um susto na gente. Não sei como será sem ela, vou sentir muita falta do seu companheirismo e meiguice.
Mas assim é a vida né?!
Grande abraço.
É, querida Kenia… para minha mãe, pensar nesse momento da partida do Nero parece ainda mais complexo ee doloroso.. beijosss
Tio Jairo, você e sua capacidade de tecer prosas que nos levam as lágrimas, aos sorrisos, e acima de tudo a pensar. Vida longa a sua mãe , e ao Nero!
Obrigado pelo carinho!!!
Isso mesmo Jairo!!!! Eles são assim. Por isso sempre digo que a minha Jack, uma Belga Malinois de 9 anos, é pessoa cachorro da família!! Muito gente!!!!
Abraços,
Sandra Campos
Outro abraço para vc, Sandra!
Temos uma cachorrinha chamada Mel. Atualmente com 11 anos. Companheira de todas as ocasiões. Seu texto retrata exatamente o sentimento que a maioria das pessoas tem pelos cachorros. Parabéns a todos os “cachorreiros”.
Valeu, Eduardo!
Lindo texto.
Muito obrigado!
Caro Jairo,
Tem toda a razão: cachorros, muitas vezes, “sabem melhor da arte de ser gente”.
E foi tão real – e certeira – sua descrição da velhice dos dois. E como se visse minha avó neste retrato.
Obrigada,
Obrigado você, Débora. Um abraço
Que lindo texto! tenho 2 cadelas idosas, que fazem companhia diariamemte para minha mãe idosa e com alzaimer. Devo muito a elas , fizeram companhia aos meus filhos , quando eles eram pequenos e agora, à minha querida mãe.
Que boniiiito!
é verdade , eles realmente sabem da arte de ser gente. Pudera, acompanham-nos sabe Deus desde quando, um tempo que a ciência ainda investiga, tentando entender essa relação, que teria se iniciado com os lobos. Hoje criamos uma relação de dependência mesmo: cães guia, policiais, farejadores, mensageiros, etc. Outro dia vi a noticia de um cão que confortava pessoas em velórios. Viva todos eles, inclusive os abandonados vira-latas.
Grande abraço!
Jairo, lindo texto. Chorei ao ler. Como sempre, a emoção de suas palavras me emocionam e vão me acompanhar por dias!!
Que bom, Isabel!
Caramba…chorei aqui!
Ahhhhhhh
Bom dia, vivo o mesmo que você neste momento. Durmo com a sensação de que acordarei e os dois já terão partido, juntos.
Puxa…
Minha Daschund morreu há uma semana. Puppy chegou com tres meses e morreu com 15 anos e meio. Ela estava nas mesmas condições que Nero, talvez até pior. Mesmo assim, foi horrível perder minha salsichinha sapeca.
Tomara que ele chegue aos 15… tenho dúvidas…
Catarina foi uma amiga sem raça definida que por dezesseis anos me foi de uma
fidelidade impar,e era exatamente assim que era tratada com muito amor e dignidade.
😉
Parabéns pelo ótimo texto! Sensível, belo, humano e animal!
Quase síntese de como devemos encarar vida e cães!
Poesía pura!
Muito obrigado, Paulo!