Paraty para todos

Jairo Marques

Uma senhora se escorava nas paredes de um casario para manter-se em pé, uma moça fazia um balé sem harmonia para andar por mais uma quadra, eu, a bordo de minha cadeira de rodas, era acudido por um bombeirão gente boa para conseguir vencer poucos metros de passeio. Aquilo que chamam de calçada e rua, no centro histórico de Paraty, tem outro nome: desumanidade.

Fui à cidade, que vive o intelectual clima da Flip, para falar sobre “intolerância”, na Casa Folha. Confesso, porém, que tive pouco saco para suportar a exclusão forçada do lugar. De que adianta exalar conhecimento e literatura se a realidade do local é agressiva com pessoas com deficiência, idosos, mulheres grávidas e quebrados de toda ordem?

“É patrimônio histórico! Não pode mexer.” Ah, meu povo, paremos com isso. O coliseu romano, milenar, tem elevador e uma rota de passeio acessível. Jerusalém fez rampas em trechos tidos como sagrados, pisados por gente importantíssima. Mas aqueles cascos de tartaruga de Paraty, desprovidos de qualquer embelezamento estético e aviltantes às pessoas, são intocáveis por quê?

Desculpem a braveza de cachorro de japonês, mas nem mesmo em áreas fora de uma suposta “proteção de memória”, o município cuida da diversidade. Não há rampas e muito menos calçamento digno para o trânsito de um “serumano”.

Não há sinal sonoro, não há placas de orientação. Acessibilidade plena é lei federal.

Para uma construção que guarda uma herança universal, não faz sentido nenhum se dela não puderem todos desfrutar. Cidades erguidas por civilizações do tempo do “epa”, na Espanha, criaram trechos lisinhos na calçada para que o pedestre possa apreciar a arte e respirar conhecimento sem empecilhos de ordem arquitetônica.

Pobres dos cavalos que puxam charretes noite e dia por aquelas pedras. Resta pensar que estão fazendo uma boa ação: a de conduzir gente que não consegue transpor aquelas barreiras ridículas cuja identidade histórica, pelo que ouvi aqui e acolá, é bastante questionada.

É inegável a beleza paratiense, com seus barquinhos de múltiplas cores, seu céu de um azul aconchegante e o mar. É inegável que a festa literária cria uma atmosfera de inquietações diversas que acabam por refletir na sociedade, em algum momento, mas Paraty precisa ser para todos.

Comentários

  1. O calçamento das ruas é falsamente ”histórico”. Os trabalhadores antigos colocavam as pedras cuidadosamente alinhadas. Carroças e carruagens com rodas de madeira circulavam por essas ruas.
    Conheço Paray desee a década de 1960. Caminhões pesados trafegavam pela cidade durante vários anos, antes de colocarem as correntes.
    É possível refazer calçadas e ruas, mantendo o calçamento original, mas adequado a circulação de todas as pessoas.
    Por que não fazer uma estreita faixa de cimento liso de cada lado da canaleta central?

    1. Paulo, eu penso exatamente como vc. A medida da faixa de cimento liso é usada em diversos países do mundo! Abraço

  2. É verdade, Jairo.
    Não sou cadeirante nem uso bengala, mas embora vá a FLIP há 12 anos, acho que não conheço Paraty, pois tenho que andar olhando para o chão e não consigo apreciar a beleza da arquitetura.
    E a maior vergonha é até hoje a cidade não ter construído banheiros para uso do público, já que a FLIP atrai muitos turistas que são obrigados a usar banheiros “ecológicos” que são um horror.
    Continue com sua campanha, ela é mais do que bem-vinda.

  3. Amo Paraty, é muito lindo lá mas devo confessar que já tropecei várias vezes nas pedras que calçam o centro histórico.
    Realmente, Paraty deve inovar e ser para todos.

  4. Jairo querido, compartilho o seu texto. Estive lá há muitos e muitos anos, quando era jovem e andava com mais agilidade, sem bengalas. Agora, morro de vontade de ir para a FLIP, pois
    amo ler e amei Paraty. Mas como fazer, se nem a cadeira de rodas consegue circular por lá. Endosso seu texto e torço para que sua voz seja ouvida. A quem poderíamos nos dirigir para conseguir esse benefício, ou melhor, esse prêmio, pois ir para Paraty é um prêmio. Lá é muito lindo ! Obrigado, amigo, por nos defender com tanta sabedoria. Saudades suas e da família.
    Beijocas carinhosas para sua garotinha, muito linda. Quando vai acontecer um encontro com o pessoal amigo. Quero abraçar todos, de verdade. Márcia

  5. Leio suas crônicas na Folha e gosto muito do seu trabalho. Tenho 61 anos, sou psicóloga e professora e ainda com sequelas de poliomielite que contraí aos 7 meses de idade. Nunca pude visitar Paraty em função de suas ruas e calçadas que são para muito poucos. Gosto muito de literatura e a Flip é inviável para mim e muitos outros como eu. As cidades históricas mineiras, o Pelourinho, enfim todos os lugares históricos no Brasil, nos dão um alto e bom NÃO. Como você mesmo disse em seu texto, a desculpa esfarrapada da proteção serve para que nada seja feito para que todos possam conhecer e aproveitar estes lugares. Sem mais, agradeço por voce escrever para todos nós.

    1. Sonia, conte sempre comigo. As cidades históricas de MG, como vc diz, guardam a mesma realidade. Essa mentalidade tem de ser vencida. Oras, o Vaticano criou acessibilidade.. quer mais histórico que aquele país? Um abraço

  6. Olá, Jairo! Estive ano retrasado, de passagem rápida por Paraty com minha família e senti exatamente isso. Um dos meus filhos é cadeirante e pouco pudemos fazer, por lá. Foi insuportável a sensação de sermos expulsos da cidade. E não apenas pelo cadeirante, mas tá.bem por meu outro filho pequeno, que não conseguia se equilibrar, e por minha mãe. Sempre quis conhecer Paraty, mas foi terrível! Obrigada por ser nossa voz!!!

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